Os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais lideram os 1.099 óbitos entre grávidas e puérperas (mulheres no período pós-parto e 45 dias após o nascimento dos bebês) contabilizados no Brasil desde o começo da pandemia. Porém, é em Roraima, no Espírito Santo e no Maranhão que há uma maior porcentagem de mortes em relação ao número total de notificações de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) ligada à Covid-19 nesses grupos, principal causa relacionada aos óbitos.
Em alguns estados, metade dessas mulheres está morrendo sem ter acesso à UTI (47,3% dos casos no Pará, 45,4% no Tocantins, 38,4% no Mato Grosso) ou intubação (53,8% dos casos no Pará, 51,5% no Rio de Janeiro e 47% no Mato Grosso do Sul).
Essas são algumas das informações disponíveis no Observatório Obstétrico Brasileiro Covid-19, um painel dinâmico que utiliza as notificações de casos de gestantes e puérperas com SRAG realizadas no sistema oficial para esse registro, o SIVEP-Gripe. A ferramenta foi criada em abril de 2021 por um grupo de pesquisadores brasileiros para tornar os dados públicos do Ministério da Saúde mais acessíveis à população, aos políticos e aos gestores de saúde pública.
“Conseguimos transformar planilhas complexas e com uma grande quantidade de dados em um conteúdo de fácil interpretação e com atualização semanal”, diz Agatha Rodrigues, professora do Departamento de Estatística da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e uma das criadoras do projeto.
Ao utilizar os diversos filtros de busca da plataforma, é possível cruzar informações como raça, idade, escolaridade, região do Brasil, doenças pré-existentes e trimestre da gestação (veja quadro abaixo). “Dessa maneira, conseguimos traçar o perfil das grávidas e puérperas que estão sendo mais afetadas pela forma grave da Covid-19 e direcionar os cuidados necessários”, diz a professora Rossana Pulcinelli, do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), que também é uma das idealizadoras da iniciativa.
Pela análise dos dados disponíveis, as pesquisadoras verificaram, por exemplo, que a maior porcentagem de internações na UTI e de mortes relativas a esse grupo de mulheres está acontecendo após o parto: 36,56% das puérperas com SRAG precisaram de atendimento intensivo e 19,25% vieram a óbito.
Embora os três primeiros meses sejam sempre os mais delicados da gestação, o estágio mais preocupante com relação à Covid-19 é o segundo trimestre, que leva 30,6% das pacientes com SRAG à UTI e 11,7% delas à morte. “O levantamento dessas estatísticas é uma ferramenta muito importante para a tomada de decisão no atendimento”, diz Agatha.
As mortes por Covid-19 em gestantes e puérperas têm crescido no Brasil acima da média da população em geral. Considerando todas as mortes por Covid-19 no país, houve um aumento de 100,2% na média de óbitos por semana entre 2020 e 2021. Quando comparamos o número de mortes só entre grávidas e mulheres que acabaram de dar à luz, a média semanal de óbitos por SRAG ligada à Covid-19 sobe para 251%.
“São números preocupantes por si só, mas quando fazemos uma avaliação da realidade de cada estado brasileiro, vemos que há uma desigualdade muito grande na distribuição dos casos de morte e do acesso à UTI”, diz Rossana Pulcinelli. Isso quer dizer que alguns lugares do Brasil são ainda mais perigosos às gestantes e mulheres que acabaram de ser mães.
Grupo de risco
Na Síndrome Respiratória Aguda Grave, principal causa de morte entre grávidas e puérperas que contraíram Covid-19, o corpo passa por um processo inflamatório exacerbado, alterações pulmonares e redução da oxigenação do sangue.
“Essa situação é ainda mais perigosa para as grávidas porque a gestação já causa naturalmente um estado inflamatório no organismo, além de aumentar as chances de formação de trombos e dificultar a expansão do tórax durante a respiração”, explica Fernanda Pepicelli, ginecologista e obstetra da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
Além disso, o coração de uma grávida pode bater até 1,5 vezes mais rápido do que o normal para fornecer sangue para o bebê e a placenta, o que pode levar a problemas de insuficiência cardíaca. As gestantes também costumam apresentar alterações no sistema imunológico e maior probabilidade de coagulação do sangue – condições que podem ser pioradas pela Covid-19.
