Jornalismo tem em sua origem uma função social que deve ter como agenda o interesse público. Vivemos uma inversão sem precedentes em relação ao que é de interesse público, com a transformação das empresas de comunicação em corporações financeiras.
No Brasil, como nos Estados Unidos, as corporações midiáticas cultuam o deus mercado. Em nome dele a agenda é sempre a do mercado. Foi assim quando todas as TVs, rádios, jornais e revistas agiram como um partido político fazendo oposição cerrada à entrada do Brasil, com 70 anos de atraso, na era do bem-estar social durante os anos dos governos Lula e Dilma.
Qualquer sinal de combate à desigualdade e à concentração do grande capital, mesmo inofensiva como o Bolsa Família, programa de combate à fome, foi rechaçado pela imprensa. Além disso, os políticos e governos que ousaram mexer na estrutura de origem escravagista se tornaram alvo.
Lula, infelizmente, jamais foi radical, quem dera tivesse colocado a Constituição em prática e acabado com o monopólio midiático no Brasil. Talvez estivéssemos em outro patamar. Mesmo sendo o grande conciliador que é, foi e é tratado como um político igual a Bolsonaro. Lula nunca cerceou a imprensa, ao contrário, a financiou. Lula nunca estimulou a população contra o Congresso ou STF. Lula nunca ameaçou a ordem democrática.
Quem não tem cão caça com gato
Com Lula preso, resultado da forte campanha do Partido da Imprensa Golpista – PIG, aliado da Lava Jato, o tucano Alckmin, candidato do PIG não conseguiu emplacar. Bolsonaro foi o candidato do Mercado e o PIG teve de engolir Bolsonaro nu e cru para abraçar Paulo Guedes.
O cinismo deliberado da mídia neoliberal, ao criar falsas simetrias entre Lula e Bolsonaro, Haddad e Bolsonaro, causa essa loucura que vivemos nos tempos atuais: vários jornalistas que repudiam a esquerda são denominados pelos fascistas de Bolsonaro como “esquerdistas” e se tornam alvo da barbárie. Mas nem a experiência de viver concretamente o fascismo tem provocado neles qualquer espécie de autocrítica.
Ao contrário, os jornalões e jornalistas neoliberais continuam na mesma toada de sempre: a culpa é do Lula, se Lula não existisse todos os problemas da terra estariam resolvidos.
O vírus do lacerdismo tucano na mídia brasileira
Carlos Lacerda e o tucanato atual dentro do PSDB e das redações massas cheirosas são inimigos mortais dos governos trabalhistas. E, como Carlos Lacerda, seguem sendo linha de frente para minar a democracia. O golpista Lacerda atacou noite e dia o trabalhismo de Getúlio, ajudou a dar o golpe e depois se tornou alvo dele.
O discurso contra o comunismo que nunca existiu e do qual Getúlio nunca se aproximou é o mesmo utilizado por Serra, FHC, Aécio Neves, Alckmin e seus correligionários nas redações, as mesmas falsas equivalências são usadas cotidianamente.
O Estadão mesmo após ser alvo dos fascistas que ele ajudou a criar publica o seguinte editorial: “Desde a campanha de 2018, bolsonaristas e petistas lutam para sequestrar o debate político e mantê-lo refém do radicalismo, de onde esperam extrair dividendos”.
Como pode um jornal, mesmo de filiação conservadora como o Estadão, criar equivalência entre um partido de tradição histórica de lutas sociais e democráticas como o PT, com a malta adepta de milicianos que hoje tem um presidente da República que estimula o ataque ao Congresso, que ameaça a sociedade civil, que ameaça o STF, que ameaça e desrespeita a liberdade de imprensa, que trata a oposição política como inimigo a ser eliminado, dizendo com todas as letras em plena campanha eleitoral: “vamos metralhar a petralhada?”.
Miriam Leitão, hoje alvo do fascismo bolsonarista, assim como Vera Magalhães, nunca esconderam sua filiação neoliberal. Vera chegou a tratar Boulos como bandido, quando ele se tornou colunista da Folha. Para ela, o líder que luta pelo direito constitucional à moradia é “bandido”, vocábulo da extrema direita para atacar as lutas dos movimentos sociais no campo ou na cidade.
Todos silenciaram sobre a greve dos petroleiros, todos apoiaram a reforma trabalhista e o fim da seguridade social no país. Todos, noite e dia, abraçam a desastrosa política ultraneoliberal de Paulo Guedes, que destrói o Estado brasileiro e a economia. Mas não querem ser alvo da truculência daqueles que esta mesma mídia, durante décadas, educou para que fossem antidemocráticos, fascistas.
Nos EUA temos as Mírians, Veras, Globo, Estadão, Folha dispostos a destruírem Sanders com o mesmo argumento
Na última sexta (28/02) Folha, Veja e Estadão atacaram Sanders seguindo a linha do Deus Mercado. A Folha publica “Sanders é o Bolsonaro da esquerda americana, diz professora dos EUA“. Impressiona como usam e abusam da falsa simetria de modo irresponsável e inconsequente.
Como é possível fazer coro a esse absurdo e igualar o fascismo ao socialismo de Sanders?
Coronavírus é uma gripe, seu índice de mortalidade é muito menor que o genocídio da juventude negra, a homofobia e o feminicídio no Brasil, índices que cresceram com a vitória de Bolsonaro, em 2018, assim como o assassinato de indígenas e trabalhadores sem-terra.
O ódio escravagista aos pobres, aos trabalhadores com consciência de classe de nossa elite escravocrata e antinacional, não se importa com o fim da soberania do Brasil e contribui, a passos largos, para a efetivação de mais um período de nossa história de governos autoritários e de fim de conquistas de direitos básicos da Constituição de 88.
Nosso pior vírus, o mais mortal para a democracia, é o jornalismo que cultua o deus Mercado sem se importar com as consequências nefastas do neofascismo que o endossa.
*Artigo publicado originalmente no Blog da Maria Frô, no site Revista Fórum, em 29/02/2020
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