“Eles não agiram em legítima defesa, mataram porque queriam matar mesmo e planejaram tudo”. Essa fala é de Antônio Marcos Batalha da Silva, mais conhecido como Marcos, 38, sobrevivente do atentado ocorrido no dia 13 deste mês, no povoado Santa Cruz do Deserto, em Mata Grande, ocasião em que morreram Gilberto Batalha da Silva, conhecido como “Beto”, 40, e Manoel Messias Batalha da Silva, 49, todos irmãos.
Ele se refere aos irmãos Janiel da Silva Pereira, conhecido como “Niel”, 30, e Jamerson da Silva Pereira, o “Naninho”, 35, e ao pai deles, Gastão Batalha Pereira, 52, todos indiciados pela Polícia Civil (PC/AL) como autores do crime. Os três alegaram ter agido em legítima defesa, quando, seis dias após o crime, apresentaram-se acompanhados de um advogado na Delegacia Regional de Polícia (1ª-DRP), em Delmiro Gouveia.
Marcos contou detalhes sobre tudo o que aconteceu no dia do atentado do qual ele escapou por pouco. “Por volta das seis horas, já próximo das sete, eu vi o Gastão tangendo umas vacas de meu irmão Messias e o avisei porque o velho era acostumado a matar os bichos que entravam nas terras dele. Meu irmão, que estava pinicando palma para o gado, mandou então que um filho dele fosse até o local e tangesse os bichos de volta”, relatou.
Ao chegar no local, que fica próximo da residência de Gastão, o menino de 11 anos deparou-se com uma vaca de propriedade do pai morta, então retornou para casa para avisá-lo sobre o que havia acontecido. “Não havia dúvida de que o Gastão tinha matado a vaca, visto que era acostumado a fazer isso, então meu irmão dirigiu-se para a casa do velho, onde pretendia conversar com ele para que pagasse o animal”, disse Marcos.
José Luiz Batalha Silva de Macedo, conhecido como “Neném”, 36, irmão de Messias, resolveu acompanhá-lo para impedir, caso fosse necessário, que o irmão se excedesse com o desafeto. “Quando chegamos em frente da casa do Gastão, ele estava consertando um trator. Meu irmão perguntou porque ele teria matado a vaca e disse que ele teria que pagar o animal, então o Gastão se afastou um pouco, tirou uma arma da cintura, disse que não tinha homem que o fizesse pagar e atirou em meu irmão”, contou “Neném”.
Nesse momento, segundo “Neném”, outro irmão deles, o “Beto”, que retornava de um estabelecimento onde tinha ido comprar gás, aproximou-se para tentar evitar a morte dos irmãos. “Ele chegou com as mãos para cima, pedindo para que a situação fosse resolvida na paz, mas foi aí que o Jamerson, filho do Gastão, sacou uma arma também e disse que não tinha paz, que o negócio ali era bala e atirou no Beto, que morreu praticamente de joelhos”, relatou.
“Neném” detalhou ainda que nessa hora Marcos estava chegando de moto, com um filho de sete anos na garupa. “Quando ele desceu do veículo, outro filho do Gastão, o Janiel, saiu de dentro de casa com um cinturão carregado de cartuchos na cintura e com uma espingarda em punho. Ele ‘quebrou’ a arma para recarregar e atirar no Marcos, que foi rápido e se atracou com ele, impedindo-o de municiar a espingarda”, disse.
“Fiquei segurando a espingarda, enquanto o Gastão e o Jamerson apontaram as armas para mim e apertaram os dedos, mas os revólveres não dispararam, tinha acabado as balas. Então eles começaram a me esfaquear pelas costas. Fui atingido também na cabeça e nas mãos, na tentativa deles de que eu largasse a espingarda e deixasse o Janiel recarregá-la para me matar. Vendo que não iria ganhar aquela luta, larguei a espingarda e saí correndo”, contou o próprio Marcos.
