Dos deputados federais eleitos no domingo (2), 19 tinham se autodeclarado brancos em 2018 e mudaram a definição para pardos em 2022.
Esses 19 fazem parte de um conjunto de 65 deputados que se reelegeram em 2022 e que, neste ano, se declararam pretos ou pardos.
O g1 já havia mostrado, em agosto deste ano, que nove em cada 100 candidatos que disputaram as eleições de 2022 mudaram a autodeclaração de cor/raça que apresentaram em 2020.
Especialistas alertam que a alteração para pretos ou pardos pode não significar uma Câmara mais representativa
No ano passado, o Congresso promulgou uma emenda constitucional que prevê que os votos dados a candidatos negros (pretos ou pardos) para a Câmara dos Deputados são contados em dobro para distribuição dos fundos eleitoral e partidário. A regra valerá entre as eleições de 2022 a 2030.
Além disso, desde 2020, por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), os partidos são obrigados a reservar verba e tempo de propaganda de forma proporcional entre candidatos brancos e negros.
Em 2022, o número de deputados federais eleitos que se autodeclararam pretos ou pardos saltou de 124 para 135.
Especialistas
Para a embaixadora da ONG Politize, Thais Cardoso, o mecanismo da autodeclaração, em que o próprio candidato diz qual é a sua cor, pode dar espaços para brechas.
"A ideia de mais incentivos a candidatos negros era permitir que estes conseguissem acessar esse espaço representativo de poder. Mas sem os mecanismos certos de fiscalização e que vão além de uma mera autodeclaração, isso abre margem para que candidatos brancos acabem utilizando esses recursos", explica Cardoso.
Para ela, o risco é as causas de negros não serem definitivamente defendidas no Congresso.
"Candidatos eleitos autodeclarados racialmente enquanto negros podem não necessariamente serem negros de fato e, por isso, provavelmente não vão defender as pautas e bandeiras da população negra”, diz a Thais Cardoso, embaixadora da ONG Politize.
O coordenador do programa Direito e Relações Raciais na Universidade Federal da Bahia (UFBA), Samuel Vida, afirma que, junto do Afrogabinete de Articulação Institucional e Jurídica (Aganju), avalia pedir ao TSE uma banca de heteroidentificação.
"O TSE deve exigir a banca de heteroidentificação para confirmar essas autodeclarações. É preciso submeter esses autodeclarados a um procedimento que já está institucionalizado nas demais esferas de aplicação de ações afirmativas, como os concursos públicos e as universidades”, diz.
Para ele, as políticas afirmativas são destinadas ao público "nitidamente com traços fenotípicos negroides, que são socialmente e historicamente discriminados".
Nathalia Dutra, pesquisadora do Núcleo de Justiça Racial e Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), lembra que a autodeclaração diz respeito a como a pessoa se percebe. Ela diz que alguém que, antes se enxergava como branca, pode hoje se declarar parda.
De acordo com Dutra, não há consenso sobre as bancas de heteroidentificação.
"A autodeclaração preza pela subjetividade do indivíduo – como ele se percebe, racialmente. Bancas de heteroidentificação foram úteis para apuração de concursos públicos e universidades, mas também possuem suas complexidades: não há consenso ainda sobre quais critérios devem ser adotados, como deve ser a sua composição", ponderou Dutra.
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