Um novo estudo publicado na revista científica JAMA Pediatrics apontou ainda que grávidas que tiveram contato com o novo coronavírus têm um risco aumentado de complicações para si mesmas e para o bebê. Dentre elas estão a pré-eclâmpsia, as infecções, a necessidade de admissão em UTI e até a morte. Para os bebês, os riscos observados foram maior chance de parto prematuro e baixo peso ao nascer.
Vacinas contra a Covid-19
Diante da gravidade da situação desse grupo, o Ministério da Saúde divulgou no fim de abril uma nota técnica por meio da Coordenação Geral do Programa Nacional de Imunizações (PNI) que recomendava a imunização de gestantes, puérperas e lactantes contra a Covid-19.
Contudo, nesta terça-feira (11), a pasta concordou com a orientação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sobre a suspensão do uso do imunizante da AstraZeneca em mulheres grávidas e puérperas.
De acordo com a Anvisa, a orientação de suspensão é "resultado do monitoramento de eventos adversos feito de forma constante sobre as vacinas Covid em uso no país". O caso em estudo é o de uma gestante de 35 anos, do estado do Rio de Janeiro, que faleceu na segunda-feira (10) depois de ter tomado a primeira dose de vacina da AstraZeneca.
Assim, o ministério restringiu a imunização de grávidas e puérperas àquelas com comorbidades e somente com vacinas Pfizer e Coronavac, até que a análise do caso da AstraZeneca seja concluída.
A Anvisa também orienta que as grávidas só tomem a vacina com recomendação médica. Alguns estados como São Paulo e Rio de Janeiro paralisaram preventivamente a vacinação de gestantes e puérperas.
Em relação às demais vacinas administradas no Brasil, não há contraindicação até o momento. Um estudo recente realizado com quase 4 mil mulheres grávidas que receberam o imunizante dos laboratórios Pfizer (que começou a ser aplicada no país em maio) ou Moderna (ainda não disponível no Brasil) mostrou que as vacinas não parecem representar um risco sério durante a gravidez. A queixa mais comum entre as gestantes foi a dor no local da injeção. Dentre os sintomas leves, foram relatados com baixa frequência dor de cabeça, dores musculares, calafrios e febre.
Já o laboratório responsável pela Coronavac reforça que sua indicação para gestantes depende de avaliação médica. Na bula do imunizante, a empresa informa que testes realizados em animais não demonstraram risco fetal, mas que não há estudos controlados em mulheres grávidas ou lactantes.
A ginecologista da Febrasgo reforça às mulheres grávidas que consultem o médico que acompanha sua gravidez para tomar a decisão sobre a vacina. “O ideal é que ela aconteça no segundo ou no terceiro trimestre da gestação para que o sistema nervoso do feto esteja desenvolvido”, diz Fernanda.
Colapso da saúde e falta de planejamento familiar
Especialistas dizem que uma série de fatores ajuda a explicar o alto número de mulheres grávidas e que deram à luz que adoecem gravemente e perdem a vida para a Covid-19. Eles incluem o colapso do sistema de saúde causado pela pandemia, o acesso inadequado ao pré-natal e a falta de planejamento familiar – sendo os dois últimos desafios de longa data no Brasil.
De acordo com dados oficiais, o país já apresentava taxas de mortes maternas três vezes maior que a média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mesmo antes da pandemia. “Em 2019, a razão de mortalidade materna no país foi de 55 óbitos para cada 100 mil nascidos vivos. Com a pandemia, esse número vai saltar para 70 ou mais”, afirma Rossana.
Para a especialista, outra suspeita é a de que novas cepas, como a variante P1 (descrita inicialmente em Manaus), também podem ter alguma responsabilidade no aumento no número de óbitos, embora ainda não haja evidências concretas disso.
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