Desde que surgiu a internet, há quem proclame que a mídia de massa não é mais importante. As “novas tecnologias da informação” tiraram seu lugar. Esse é o pressuposto, às vezes explícito, às vezes tácito, de milhares de estudos no Brasil e também fora.
As próprias empresas às vezes adotam esse discurso, marotamente, para desinflar as pressões pela democratização da mídia. Afinal, todo mundo pode falar na web, para que brigar por pluralismo dos meios? Como faz uns anos escreveu o “intelectual residente” da Folha de S. Paulo, Hélio Schwartsman, com a sua característica combinação de desinformação, má fé e arrogância, os defensores da democratização da comunicação estariam “uma guerra atrasados”, empunhando bandeiras que foram importantes no passado, mas não são mais.
A eleição de Jair Bolsonaro seria a comprovação final da tese. Afinal, acredita-se que sua vitória foi alcançada graças a vídeos toscos no Youtube e correntes no zap. Empossado, comanda a destruição do país por meio de lives e tuítes. Diz-se que ocupa boa parte de seu dia de “trabalho” trancado sozinho no closet de seu quarto presidencial, transformado em uma espécie de escritório, navegando nas redes sociais.
Atacando a mídia em muitos de seus discursos, ofendendo profissionais da imprensa, o próprio Bolsonaro alimenta a ideia de que governa de costas para as corporações empresariais de comunicação, sustentando-se pela relação “direta” com seus seguidores nas redes.
A cerimônia de hoje, para comemorar a independência do Brasil, basta para mostrar como essa leitura é equivocada. Bolsonaro chutou Michelle para fora do palanque para ficar ladeado por essas duas grandes figuras da vida nacional: Edir Macedo e Silvio Santos. A imagem revela, por si só, a tragédia que é o Brasil. Mas revela também o peso da mídia corporativa.
Bolsonaro sabe que precisa da cobertura amiga da mídia. Sempre precisou. As empresas gostam de apresentar a si mesmas como o antídoto às fake news, mas o fato é que a destruição do debate público no Brasil foi fruto de uma dobradinha.
A mídia gerou deliberadamente o ambiente de informação necessário para que as fake news prosperassem. Por exemplo: sem a reiterada afirmação de que Lula era o chefe e o PT, uma quadrilha criminosa, as histórias sobre seus filhos serem proprietários de grandes empresas ou ele possuir contas bilionárias no exterior teriam mais dificuldade para se propagar. Sem o discurso reiterado de que Bolsonaro e o PT representavam formas opostas, mas simétricas, de “extremismo”, o apoio envergonhado que muitos conservadores deram ao ex-capitão, em 2018, teria sido mais custoso.
A parceria com Record e SBT é essencial à estratégia de Bolsonaro. Por um lado, garante de duas grandes redes uma cobertura despudoradamente manipulada, mentirosa, em seu benefício. Por outro, mantem a Globo em alerta, tendo que cortejar seus favores, obrigada a baixar a bola. Sabe que a empresa dos Marinho tem interesses demais em sintonia com seu governo para de fato assumir uma postura combativa.
*É professor universitário; artigo publicado originalmente no Facebook do autor, em 07/09/2019
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