A Justiça proibiu a venda de um livro sobre condenados por crimes graves de grande repercussão presos na P2 em Tremembé (SP) e determinou a transferência do 'detento escritor' Acir Filló, autor da obra. Para a juíza Sueli Zeraik, que assina a decisão desta segunda (5), o livro não constitui biografia, mas sim "fofoca e mexerico". Cabe recurso.
Preso na P2 de Tremembé, o ex-prefeito de Ferraz de Vasconcelos, Acir Filló, lançou o livro “Diário de Tremembé – O presídio dos famosos” em junho e alega ter entrevistas exclusivas com presos da unidade.
Na obra, o detento escritor narra uma suposta fraude de Roger Abdelmassih para forjar o estado de saúde e conseguir a prisão domiciliar, que cumpre desde 2017. A defesa de Roger nega a acusação. O livro ainda relata detalhes no caso Richthofen, em que Cristian Cravinhos teria admitido que Suzane agrediu os pais durante o crime.
Após a publicação, a Justiça abriu sindicância para apurar a publicação por possível fraude às regras do cárcere ao expor os presos, além de citar funcionários e possíveis irregularidades no local. Os citados prestaram depoimento e questionaram os detalhes escritos por Filló. Alguns, como Mizael Bispo, condenado por matar Mércia Nakashima, chegaram a negar que tenham dado entrevista ao preso.
Nesta segunda, a Justiça decidiu pela proibição da venda do livro de Filló, sob pena diária de R$ 954 em caso de descumprimento. A decisão atende a um pedido do Ministério Público.
"O material produzido pelo preso nem de longe constitui biografia, mas sim bisbilhoteria, especulações da vida alheia; em outras palavras, trata-se do que popularmente se denomina "fofoca", "mexerico", com flagrantes distorções da verdade, tudo com cunho altamente sensacionalista e propósito de locupletamento à custa de outrem, o que - obviamente - não pode ser considerado literatura, quanto mais gozar de proteção jurídica", diz trecho da decisão da juíza Sueli Zeraik.
A juíza ainda determinou a transferência do preso Acir Filló para outro presídio pela "celeuma ocasionada". Sueli Zeraik alega que ele, ao contrário dos demais, tem buscado mídia e exposição, além de perturbar os demais internos.
A P2 é conhecida por abrigar casos de repercussão para a preservação dos condenados. Acir está preso por crimes administrativos em sua gestão enquanto prefeito em Ferraz de Vasconcelos e foi levado para a unidade porque teria colaborado com as investigações que levaram a outros presos e por alegar ter sido ameaçado durante a investigação.
Na determinação, a juíza alega que não há "mais condições do preso Acir Filló permanecer no respectivo estabelecimento, não somente pela celeuma ali ocasionada, oriunda do descontentamento generalizado da população carcerária em virtude da exposição estampada no livro, mas também para a garantia da ordem e disciplina na unidade, que atualmente se encontra bastante tumultuada em decorrência dos fatos e suas repercussões".
Um documento anexado ao processo mostra uma carta de Acir enviada a Sussumu, médico preso que teria contado no livro que ajudou Roger a fraudar o estado de saúde. No bilhete, ele pede que o preso escreva de próprio punho o modelo de carta pedindo entrevista a emissoras de TV prometendo mais detalhes do caso Abdelmassih.
De acordo com a Justiça, o bilhete teria sido ignorado pelo médico preso, que passou a ser perseguido por Filló.
O G1 acionou a Secretaria de Administração Penitenciária para saber se há prazo para que Acir seja transferido, mas ainda não obteve resposta.
A reportagem ainda tenta contato com a advogada de Acir Filló e da editora responsável pela publicação, Nova Brasil. Antes, a defesa havia informado que "o acesso à informação é um pilar fundamental em um Estado Democrático de Direito, e qualquer proibição neste sentido fere princípio Fundamental da Constituição Federal, ou seja , a Liberdade de Expressão". E que a ausência das autorizações também "não são argumentos suficientes para embasar qualquer proibição ou censura".
Audiência com presos
A apuração começou depois que Acir Filó colheu entrevista e narrou a rotina dentro do presídio no livro. Na obra, ele conta detalhes do seu dia a dia e diz ter obtido entrevistas ‘exclusivas’ com detentos de casos de repercussão que estão na unidade, colegas dele na unidade em Tremembé.
Ao saber da publicação, a juíza Sueli Zeraik abriu um procedimento interno na Vara de Execuções Criminais (VEC) para apurar possíveis irregularidades. No livro, Acir ainda conta que entrevistou Mizael Bispo, Alexandre Nardoni, Cristian Cravinhos, Lindembergh Alves e Guilherme Longo.
Em junho, todos eles saíram juntos da penitenciária para prestar esclarecimentos à Justiça sobre o livro. O Fantástico teve acesso traz trechos dos depoimentos deles, em que negam a versão do autor de que teriam dado entrevistas (veja acima).
Entre as revelações trazidas no livro estão uma fraude no quadro clínico de Roger Abdelmassih, ex-médico preso condenado pelo estupro de pacientes. Ele cumpre pena domiciliar desde 2017, quando teve atestado quadro grave de cardiopatia à justiça e conseguiu o benefício.
Em entrevista a Acir no livro, o detento Carlos Sussumu, que atua como médico para remissão de pena na unidade, teria contado que ajudou Roger a fraudar o quadro de saúde.
Em resposta, a Justiça pediu a abertura de um inquérito policial para apurar o caso e determinou que as declarações fossem avaliadas pela justiça, levando em conta a possibilidade de fraude – o que poderia reverter o benefício de Roger.
Na contracapa da obra, Acir conta que Cristian Cravinhos, envolvido na morte dos pais de Suzane Richthofen teria dito que ela bateu nos pais no dia do crime. Na gravação ele alega que depois de ver o livro, chegou a ameaçar entrar na Justiça contra o ex-prefeito de Ferraz de Vasconcelos.
“Se qualquer coisa judicial for acarretar para prejudicar a Suzane ou a mim, eu vou processar você”.
Lindemberg Alves alega que foi abordado com o pedido de entrevista sob a alegação de que isso seria bom para a imagem dele.
“Ele falava que seria bom para a minha imagem, que ia me ajudar. Eu sei o que eu fiz e não tem como melhorar a minha imagem”.
Guilherme Longo alegou não ter dado entrevista, mas que sua história foi contada com trechos da internet. “Você quer escrever a história, pegar coisas da internet que está aí. Você faz o que você quiser que eu não posso fazer nada. Eu não quero participar disso”.
Alexandre Nardoni também negou ter dado entrevista e disse que ao ser abordado por Acir teria dito que os autos de seu processo estavam no fórum para quem quisesse ver.
Gil Rugai disse que teve acesso ao capítulo que trata sobre seus depoimentos, mas que teria discordado.
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