A seca no Sul do país e o excesso de chuvas em partes do Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste geraram perdas na produção agropecuária, estão aumentando os custos no campo e devem pressionar a inflação dos alimentos ao consumidor neste ano.
Os problemas climáticos se estendem desde o fim do ano passado, como resultado do fenômeno La Niña que, em resumo, provoca chuvas fortes no Norte e Nordeste do Brasil e estiagem no Sul.
Por causa desses choques, municípios do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia, Goiás e Tocantins, por exemplo, chegaram a declarar situação de emergência.
Alguns dos principais impactos, por enquanto, estão nos seguintes grupos de alimentos:
Perdas em milho e soja
As lavouras de soja e milho do Sul e de parte do Centro-Oeste são, até o momento, as que mais tiveram perdas por causa da seca. A falta de chuvas desde o final do ano passado prejudicou o desenvolvimento das plantas e, consequentemente, reduziu a produção de muitas fazendas.
No Sul, tem propriedade que já está indo para o segundo ou terceiro ano consecutivo de queda na colheita por causa de estiagem, conta o analista de grãos Lucilio Alves, do Centro de Estudos em Economia Aplicada (Cepea-Esalq/USP).
Com o clima adverso, porém, os agricultores vão colher 14,5% menos que o previsto em dezembro pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). A safra é estimada em 28,7 milhões de toneladas e representa praticamente uma estabilidade (+0,3%) em relação à colheita de verão da temporada anterior.
"O cenário é complicado porque a safra de verão é tradicionalmente menor e essa quebra acentuou a dificuldade de abastecimento, que já era esperada para o primeiro semestre. Tanto é que o preço da saca de milho já superou R$ 100 em algumas praças. No Sul, já não se encontra saca por menos deste valor", diz o analista da consultoria Safras & Mercado Fernando Henrique Iglesias.
O setor, porém, espera recompor perdas com a entrada da segunda safra de milho, a partir de maio, que é bem maior e representa cerca de 75% da produção nacional do grão. Somando as três safras de milho do ano, o Brasil deve colher 112,9 milhões de toneladas, 29,7% mais que no ciclo passado.
Cenário para soja
Já o cenário para soja é mais favorável. Mesmo com problemas na produção do Sul, a estimativa de colheita de 140,5 milhões é recorde. "Não vai faltar soja para exportação, não vai faltar soja para atender mercado doméstico", diz Iglesias.
Por outro lado, ele destaca que o excesso de chuvas em partes do Nordeste e Sudeste estão dificuldades logísticas.
O aumento do preço da saca de milho em função da seca afeta diretamente os gastos com a criação de aves e porcos. O grão, junto com o farelo de soja, compõem a ração desses animais e representam 70% dos custos do setor.
Em 2021, a alta do preço do milho, associada ao aumento da demanda, fez o preço do frango em pedaços, por exemplo, disparar 29,8% ao consumidor. E, neste ano, deve seguir em tendência de alta impulsionada por iguais motivos, diz a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).
Contudo, a entidade ressalta que o valor do milho no mercado atual não tem impacto imediato ao consumidor.
"O ciclo de produção de aves até a gôndola tem um delay [atraso] de operação que varia de três meses a seis meses, em média – no entanto, depende de cada empresa e de seus respectivos níveis de estoque de insumos", disse a associação.
A entidade explica ainda que o setor não está com dificuldade de encontrar milho para compra, mas, sim, de "gerenciar os altos custos impostos pelo mercado". "Não há falta de insumos e as empresas estão mais preparadas em 2022, em relação ao último ano", reforçam.
Excesso de oferta
Por outro lado, Iglesias comenta que o que está acontecendo hoje no mercado é, na verdade, um excedente de oferta de frango, que tem gerado redução no preço pago ao produtor e no atacado. Movimento que, entretanto, ainda não se refletiu no varejo, diz.
Com custos em alta e preços em queda, Iglesias diz que muitos produtores de frango estão "operando no vermelho".
"Para a suinocultura (criação de porcos), o quadro é ainda mais grave porque as exportações não estão indo tão bem neste momento. A avicultura ainda conta com um bom fluxo exportação", afirma.
Pecuária de corte
A seca também está reduzindo a qualidade das pastagens no Sul do país e gerando atraso na engorda a pasto, diz diretora da consultoria Agrifatto, Lygia Pimentel. Isso tem sustentado as cotações do boi em patamares elevados no campo.
Depois de disparar 18% em 2020, a carne bovina subiu mais 8,4% em 2021 nos supermercados, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
"O que vai acontecer é que a margem das operações frigoríficas vai piorar. E depois a margem do pecuarista", diz Lygia.
Paraná teve perdas em plantações de feijão
A seca também castigou as lavouras de feijão do Paraná, principal estado produtor, pressionando preços no atacado, que podem ser repassados ao consumidor, diz Marcelo Lüders, presidente do Instituto Brasileiro do Feijão e Pulses (Ibrafe).
Em relatório, a Conab explicou que a falta de chuvas no Paraná prejudicou as lavouras na fase de florescimento, estágio em que mais necessitam de água. Lüders acrescenta que houve ainda prejuízos na fase de enchimento dos grãos.
Diante das perdas, a Conab reduziu, neste mês, em 42 mil toneladas (para 588,3 mil) a estimativa de colheita de feijão do Paraná, em relação à previsão feita em dezembro.
Lüders diz ainda que as chuvas geraram perdas em plantações do interior de Minas Gerais e Bahia, mas que essas ainda precisam ser contabilizadas.
No total, o Brasil deve colher 3,08 milhões de toneladas de feijão nesta safra, volume 7,2% maior do que no ciclo passado.
Arroz
Já na produção de arroz, apesar de perdas pontuais na região central do Rio Grande do Sul, não há, por enquanto, expectativa de redução de oferta e os preços continuam estáveis no mercado, explica a diretora executiva da Associação Brasileira da Indústria do Arroz (Abiarroz), Andressa Silva.
O estado é o maior produtor do cereal no país.
"Houve chuvas em outubro que encheram de forma suficiente as barragens, os rios. Então os produtores que não dependem exclusivamente de chuva estavam com boa capacidade", diz.
"Já neste mês, mais próximo da colheita, alguns produtores que dependem mais de chuva estão com mais dificuldades e tendo que escolher áreas para irrigar e abandonando outras. Mas não é nada expressivo a ponto de reduzir a estimativa de safra", diz Andressa.
A Conab estima que a produção de arroz alcance 11,4 milhões de toneladas nesta safra, uma queda de 3,2% em relação à temporada anterior.
Leite
A seca também está prejudicando a pecuária leiteira no Sul do país. O principal impacto é na alimentação das vacas, seja pela falta de chuvas que reduziu a qualidade das pastagens, ou pela queda na produção de grãos, que aumentou os custos dos produtores com ração.
A diminuição da qualidade da alimentação influencia diretamente na produtividade das vacas e, portanto, é esperada, para os próximos meses, uma queda no volume de leite nos próximos meses, explica Juliana Santos, analista de leite do Cepea.
Ele comenta que, hoje, os criadores estão precisando vender 42,5 litros de leite para comprar uma saca de milho. Em janeiro do ano passado, essa relação era de 34 litros por saca.
Além dos gastos com alimentação, os custos com fertilizantes, suplementos minerais, combustível e energia também estão reduzindo a rentabilidade do setor.
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