Com uma faca encravada nas costas, Marcos buscou ajuda na residência de uma tia, que mora a poucos metros do local. Ele conta que todo o atentado foi presenciado pelo filho dele, de sete anos, com quem tinha chegado em frente da casa de Gastão. “Meu menino ficou próximo, me vendo ser esfaqueado e os tios sendo mortos. Um sobrinho meu, filho do Messias, o mesmo que avisou ao pai que a vaca estava morta, também assistiu o pai ser morto, todo o ocorrido”, contou.
Durante a luta de Marcos com Janiel, “Neném” fugiu do local. Ele contou que Gastão apontou-lhe o revólver e que não atirou porque ele se protegeu por trás do pneu traseiro de um trator que estava parado. “Aproveitei a oportunidade em que os três estavam tentando matar meu irmão Marcos e corri por um beco, para não morrer e buscar ajuda”, contou “Neném”, que não sofreu nenhum ferimento.
Segundo “Neném”, logo após os suspeitos terem fugido, ele retornou à cena do crime. “Meus irmãos Beto e Messias estavam mortos com vários tiros e facadas. Pessoas que presenciaram tudo disseram que, mesmo depois de mortos, meus irmãos foram esfaqueados diversas vezes e tiveram as gargantas cortadas. Eles quebraram um dos braços do Beto, achando que ele ainda estava vivo porque se estivesse iria gritar com a dor do braço quebrado e eles terminariam de matar”, disse.
Dos envolvidos na confusão apenas “Marcos” tinha desentendimento com Gastão e os filhos dele. Eles passaram a não se falar há 12 anos, quando o gado de Gastão estourou a cerca e entrou na propriedade de “Marcos”, comendo uma plantação de palma. “O Gastão e os filhos só não falavam comigo, mas falavam com todos os outros meus irmãos, inclusive um dia antes do ocorrido eles tinham conversado com Gilberto sobre política. Quanto a mim, eu não falava com eles porque tinham me ameaçado na primeira confusão, dizendo que matariam todos nós e sumiriam”, disse “Marcos”, que se recupera das facadas em casa.
A família, que era de nove irmãos, sete homens e duas mulheres, pede que Gastão, Janiel e Jamerson sejam presos para evitar uma nova tragédia. Eles temem que eles retornem para o povoado e voltem a atacar os sobreviventes do atentado. “Todo mundo aqui no povoado tem medo deles. Nós não saímos de casa porque nós é que somos as vítimas e queremos que seja feita Justiça, mas sabemos que eles podem voltar a qualquer momento para acabar o serviço”, disse uma das irmãs das vítimas, que preferiu não ter o nome divulgado.
“Os acusados dizem que meus irmãos foram para matar, mas como eles iriam fazer isso, se foram para o local desarmados e ainda levaram os filhos menores de idade junto? Nenhum dos agressores ficou ferido. Se eles tivessem ido matá-los, no mínimo, teriam ferido algum deles, até porque eram quatro contra três”, argumentou a irmã. “Outra coisa, o caso dos meus irmãos foi caso claro de execução. Foram tiros na nuca e várias facadas pelas costas. Isso nunca pode ser caracterizado como legítima defesa”, concluiu ela.
Depoimento dos suspeitos
Jamerson da Silva Pereira, Janiel da Silva Pereira e o pai deles, Gastão Batalha Pereira, alegam que agiram em legítima defesa (crédito: Divulgação redes sociais) |
Quando se apresentaram à polícia no dia 19 deste mês, os três suspeitos confessaram o crime, mas alegaram que agiram em legítima defesa.
Jamerson contou para a polícia que no dia do ocorrido Messias chegou de moto na casa do pai dele, dizendo em um tom ameaçador que ele iria pagar R$ 8 mil por uma vaca que teria abatido, e depois saiu do local.
