Por mais que tenha autorização para funcionar até o início de novembro, a CPI da Covid pode chegar ao ponto máximo nesta semana. Há a expectativa de que o relator do colegiado, senador Renan Calheiros (MDB-AL), apresente o relatório final do inquérito conduzido pela comissão, no qual o presidente Jair Bolsonaro será responsabilizado por mais de um crime, dentre eles o de prevaricação, por ter tomado conhecimento de irregularidades no processo de compra da vacina indiana Covaxin mas não ter informado as fraudes a nenhuma autoridade investigativa.
Renan prometeu ler o parecer aos demais integrantes da CPI até sexta-feira (24). Contudo, ele pode aguardar por mais algumas semanas caso a comissão decida ouvir, pela terceira vez, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. Amanhã (21), o colegiado votará o pedido de convocação.
O senador diz que não elaborou o relatório sozinho e que aceitou contribuições tanto de senadores quanto de grupos de estudos que se debruçaram sobre as provas encontradas pela comissão, como o parecer escrito por um grupo de juristas coordenado pelo ex-ministro da Justiça Miguel Reale Jr, que imputa ao presidente uma série de condutas que configuram crime de responsabilidade.
O documento afirma, por exemplo, que a preferência de Bolsonaro em manter o funcionamento da atividade econômica em meio à crise sanitária e incentivar a população a fazer uso de remédios sem eficácia comprovada e com graves efeitos colaterais, em vez de coordenar estratégias eficazes de enfrentamento à pandemia, evidencia “o descaso para com a saúde e a vida dos brasileiros”, com o presidente “fugindo à responsabilidade de promover a adoção de medidas de precaução”.
“É evidente que nós teremos crimes comuns — são muitos os crimes comuns —, crime de responsabilidade, crime contra a vida e contra a humanidade. Mas nós vamos fazer isso com critério, com responsabilidade. Nós não vamos, incoerentemente, querer atribuir um número máximo de crimes apenas para penalizar as pessoas publicamente”, destaca Renan.
“Nós estamos imaginando um relatório com vários encaminhamentos. Nós queremos fazer escolhas acertadas, para que esse relatório tenha uma consequência rápida na Procuradoria-Geral da República e, também, no Tribunal Penal Internacional”, acrescenta o relator da CPI.
Presidente do colegiado, Omar Aziz (PSD-AM) tem a mesma expectativa de Renan. “Que ele tenha muita sabedoria, para que a gente possa ter um relatório consistente, um relatório embasado em fatos e provas, para que a nação brasileira saiba que o trabalho que fizemos durante esses meses servirá para que o Brasil não cometa os mesmos equívocos se, infelizmente, tivermos uma nova pandemia. A gente não deseja isso para ninguém. Um mundo de cabeça pra baixo. O Brasil destoando das principais lideranças na condução da pandemia”, frisa.
Impeachment
O relator da CPI espera que o parecer final possa servir de base para um pedido de impeachment contra Bolsonaro. Segundo ele, é necessário uma atualização da lei que versa sobre o impeachment, de modo que passe a existir um prazo para a avaliação dos pedidos. Atualmente, há pelo menos 131 processos paralisados na Câmara aguardando a deliberação do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).
“O presidente da Câmara dos Deputados precisa despachar os pedidos de impeachment. Ora, se ele for a favor, ele faz um despacho favorável. Se ele for contra, ele faz um despacho contrário. Ele não pode é se omitir, deixar de despachar, porque desse despacho dele caberá recurso ao plenário da Câmara”, afirma Renan.
Integrante da CPI, o senador Humberto Costa (PT-PE) diz que a comissão não deve “debater ou fazer um impeachment”, mas concorda que tem o dever de mostrar os crimes cometidos por Bolsonaro e encaminhá-los para Lira. Ele também é a favor de alterações na lei do impeachment por entender que “uma coisa necessária” não pode ficar refém da “solução de uma pessoa só, que controla todo o processo”.
Irresponsabilidade
Além do estudo de Miguel Reale Jr, um levantamento comandado pela pesquisadora Deisy Ventura, professora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com a Conectas Direitos Humanos, reforça a tese de irresponsabilidade cometida pelo presidente.
O “Mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à covid-19 no Brasil” analisou uma série de atos normativos e propagandas feitas pelo governo federal durante a pandemia e concluiu que existia um plano para que a população se expusesse à covid-19 de forma intencional, o que contribuiu para o alto número de óbitos pela doença.
“É inaceitável. O negacionismo do governo é apenas um dos elementos de uma estratégia muito mais complexa que envolveu diversas autoridades federais, como o Ministério da Saúde e o Ministério da Economia”, pondera Deisy.
“Houve uma interpretação política, em resposta à pandemia, que excedeu qualquer racionalidade. O comportamento de muitos brasileiros e, principalmente, do governo federal, foi um comportamento irracional. É inadmissível”, acrescenta.
Utilize o formulário abaixo para comentar.