O uso de armamento para defesa individual é uma das principais bandeiras do governo de Jair Bolsonaro, que tomou uma série de medidas para facilitar o acesso e o porte de armas letais, como revólveres. Porém, no caso das armas não letais, que oferecem menos danos à vida, o discurso é diferente.
Documento divulgado pela imprensa mostra que as Forças Armadas são contrárias à regulamentação de armas, como o spray de pimenta, por medo de a população utilizar os artigos contra as próprias Forças Armadas.
Um parecer assinado pela Marinha em maio de 2019 diz que o armamento para defesa pessoal "possibilitaria a aplicação do mesmo dispositivo em eventual revide contra as Forças do Estado, operações para Garantia da Lei e da Ordem e, até mesmo, para fins criminosos".
O documento diz ainda que o uso de spray de pimenta só é permitido ao Exército e a pessoas habilitadas, "de modo a garantir a segurança social do país". "O emprego do gás de pimenta contra seres humanos, por militares e policiais, tem o propósito de dispersar multidões, neutralizar criminosos suspeitos e isolar áreas, não sendo destinado à defesa pessoal."
Após o parecer da Marinha, o Exército também preparou uma nota técnica sobre o assunto. O texto recomenda que seja permitida a regulamentação, apenas, de embalagens de sprays de pimenta com até 50ml. A partir disso, o uso estaria restrito às forças armadas. A maioria das embalagens já comercializadas hoje, porém, tem mais de 50ml.
Na última sexta-feira (25), o Congresso em Foco revelou que o deputado Luis Miranda (DEM-DF), responsável pela denúncia de corrupção na compra da vacina indiana Covaxin, foi obrigado pelo governo a retirar de pauta o projeto que iria regulamentar a venda de spray de pimenta e taser - armas pessoais que dão choques em alta voltagem, causando a paralisação de uma pessoa. A tramitação do PL 161/2019 motivou as manifestações das Forças Armadas.
De acordo com Miranda, a ordem tinha como base o parecer assinado pela Marinha e chegou a ele por uma liderança do governo. Os fatos ocorreram apenas dois dias depois dos protestos contra o governo, em 29 de maio, que levaram centenas de milhares de pessoas para as ruas de todo o país.
A assessoria do parlamentar informou que o projeto será reapresentado com um dispositivo para que as pessoas se identifiquem na hora de comprar o spray.
O uso de armamento não letal pelos militares é criticado há tempos. Na dispersão do protesto de 29 de maio em Recife, um policial atingiu o olho de um manifestante com uma bala de borracha.
Em 31 de maio, Miranda enviou uma mensagem de áudio à reportagem na qual ria da "incoerência" do governo.
"O governo é a favor de armar a população porque uma população armada não é oprimida pelo Estado. Aí eu recebo uma nota das Forças Armadas, em especial da Marinha, dizendo que dar spray de pimenta para a população seria fortalecer a população no combate contra o Estado [risos]. É o cúmulo da incoerência, da falta de bom senso. Eu estou aqui preocupado porque amanhã vou ter que fazer oposição", disse na mensagem.
"Olha a linha de pensamento do governo. Pode dar uma arma [para a população], mas não pode dar um spray de pimenta", comentou, com contrariedade. Ele acabou retirando o projeto de pauta da comissão de Segurança Pública, onde seria votado.
A reportagem buscou o Ministério da Defesa novamente, buscando saber a visão da pasta a respeito do tema. Até o momento, não obtivemos resposta. O espaço permanece aberto para manifestação.
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