O filho de Gastão relatou ainda para a polícia que se apossou de um revólver, dirigiu-se para o quintal da casa, onde o pai estava consertando um trator e contou-lhe sobre a conversa que haveria tido com Messias, com o objetivo de que ele se prevenisse. Na ocasião, conforme Jamerson, Gastão negou que tivesse matado a vaca em questão.
Ainda de acordo com o que contou o suspeito para a polícia, pouco tempo depois, chegaram os quatro irmãos e um deles, o Marcos, pediu para que Messias matasse Gastão por ele ter abatido o animal de sua propriedade. Segundo Jamerson, nesse momento, Messias empunhou uma faca e saiu na direção de Gastão, que sacou um revólver e atirou nele.
Com Messias ferido e caído no chão, Jamerson confessou para a polícia que se apoderou da faca que estaria com Messias e o atingiu com algumas facadas. Diante da situação, ainda de acordo com o relato do suspeito, Gilberto, irmão de Messias, saiu na direção de Gastão para atingi-lo com uma faca, mas Janiel, outro filho de Gastão, atirou nele com uma espingarda calibre 28.
Jamerson confessou que, depois de ser atingido com o tiro, Gilberto saiu cambaleando e ele aproveitou a ocasião para golpeá-lo com uma faca. Nesse momento, Marcos teria atentado contra a vida de Janiel com uma faca, mas a investida teria sido interrompida com uma coronhada de espingarda efetuada por Janiel.
O suspeito contou ainda para a polícia que, para ajudar ao irmão, derrubou Marcos no chão e o atingiu com o cabo da faca. Conforme o relato do suspeito, Neném, o quarto irmão, fugiu do local no momento do primeiro disparo e Marcos, que teria chegado incentivando Messias a matar Gastão, foi o último a fugir, enquanto Gilberto e Messias ficaram mortos.
Janiel, em seu depoimento, endossou a versão do irmão, mas acrescentou que a arma utilizada por ele para cometer o crime era utilizada apenas para a caça e que as armas do pai e do irmão serviam para a segurança da família, já que no povoado não teria policiamento. Ele alegou que as referidas armas foram jogadas fora.
Gastão corroborou com o relato dos dois filhos, no entanto disse que tinha inimizade apenas com Marcos, mas que os irmãos dele vinham ameaçando e tentando agredir seus filhos. Ele afirmou ainda que após a briga com os quatro irmãos, correu com os filhos para dentro de um matagal, onde ficaram durante três dias, e que somente no último dia tomaram conhecimento de que Gilberto e Messias tinham morrido.
O suspeito concluiu o depoimento alegando que ele e os filhos são bem quistos no povoado, ao contrário da família dos quatro irmãos, que já teria se envolvido em várias confusões e não seria vista como pessoas de bem pela comunidade. Gastão disse ainda que está sofrendo ameaça de morte e que a família das vítimas prometeu queimar a residência dele.
Investigação
O caso é investigado pelo delegado Thales Silva Araújo, titular da Delegacia Distrital de Polícia (28º-DP). Ele indiciou os três suspeitos pelo atentado e indiciou ainda Janderson da Silva Pereira, 31, outro filho de Gastão, como cúmplice do crime, por ter ajudado na fuga do pai e dos irmãos.
Janderson também poderá responder por outro crime. É que no mesmo dia do atentado foi cumprido um mandado de busca e apreensão na residência dos suspeitos e na dele foram localizados pelas equipes policiais vários documentos e cartões bancários no nome de outras pessoas.
Na mesma ação policial também foram apreendidas munições (calibres 12, 38 e 9 mm) e um HD contendo imagens de câmeras de segurança, que podem ter filmado o atentado. O delegado Thales segue ouvindo testemunhas e aguarda os laudos cadavéricos e outras provas, enquanto ouve testemunhas do caso, para concluir o inquérito policial.
Os suspeitos continuam em liberdade porque fugiram do flagrante e não há nenhum mandado de prisão contra eles.
Ouça entrevistas com Marcos e Neném, na íntegra:
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