Estreou essa semana nos cinemas o filme que o Brasil precisava: “O Processo”, de Maria Augusta Ramos, um documentário sobre os bastidores do golpe de 2016.
A diretora passou meses no Planalto e no Congresso Nacional captando imagens sobre votações e discussões que culminaram com a destituição da presidenta Dilma Rousseff da Presidência da República.
Nenhuma entrevista, nenhuma narração, nenhuma intervenção direta: apenas os fatos captados pelas câmeras em votações importantes do processo de Impeachment e bastidores do Planalto.
O resultado do trabalho empenhado e honesto é um documentário direto, sem firulas – a realidade, neste caso, já tem firulas suficientes –, que apenas remonta a narrativa do golpe sob o ponto de vista daqueles que nunca mentem, e contra os quais, afinal, não há argumentos: os fatos.
Vivi para ver o áudio de Jucá e Sérgio Machado escrito em uma tela gigante de cinema e o silêncio indignado dos espectadores.
Na sala de cinema, revivemos a vergonhosa votação no Congresso – e mais uma vez sentimos o peso do cenário tragicômico da política brasileira nestes tempos; rimos novamente da vergonha alheia de Janaína Paschoal ouvindo, em pleno senado, do Senador Lindbergh Farias que seu idealismo vale 45 mil reais (foi quanto ela recebeu do PSDB para elaborar a petição do golpe) – linda, linda cena, com os murmúrios de “maluca” vindos da plateia.
Entendemos que, numa sessão no Senado, todos pedem a palavra “pela ordem”, mas dificilmente há ordem porque isso é Brasil. Reassistimos a cassação de Eduardo Cunha e ouvimos a Presidenta eleita explanar, para o mundo, a verdade da qual a história não poderá esquecer: não houve um Impeachment, porque não houve crime: houve um Golpe institucional e judiciário (com o supremo, com tudo), articulado sistematicamente por Eduardo Cunha e pelo PMDB, e esse golpe foi e é contra todos nós.
Ainda estamos vivendo o golpe, mas ele já está sendo contado nos cinemas e nos artigos jornalísticos e acadêmicos e também nos livros de poesia, e a história e a arte já nos confortam.
Em “O processo”, os personagens já estão todos desenhados, porque, na verdade, sempre estiveram: o golpe sempre foi óbvio como um áudio sobre “o grande acordo nacional” numa sala lotada de cinema.
O documentário não alcança – e nem poderia – todos os núcleos do golpe institucional e judiciário que sofremos no Brasil.
O STF não aparece tanto quanto atua no próprio golpe, a participação popular que não foi televisionada também não está nas telas dessa vez, e sentimos falta da cobertura da atuação assídua de deputados como Jean Wyllys contra o golpe, mas essas lacunas não fazem com que o filme deixe de ser o que de fato é: um verdadeiro documento que testemunha a história, sob um olhar tão honesto que certas falas parecem oráculos para o 2018 sombrio que temos vivido.
O filme é necessário pela sensibilidade de captar a articulação crua do golpe, cumpre o papel de espectador crítico da história com a fidelidade aos fatos que o próprio documentário exige, e eterniza o momento político importante que estamos vivendo – esperamos que seja apenas um dentre muitos olhares acerca desse acontecimento que muda para sempre os rumos políticos do país.
Antes arte do que nunca.
É escritora, roteirista, militante feminista, mestranda em Cultura e Arte. Canta blues nas horas vagas.
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