Em períodos de crise, exercer a liderança pode se tornar ainda mais desafiador. Muitos líderes demonstram fraqueza ao focar somente em pontos negativos (externalidades negativas) passando para a sua equipe um mindset de insegurança e indecisão. Em contraponto a este perfil, a liderança do explorador Ernest Shackleton nos mostra a importância de gerir a energia e o foco de seus liderados para atravessar situações como estas.
Em busca de um feito inédito em 1914, o inglês Ernest Shackleton liderou uma expedição com sua tripulação de 27 homens e uma única missão, partir da Inglaterra e atravessar a Antártida em seu navio denominado “Endurance”, ou em português, “Resistência”. Em sua jornada, Ernest Shackleton escreveu suas experiências em um diário, que posteriormente se tornou um brilhante livro chamado “A incrível viagem de Shackleton: A mais extraordinária aventura de todos os tempos”.
O que podemos aprender com as ações de um líder diante de um desastre que nos ajudarão no exercício da liderança?
Como uma história de exploração de mais de 100 anos atrás pode iluminar os desafios que permeiam nosso momento atual?
Apesar de não ter concluído a sua travessia, seus 2 anos de experiência nessa incrível jornada nos trazem grandes aprendizados de um líder que não nasceu líder, mas foi forjado líder em momentos de crise.
Mesmo após ter sido avisado por marinheiros experientes que viviam naquela região sobre os perigos das grandes placas de gelo e dos icebergs, em agosto de 1914 Shackleton decidiu velejar apesar de todos os riscos, e iniciou sua expedição com 27 homens a bordo.
Durante o trajeto a cerca de 1.300km adentro do continente, grandes placas de gelo e icebergs cercaram seu navio, fazendo com que o mesmo ficasse totalmente atracado entre as geleiras.
Para refletir, aqui vão algumas perguntas para os líderes atuais:
O que você faria em uma situação como esta? Quais seriam as suas primeiras atitudes como líder do Endurance?
Podendo ser comparado a um deserto congelante, o navio ficou preso entre as geleiras durante o período do verão, onde ventos de até 150km/h são normais, e a temperatura média é de aproximadamente -30ºC. São dias de luz ininterrupta, onde o tempo pode demorar a passar.
Como manter o foco de seus homens em uma situação como esta? Como fazer com que trabalhem juntos pelo mesmo propósito? Para passar por esses dias, a tripulação precisaria de um alto engajamento e coesão, por isso Shackleton criou o que ele chamou de “Medicina Mental”.
Shackleton ordenou que diariamente todos os homens se reunissem após o jantar para socializar. Eles se reuniam e aproveitavam a companhia uns dos outros com jogos e conversas. O principal objetivo era fazer como que seus homens não ficassem sozinhos em seus dormitórios e focassem na situação miserável em que se encontravam.
Durante os dias, eles organizavam corridas de cachorros, competições de canto e dança no gelo, entre outras atividades que faziam com que os seus homens permanecessem sempre engajados, focando em pontos positivos e principalmente trabalhando juntos.
Shackleton percebeu que além do engajamento, era fundamental manter seus homens ocupados durante todo o dia. Voltando as suas atenções para as suas habilidades. Pensando nisso ele ordenava diariamente tarefas a seus homens para fazer com que eles tivessem a sensação de que estavam sendo produtivos.
O principal objetivo da Medicina mental era gerenciar a energia, as perspectivas, o envolvimento e a coesão de sua equipe. O que aconteceria se Shackleton não aplicasse a medicina mental com seus liderados? Provavelmente uma sequência de negatividade tomaria a sua tripulação, com sentimentos como tédio, desespero, descrença, dispersão, e por fim, a morte. Por isso Ernest se aplicou em utilizar bem este recurso, e em momentos como este, a medicina mental era mais valiosa do que os suprimentos.
Após 6 meses nessa situação, em junho de 1915, as geleiras avançaram, movimentando o navio e o colocando em uma inclinação irreversível de aproximadamente 50 graus de desalinhamento. Neste momento, perguntas importantes passaram por sua cabeça. Como meus homens sobreviverão? Como vou liderara-los à sobrevivência? E o mais importante: Como vou ajudá-los a acreditar que podem sobreviver?
Shackleton teve que tomar a importante decisão de abandonar o navio no início do inverno. E em seu diário ele escreveu:
“O que o gelo toma, o gelo fica.”
Eles então pegaram alguns botes salva-vidas, animais e suprimentos, abandonaram o navio e montaram um acampamento no gelo onde viveram por 2 meses, quando o Endurance finalmente afundou entre as geleiras e não existia mais linhas de referencias no horizonte.
Neste dia, em seu diário Shackleton escreveu:
“O Endurance hoje afundou, não consigo escrever sobre isso.”
Quantos conseguem imaginar? O navio já não existe mais, Shackleton e sua tripulação estão acampados no gelo com três botes salva-vidas, cães, e suprimentos que tiraram do navio. Um fato interessante é que Shackleton insistiu em salvar o banjo de um membro da tripulação, vendo-o como uma ferramenta valiosa para fazer medicina mental. Considerada por ele mais importante agora do que antes do navio afundar.
Naquele momento, Ernest percebeu que sua missão havia mudado e que sua liderança também deveria mudar.
E em seu diário ele escreveu:
“Um homem se molda a um novo objetivo no momento em que o antigo vai embora.”
Shackleton não sabia ao exato como lidar com aquela situação, sua missão havia mudado. A partir de agora a sua principal missão seria levar sua tripulação a salvo para suas casas. Então ele percebeu que precisava ser um líder ainda mais forte e capaz. Um líder totalmente comprometido com a noção de que sua liderança precisaria de rápida adaptação, flexibilidade e inovação.
Em seu acampamento, como líder, Shackleton se empenhou em fazer cada homem crer que eles poderiam voltar para casa, e era de extrema importância que cada homem acreditasse, ou do contrário sua nova missão estaria arruinada.
Então voltou a gerir a energia e o foco de seus homens, só que a partir daquele momento, tendo maior atenção nos homens mais negativos de sua tripulação, nos que duvidavam da missão, e que poderiam perturbar todo o grupo com esses pensamentos.
Utilizando a máxima “Mantenha os seus amigos próximos e os seus inimigos mais próximos ainda”, sua principal estratégia foi reunir todos estes homens e fazer com que tivessem que dividir a tenda do acampamento com ele. Shackleton não poderia deixar estes homens sozinhos espalhando negatividade.
Eles permaneceram nessa situação durante dois meses. Até que Shackleton separou uma equipe de cinco homens para retornar os 1.300km remando em um bote salva vidas até a Ilha de Georgia do Sul, onde caminharam mais 36km até encontrar ajuda para o resgate do restante de sua tripulação. Após dois longos anos sob sua liderança, a tripulação foi resgatada com a ajuda do Governo do Chile, e todos os seus homens retornaram para as suas casas com vida.
Três práticas foram essenciais para o sucesso de Shackleton como líder:
Aqui vão algumas características do perfil de liderança de Ernest Shackleton que podemos aplicar nos dias de hoje.
Se por acaso a sua missão para este ano falhou, devido as circunstâncias atuais em que nos encontramos, não se lamente. Assuma a responsabilidade, análise a conjuntura atual, defina seu novo objetivo e lidere com rápida adaptação, flexibilidade e inovação.
*CEO do SCCOM e Vice-Presidente do CRA-AL
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