Diversos estados brasileiros estão sendo obrigados a lidar com as consequências limitantes dos baixos níveis de água nas bacias hidrográficas. Tal situação, no entanto, parece ter muito mais relação com a falta de planejamento do governo do que com a falta de chuvas. Desde março do ano passado, por exemplo, Curitiba vive uma crise hídrica, com um rodízio de água implementado pela cidade. A capital paranaense é dividida em três regiões, que tem a sua água distribuída sequencialmente pelo Sistema de Abastecimento Integrado de Curitiba.
O diretor de Meio Ambiente e Ação Social da Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar), Julio Gonchorosky, explica que a medida busca evitar a falta de água na maior parte da cidade atualmente. “São 24 horas sem o abastecimento e 12 horas de retomada, então as pessoas que têm caixa d’água compatível com o consumo de seu estabelecimento ou casa pouco sentem a falta d’água.”
“Abril foi um dos meses mais secos do Paraná, julho também foi muito seco, muito abaixo do normal e até meados de agosto também ficamos sem chuva. Estivemos com quase 50 dias sem chuvas expressivas.” O diretor da Sanepar faz questão de dizer que o sistema não é um racionamento de água, mas sim um rodízio. “Chamamos de racionamento quando estamos já quase sem controle do sistema. Então eu digo que eu estou fazendo um racionamento quando eu sei que eu vou te dar água hoje, mas não sei quando eu vou te dar água novamente.”
Segundo a coordenadora do programa Cerrado e Caatinga do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), Isabel Figueiredo, que integra a Rede Cerrado, o desmatamento é a principal causa da falta de chuvas no Brasil. Sem a vegetação nativa, não teremos a quantidade de chuva que precisamos. “O que gera menos chuva é a menor cobertura vegetal, as quantidades absurdas de desmatamento, as emissões de gases que vão mudando completamente o ciclo da atmosfera”, explicou Isabel.
A pesquisadora diz que a previsão é de que as crises hídricas sejam cada vez mais frequentes e em mais cidades do país. “Sem dúvida nenhuma, isso vai se espalhar, porque estamos vendo o volume de água nos rios baixar muito, principalmente com o aumento da temperatura e o agravamento das mudanças do clima.”
Em um país que tem 40 mil atores da sociedade civil e de instituições privadas envolvidos nos mais de 240 comitês de bacias, é difícil entender porque a gestão da água é um desafio tão grande para o poder público. Segundo Angelo Lima, secretário-executivo do Observatório da Governança das Águas, tal situação se dá pela falta de fortalecimento de políticas públicas. “Invariavelmente, a aposta nessa política muda conforme mudam os governos. Os recursos destinados à gestão da água sempre encontram outros investimentos melhores para os governadores, aí chega em momentos como esse e nos perguntamos por que estamos lidando com uma crise hídrica no período seco, muito menos evitar enchentes nos períodos de abundância.”
O que dizem os estudos
Em mapeamento feito pelo MapBiomas sobre a dinâmica da água em território nacional e lançado neste domingo na plataforma agua.mapbiomas.org, constatou-se que ao longo dos últimos 36 anos o Brasil perdeu 15% da superfície de água. Isso representa 3,1 milhões de hectares, área equivalente a mais de uma vez e meia a superfície de água de toda região nordeste em 2020.
Segundo Tasso Azevedo, coordenador-geral do MapBiomas, o período de seca que vemos agora não é um fenômeno localizado de uma questão climática que surgiu e depois vai voltar ao normal. “A cada período que tivemos de crise, a água não voltou aos níveis anteriores. Estamos paulatinamente reduzindo a superfície de água do Brasil e para um país completamente dependente da água na economia, seja na agricultura ou na geração de energia elétrica, isso é muito grave.”
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