Não tinha mais nenhum real na conta", lembra o biólogo paranaense Rodrigo Fernando Moro Rios, de 32 anos.
Graduado em ciências biológicas, mestre e doutor em zoologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), ele estudou na Universidade de Illinois, nos EUA, e fez pós-doutorado na Universidade Durham, na Inglaterra, em 2015.
Ainda é pesquisador associado do Departamento de Antropologia da instituição inglesa, mas, desde que retornou ao Brasil, em 2016, o zoólogo trabalhou como garçom, barman, figurante de filmes, entregador de Uber Eats e se ofereceu para ser modelo nu em cursos de arte.
Rios não está sozinho. Assim como o biólogo, muitos jovens doutores brasileiros enfrentam dificuldades de inserção no mercado e vivem num limbo profissional.
"Sou forçado a uma série de atividades, de barman a professor de surfe, para muitas vezes conseguir menos que o equivalente a um salário mínimo por mês", diz o cientista.
Atualmente, o salário mínimo no país é R$ 954.
Investimento
Nascido em Cascavel, mas residente em Curitiba, Rios desenvolve estudos sobre primatas modernos.
O biólogo dedicou mais de dez anos à sua formação acadêmica, de 2003 a 2015, emendando pesquisas de iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado, com bolsas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
"Vi como um plano de carreira, pois a ciência satisfaz minhas aspirações profissionais. Era um caminho certo, estável. Pensei que poderia atuar como biólogo profissional ou professor, mas, depois que voltei da Inglaterra, isso se provou um erro", conta.
Entre o doutorado e o pós-doutorado, ele fez trabalhos técnicos e estudos de impacto ambiental relacionados, por exemplo, a fauna silvestre, mineração e terras indígenas.
Antes de retornar ao Brasil, o pesquisador prolongou o estágio pós-doutoral na Universidade Durham: pediu 12 meses de prorrogação, mas obteve seis meses apenas. Seu projeto de pesquisa foi considerado promissor, mas inviável por uma questão técnica.
De volta ao país, cumprindo as regras atuais das agências federais, ele pretendia dar continuidade à investigação científica com apoio do programa Jovens Talentos, voltados para pesquisadores de áreas prioritárias do programa Ciências Sem Fronteiras, uma iniciativa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e do Ministério da Educação.
Porém, prestes a se mudar para Florianópolis para realizar essas atividades na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o programa foi cancelado. "Estava tudo certo, mas a bolsa deixou de existir", lamenta.
"Fiquei muito inseguro. A rede de contatos para consultoria ambiental, que eu tinha construído antes, começou a se desmanchar. Não tinha informações sobre outros pós-doutorados. Não tinha concursos abrindo."
Rios conseguiu contratos temporários como professor visitante em universidades particulares paranaenses, como a Faculdade Assis Gurgacz (FAG), em Toledo, e a Uniamérica, em Foz do Iguaçu, ministrando cursos de curta duração.
Atualmente associado como pesquisador à Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), em Foz do Iguaçu, e à Universidade Durham, continua atuando como cientista, oferecendo cursos de extensão, orientações e palestras, sem receber remuneração ou ajuda de custo.
Segue ainda escrevendo artigos para publicações acadêmicas, que contam pontos nos processos seletivos para docente de ensino superior, e está escrevendo um livro de biologia intitulado Longas Caminhadas, Sombra e Água Fresca: As Raízes Evolutivas de Nosso Bem-estar.
"Estou mandando currículo para tudo que é lado, procurando várias opções de área para não perder nenhuma oportunidade."
Bicos
Sem oportunidades na área em que se especializou, Rios teve de buscar outras alternativas para se sustentar.
"No fim do ano passado, não tinha disciplina para dar, não tinha consultoria. Não tinha dinheiro. Morava sozinho desde o fim da graduação; agora, voltei para a casa da minha mãe. Eu tenho uma mãe e um teto – sei que tem gente não tem nem casa nem família, mas não penso que é papel dela ficar me sustentando a essa altura", considera.
Foi neste contexto que o pesquisador passou a fazer freelance como barman num bar de Curitiba, entregar encomendas via Uber e dar aulas de surfe na Ilha do Mel, no litoral paranaense. Também tentou dar aulas de inglês num cursinho e se inscreveu para uma vaga de secretário em uma empresa de engenharia.
No meio tempo entre as disciplinas ministradas, que duram apenas uma ou duas semanas, ele continua contando com "bicos".
"Já fiz, ou busco fazer, um pouco de tudo desde que defendi minha tese, fora lecionar, publicar e orientar. Fui figurante de cinema, graças a um colega meu, também doutor em zoologia, que virou câmera. Outro colega, que trabalha com marketing digital, está fazendo curso de pintura. Precisa de modelo? Topo. Afinal, mesmo doutores, às vezes a gente não ganha R$ 100 por quatro horas (de trabalho)", relata.
