De todos os pecados que "Silvio" poderia cometer, transformar a vida notável da pessoa mais importante da história da TV brasileira em uma sucessão insossa de episódios desconjuntados é o maior deles.
A tentativa de cinebiografia de Silvio Santos, que morreu em agosto aos 93 anos, estreia nesta quinta-feira (12) nos cinemas – e é difícil pensar em uma qualidade que redima o filme.
Rodrigo Faro nunca convence como o protagonista – e a maquiagem usada para deixá-lo mais velho, com limites claros entre as próteses e o rosto original, serve apenas para distrair o público das atuações engessadas.
Esta é apenas a primeira de uma série de escolhas inexplicáveis, que inclui a omissão de qualquer menção ao nome do canal fundado por Silvio, o SBT – ao mesmo tempo em que sua maior concorrente, a Globo, é citada pelo menos uma vez.
Não dá nem para dizer que a obra pelo menos é curta. Com um ritmo arrastado cheio de repetições e frases de efeito, as duas horas de duração parecem sete.
Hoje não, Faro
É louvável o esforço para fugir das fórmulas das cinebiografias e costurar a vida de Silvio com o episódio do sequestro duplo em 2001.
Na ocasião, um criminoso invadiu a casa do apresentador e o manteve refém por mais de sete horas, dias depois de sequestrar e libertar sua filha, Patrícia Abravanel.
O filme aproveita as mais de sete horas em que o protagonista foi feito de refém para usá-lo como narrador da própria história para o jovem (Johnnas Oliva) – desde a origem como um camelô no Rio de Janeiro ao dono do próprio canal de TV.
Intérprete desse momento da vida de Silvio, Faro tem 20 anos a menos do que o apresentador na época – e simplesmente nunca convence como o (então) septuagenário mais famoso e imitável do Brasil.
O ator até teria mais chances ao interpretá-lo mais novo, sem as próteses que nunca deixam de parecer o que são, mas a produção toma outra decisão inexplicável e escala outra pessoa, Vinicius Ricci, para dar vida a um Silvio em início de carreira.
A falta de qualquer semelhança com Ricci deixa Faro ainda mais deslocado no filme do qual deveria ser a grande estrela.
SBT pra que
Nas mãos de um cineasta mais habilidoso, as cenas de tensão na cozinha tinham potencial, mas a direção de Marcelo Antunez ("Polícia Federal: A lei é para todos") nunca passa da estética de "reconstituição de programa policial".
Para ser justo, o roteiro do estreante Anderson Almeida (que conta com a colaboração de mais quatro pessoas) dificulta o trabalho de todos.
É quase injusto julgar a atuação de um ator obrigado a repetir que "isso aqui não é TV, não" durante algumas das cenas mais tensas (em teoria). Na primeira vez, daria para deixar passar como um deslize. Na segunda, é possível ouvir risos nervosos do público.
A agonia cresce com o (também teórico) crescendo da história. É notável que, ao mesmo tempo em que aumenta o desespero do sequestrador por causa do cerco da polícia, caia quase totalmente a energia da trama – e, com ela, a do espectador.
Quando o apresentador abre mão de uma possibilidade real de fuga para ajudar seu algoz, apenas para logo em seguida berrar que não pode morrer ali por causa do amor por sua família, toda a esperança por qualquer sentido ou coerência narrativa é abandonada.
No fim, quem acha que pelo menos vai sair do filme sabendo mais sobre a vida de Silvio há de se decepcionar. Todos os grandes acontecimentos da maior figura da televisão brasileira são citados quase de passagem, sem qualquer peso ou consequência.
No máximo, é possível acompanhar brevemente os esforços pela fundação de um "canal 11". Claro, todos sabem que ele viria a ser o SBT de hoje, mas há algo de extraordinário em um filme sobre Silvio Santos que nem cita o nome de seu canal.
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