A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou nesta quarta-feira (14) um projeto que estabelece novos critérios para que juízes decretem prisões preventivas (sem prazo para acabar).
A proposta tem como ponto central a introdução de novas regras em audiências de custódia a fim de impedir que juízes relaxem prisões ou liberem presos considerados perigosos.
Aprovado por unanimidade, o texto poderia seguir diretamente para análise da Câmara dos Deputados, mas o governo, que ensaiou orientar contra, sinalizou que apresentará recurso para que a proposta seja discutida também no plenário principal do Senado.
As mudanças contam com apoio de governadores do Sul e do Sudeste, que, em março, apresentaram aos presidentes da Câmara e do Senado sugestões de mudança nas regras das audiências de custódia — procedimento que avalia prisões em flagrante e que pode levar à conversão da medida para prisão preventiva ou até a liberdade de um acusado.
O texto atua em duas frentes:
altera as regras das audiências de custódia para presos em flagrante
e acrescenta critérios sobre a periculosidade de um criminoso a serem observados por um juiz na decretação de prisões preventivas em qualquer fase de uma investigação
Também permite a coleta de material biológico de presos em flagrante, que ainda não foram condenados, por crimes sexuais, crimes violentos e acusados de integrar organizações criminosas.
Audiências de custódia
O projeto aprovado pela CCJ atualiza as regras das audiências de custódia para recomendar que um juiz converta uma prisão em flagrante para preventiva (sem prazo) quando:
existirem provas de que reincidência do criminoso
o crime for praticado com violência ou grave ameaça contra pessoa
o preso tiver sido liberado em audiência de custódia anterior
o criminoso tiver cometido delitos enquanto é alvo de investigação ou inquérito
existir risco de fuga
existir risco de o preso influenciar ou atrapalhar investigações
As audiências de custódia foram introduzidas no Brasil em 2015. O procedimento serve para que juízes analisem se uma pessoa, que foi presa em flagrante por algum crime, deve aguardar julgamento detida ou em liberdade.
Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), desde 2015, mais de 1,6 milhão de audiências de custódia foram realizadas no país. Em quase 40% dos casos, houve decisão do juiz em liberar o criminoso.
A proposta discutida no Senado prevê estabelecer que as decisões tomadas por magistrados em audiências de custódia deverão ser “motivadas e fundamentadas”.
Também determina que o juiz precisará levar em conta:
as circunstâncias recomendadas para converter a prisão em flagrante (listadas acima)
se o criminoso é reincidente ou integrante organização criminosa armada
O relator avalia que o texto poderá evitar que as audiências de custódia sejam “fonte de impunidade”.
Para ele, a proposta estabelece critérios “mais objetivos que devem ser objeto de exame obrigatório na decisão judicial” e que vão contribuir para que criminosos perigosos não sejam liberados.
Prisões durante o processo
Além das alterações nas audiências de custódia, o projeto também prevê atualizar as regras para que juízes decretem prisões preventivas contra investigados em qualquer fase de um processo ou investigação criminal.
Essa modalidade de prisão é adotada, em linhas gerais, para evitar que um acusado cometa novos crimes ou prejudique o avanço de uma investigação. A medida não tem data para acabar.
Pela proposta, juízes terão de fundamentar e demonstrar “concretamente” os motivos pelos quais avaliaram haver motivos suficientes para que um investigado seja preso preventivamente.
O texto também estabelece critérios para definir de forma mais clara quando o investigado é perigoso o bastante para a sociedade. De acordo com o projeto, o juiz deverá analisar os seguintes critérios antes de decidir:
modus operandi (maneira como crime foi cometido) e o uso de violência e a premeditação do crime;
participação em organização criminosa
drogas, armas ou munições apreendidas
indícios de que o acusado cometa novos crimes
Coleta de material biológico
O trecho do banco genético abriu divergência entre o relator, senador Sergio Moro (União-PR), e a base governista na CCJ.
O líder do Planalto na Casa, Jaques Wagner (PT-BA), e outros senadores governistas frisaram ser favoráveis à "essência" do texto, que havia sido apresentado originalmente pelo ex-senador e atual ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino.
Mas a orientação mudou algumas vezes após Moro rejeitar excluir da proposta a coleta do material genético nas audiências de custódia, ponto que o senador Fabiano Contarato (PT-ES) classificou como "sensível".
Ao fim da discussão, a base governista voltou atrás e orientou seus parlamentares votarem a favor por enxergarem que a maior parte do texto é correta.
Sem acordo na CCJ, o governo tentará mudar o dispositivo da coleta de material biológico numa futura votação em plenário.
Em seu parecer, Sergio Moro decidiu acolher sugestões e incluiu no projeto um dispositivo que permitirá a coleta de material biológico de presos em flagrante para a criação de um banco de perfis genéticos.
O texto afirma que o Ministério Público e a polícia deverão solicitar à Justiça a coleta do material para presos em flagrante por:
crimes praticados com violência ou grave ameaça
crimes sexuais
participação em organização criminosa
O material deverá ser coletado nas audiências de custódia, ou até dez dias após o procedimento, que pode manter ou liberar o acusado da prisão.
Atualmente, a legislação prevê a coleta de material genético, de forma obrigatória, somente para pessoas já condenadas por crimes contra a vida, sexuais e dolosos praticados com violência grave.
Para Sergio Moro, a mudança prevista no projeto é um “mecanismo poderoso para investigação criminal.
“A identificação genética tem grande potencial para redução da reiteração delitiva, já que alguém que, preso em flagrante, tenha o perfil genético extraído pelo Estado terá naturais receios de cometer novas infrações penais já que será mais facilmente identificado a partir de vestígios deixados no local do crime”, afirma.
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