Rios se dispôs a posar nu para um curso de pintura, mas ainda não acertou a data. O último trabalho artístico do biólogo foi uma figuração para uma série investigativa gravada em Curitiba, na qual desempenhou três papéis diferentes num bar: "Um fingia que estava tomando uma cachaça lendo o jornal; outro estava com a namorada na mesa; outro estava conversando com um amigo no balcão. Ganhei R$ 80 por cerca de 11 horas de trabalho".
Em meados de junho, o pesquisador levou uma turma de alunos do Centro Universitário Campos de Andrade (Uniandrade) para trabalho de campo, parte de um curso de método de inventário de fauna, que ensina técnicas para posicionar armadilhas de pequenos mamíferos, montar pontos de observação e reconhecimento de rastros de animais.
"São altos e baixos. Fico animado com a interação com os alunos, é o que me motiva. Mas fico ressabiado porque várias vezes não deu certo (a contratação nas universidades). Não desconsidero nada. Sabe aquele negócio 'fazer minha arte e vender na praia'? Sei fazer camiseta com técnica de estêncil, talvez faça para levar a uma feirinha de Curitiba."
O biólogo não menospreza outras ocupações, mas afirma que seu potencial está sendo subutilizado nos trabalhos informais.
"Uma subutilização de tanto investimento, tanto dinheiro público, tanto tempo e dedicação para se formar um cientista que vai para outra atividade porque não tem inserção no mercado. É horrível pensar que todo esse investimento não serviu para nada."
Competitividade
Neste ano, o biólogo ministrou a palestra "Seria a Natureza Humana Competitiva?" para estudantes na UFPR e na UNILA.
"A natureza é competitiva, mas também é cooperativa e empática. Se há desequilíbrios na competição, rompem-se as relações essenciais da cooperação. Como fenômeno biológico, a competição é relacionada à disponibilidade de recursos. Menos recursos, mais pressões, o que leva a interações negativas. Isso acontece no mundo natural, e está acontecendo no mundo acadêmico. É a lógica do ditado: se a farinha é pouca, meu pirão primeiro", comenta.
"Não concordo com a ideia: 'se você tentar ser forte o suficiente, você consegue e o resto é mimimi'. Não é assim que funciona, ou que deveria funcionar."
Participando de processos seletivos para instituições de ensino superior, o pesquisador também enfrenta dificuldades com a concorrência acirrada. Segundo sua leitura, muitos editais são ambíguos e complexos, por falta de informação ou de transparência nas seleções.
"Além disso, preciso botar na ponta do lápis o quanto custa para viajar para prestar concurso. Deixei de ir a uma seleção em outro Estado, pois o edital previa a prova escrita num dia e a prova didática dois meses depois. Cada viagem custaria mais de R$ 2 mil, é totalmente inviável. Outros processos só aceitam inscrição presencial e não tenho condições, não tenho R$ 500 para viajar a outra cidade só para me inscrever. Atualmente, só tenho gastos tentando encontrar trabalho", diz.
Para aprimorar o currículo para as seleções, o pesquisador diz que está priorizando periódicos acadêmicos que contam mais pontos nas avaliações. "A gente entra em uma lógica de produtividade a qualquer custo, para ter uma voz maximizada pelos números e não necessariamente pela relevância ou pelo interesse científico", diz.
"Sempre pesquisei macacos, mas tive a sorte de encontrar uma espécie de arraia em uma poça de maré na Praia Brava, de Arraial do Cabo (RJ). Nós, biólogos, sempre olhamos para os bichos à nossa volta. Sete anos depois dessa viagem, postei essas fotos e uma amiga especialista na área me procurou, dizendo que eu tinha registrado um episódio raro e de muito interesse científico. Não é minha área, mas estou escrevendo um artigo para a revista Fish Biology, de alto fator de impacto", exemplifica.
As pressões sobre jovens doutores brasileiros também envolvem a imagem de "eterno estudante", que se resume na máxima "só estuda, não trabalha". "Ouvi outro dia em uma reunião profissional: 'você tem 32 anos, veja só, doutor, pós-doutor, nunca trabalhou, não?' Me surpreende que as instituições não considerem um pesquisador como um profissional. Sou cientista, é claro que estou sempre estudando", responde.
"Lemos notícias sobre os níveis de ansiedade e depressão no doutorado, e depois do doutorado? As pressões podem ser bastante perigosas para a saúde mental dos acadêmicos. Tivemos um desenvolvimento sem precedentes na formação de doutores nos últimos anos no Brasil, mas que não foi acompanhado por uma compreensão sobre o papel desses doutores depois de formados", adiciona o biólogo.
Segundo um estudo publicado recentemente na Nature Biotechnology, por exemplo, os pós-graduandos têm seis vezes mais chance de desenvolver depressão e ansiedade do que a população geral.
Em busca de outros projetos e oferecimento de cursos, Rodrigo teme desistir de vez da ciência. "Não tenho nada fixo e não sei como vai ser amanhã. Se nada der certo, vou trabalhar num cruzeiro, vou tentar dar mais aulas de surfe, vou viver a vida. Fazer o quê?"
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