Aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) afirmam que tiveram descontos indevidos em seus contracheques muitos anos antes do amplo esquema de fraudes revelado pela Polícia Federal (PF) e pela Controladoria-Geral da União (CGU).
Uma operação realizada no último mês mirou um esquema bilionário que desviou recursos de beneficiários do INSS entre 2019 e 2024. Segundo as investigações, os suspeitos cobravam mensalidades irregulares, descontadas dos benefícios, sem autorização das pessoas.
As apurações da PF e da CGU apontam que associações e entidades realizavam cadastros de aposentados sem autorização, com assinaturas falsas, para descontar valores dos benefícios. O prejuízo total pode chegar a R$ 6,3 bilhões no período investigado.
Na última semana, o governo federal publicou um despacho em que suspende, por tempo indeterminado, todos os acordos do INSS com entidades associativas que descontavam parcelas mensais de aposentados e pensionistas. (saiba mais abaixo como identificar e excluir as cobranças)
Diante do escândalo, o então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, foi demitido do cargo. Nomeado novo presidente, o procurador federal Gilberto Waller Júnior afirmou na segunda-feira (5) que o plano de ressarcimento das vítimas sairá até a próxima semana.
A revelação da fraude também causou mal-estar dentro do governo, e o ministro da Previdência, Carlos Lupi (PDT), pediu demissão na última sexta-feira (2). Para o lugar dele, foi escolhido o ex-deputado e número 2 de Lupi, Wolney Queiroz.
Descontos desde 2006
Odilon Guimarães, de 74 anos, notou há quase 20 anos descontos indevidos em sua aposentadoria. Segundo ele, as primeiras cobranças de mais de R$ 20 começaram em 2006, três anos após o início do benefício previdenciário por invalidez.
Em seu extrato do INSS, o débito aparecia como “consignação”, mesmo sem a contratação de crédito consignado, relata.
Apesar das tentativas com atendentes do INSS, Odilon diz não ter tido sucesso no cancelamento das deduções. Em 2008, então, as mesmas cobranças passaram a vir em seu contracheque sob o registro de “Contrb.assoc.aposent/cobap”.
O aposentado de Belo Horizonte (MG) diz que, apesar da mudança na nomenclatura, o percentual descontado indevidamente de seu benefício continuou sendo o mesmo.
“A rubrica de ‘consignação’ foi até junho de 2008. O valor era 1% da aposentadoria. Já em julho daquele ano, a rubrica passou a ser outra, a de contribuição associativa”, explica, acrescentando que o percentual descontado permaneceu o mesmo.
Odilon afirma ter conseguido suspender as cobranças apenas em 2021.
“Foi engraçado que, entre julho e agosto de 2021, eu liguei e, de imediato, a atendente falou: ‘Pode deixar que nós vamos cancelar’. E pararam de cobrar. Foi sempre 1% do valor da pensão”, relata.
“Antes, eu ligava e reclamava, mas diziam: ‘Nós não podemos fazer nada, você tem que entrar em contato com a associação responsável pelo desconto’. E não conseguia cancelar.”
Pelas contas do aposentado, foram descontados mais de R$ 6,5 mil sem sua autorização ao longo de quase 15 anos. Ele diz que ainda não entrou com ações na Justiça sobre o caso.
Consignado sem autorização
A operação sobre fraudes no INSS também jogou luz sobre casos de empréstimos consignados sem autorização.
A repórter Amanda Lüder, da GloboNews conversou com Maria da Glória, moradora de Porto Alegre, que recebe há mais de 10 anos pensão pela morte do marido.
Ela tem quatro empréstimos consignados ativos, que não foram solicitados, além de outros 41 que já conseguiu encerrar ao longo desse tempo. Apenas três foram feitos com autorização da aposentada. O restante se refere a renegociações sem autorização.
A família dela estima um prejuízo de R$ 160 mil reais ao longo desses mais de 10 anos.
Avanço nas apurações
A força-tarefa montada para desbaratar o esquema de fraudes no INSS avança para novas linhas de apuração. As investigações envolvem agora novos órgãos, como a Dataprev, e valores muito superiores ao que estão em apuração hoje, mostrou o blog da Daniela Lima.
O novo tronco de investigação mira possíveis fraudes nos empréstimos consignados, firmados por meio do INSS, com aposentados e pensionistas.
Só no ano de 2023, foram 35 mil reclamações de empréstimos liberados indevidamente, inclusive sem qualquer solicitação por parte do beneficiário, conforme auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) a que o blog teve acesso.
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