Uma bíblia com mais de 250 anos, traduzida do grego para o antigo alemão, quase se perdeu na enchente que atingiu o Rio Grande do Sul durante o mês de maio. A rápida decisão de uma funcionária evitou que o valioso item fosse submerso pelas águas que invadiram o Museu Histórico Visconde de São Leopoldo, na Região Metropolitana de Porto Alegre.
A bíblia é o item mais antigo da coleção do museu e carrega consigo um vínculo com a história da imigração alemã no Brasil, que comemora o bicentenário nesta quinta-feira (25).
"Choveu, sim, mas não tínhamos ideia de que poderia ser tão sério. Quando estávamos fechando, nossa funcionária lembrou da Bíblia. Ela voltou, a pegou e a levou para um lugar seguro", recorda Ingrid Marxen, diretora de relações institucionais do museu.
Ingrid Marxen, de 76 anos, é aposentada e faz parte do grupo de voluntários responsável pelo acervo do museu. Ao preservar objetos como a bíblia, Ingrid e outros voluntários não apenas protegem fragmentos da história, mas também perpetuam o legado de resiliência e esperança dos pioneiros alemães.
"Em 1765, ela [a Bíblia] já era antiga quando eles vieram. A gente não sabe quem trouxe, mas com certeza em 1824 já não seria mais nova. Eles tinham tanta coisa para trazer, porque eles iam embora para não voltar mais, e daí traziam uma Bíblia deste tamanho. Não é uma bíblia qualquer", comenta.
Piano foi destruído
No entanto, os voluntários não vão conseguir recuperar um dos objetos atingidos pela enchente: um piano alemão de 120 anos. A peça, segundo o historiador Rodrigo Trespach, é a única que não tem possibilidade de restauro.
"A água atingiu mais de um 1,5 m [dentro do museu], só que, quando estabilizou, ela ficou mais ou menos uma semana com água dentro", explica Trespach.
O museu foi atingido no primeiro fim de semana do mês de maio. Além do piano, o historiador diz que parte do imobiliário e alguns objetos também foram danificados, mas que têm chance de recuperação.
Bicentenário da Imigração Alemã
O bicentenário da imigração alemã no Brasil é um marco histórico que remonta a ida de milhares de alemães que buscavam uma nova vida em terras brasileiras.
"A Alemanha não era a Alemanha que nós conhecemos hoje. Era uma confederação de pequenos estados, de vários tamanhos, não era um país unificado. Então, havia uma situação, depois de anos de guerra, nas guerras napoleônicas, de fome, de pobreza e também de excedente populacional", contextualiza Rodrigo Trespach.
A vinda dos alemães ao Brasil no século 19 acontecia por meio de uma viagem de navio, que partia de portos europeus, em uma travessia com quase seis meses de duração.
A ideia de Dom Pedro I, com esse movimento, era o estabelecimento de colônias agrícolas estratégicas e a formação de um exército forte para a defesa do território brasileiro.
O primeiro grupo de imigrantes alemães desembarcou no país em julho de 1824. Os imigrantes foram inicialmente recebidos no Rio de Janeiro e, posteriormente, se estabeleceram no Sul do Brasil, incluindo São Leopoldo, onde o museu agora preserva seus legados.
No município, ponto de chegada de muitos desses imigrantes, o Porto das Telhas se tornou um marco histórico. Ali, abrigados inicialmente no galpão da Real Feitoria do Linho Cânhamo, começaram a receber terras e recursos essenciais para iniciar suas novas vidas. Cada família recebia 77 hectares de terra, além de animais, sementes e ferramentas fundamentais para o cultivo e a construção de suas propriedades.
"Os primeiros imigrantes desembarcaram aqui em julho de 1824. São Leopoldo se tornou um ponto de referência para a comunidade alemã, com famílias se estabelecendo e contribuindo significativamente para o desenvolvimento agrícola da região", detalha Trespach.
Com o passar dos anos, o fluxo de imigração alemã para São Leopoldo e arredores continuou a crescer significativamente. Em pouco tempo, milhares de alemães haviam se estabelecido na região, contribuindo não apenas para o desenvolvimento agrícola, mas também para a cultura e a economia local. Esse movimento migratório não só transformou paisagens rurais, criando novas comunidades e tradições, mas também deixou um legado duradouro que é celebrado até os dias de hoje.
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