Uma perseguição policial terminou com a morte de um garoto de 12 anos, Miguel de Souza, em São José dos Campos, interior de São Paulo. Miguel era dependente químico e, de acordo com a mãe, Andreia Gonçalves, 36, foi ameaçado de morte por um PM semanas antes do ocorrido. A perseguição aconteceu na noite do dia 6 de setembro e acabou dentro de um parque de diversões itinerante.
Andreia conta que duas semanas antes da noite em que Miguel foi morto, ele apareceu em casa muito machucado, acompanhado de um PM, conhecido como “Carioca”. Naquele dia, o jovem estava vendendo balas no farol quando foi abordado pelo policial.
“Mandei ele [Carioca] sentar no sofá e falei que meu filho era doente, um dependente químico. Foi onde ele falou assim pra mim: ‘Mãe, a senhora compra um caixão pequeno que se eu pegar o seu filho na rua eu vou matar ele’”, conta à Ponte. Semanas depois, Andreia viu que a promessa foi cumprida quando encontrou o filho morto. “Eu quero Justiça. Eu não tenho nada contra a Polícia Militar, o meu problema é só com esse policial”, completa.
De acordo com o boletim de ocorrência, por volta das 23h30, policiais em patrulhamento avistaram um carro modelo FOX, que havia sido roubado e pediram que o motorista parasse. No entanto, não foram respeitados e iniciaram a perseguição. A versão oficial ainda diz que Miguel estava armado e não largou a arma quando solicitado e, por isso, os PMs dispararam contra o jovem de 12 anos. A mãe dele, Andreia, rebate e diz que nunca viu o filho usando armas de fogo.
O advogado da família, Marcos Silva, explica que “algumas coisas não batem” nessa versão. Primeiro porque a própria vítima do roubo não reconhece nenhum dos meninos como os assaltantes do seu veículo – afirmação registrada no B.O. Na delegacia, a vítima disse para Andreia “que o carro dela não valia a vida” do Miguel. O segundo ponto é que as testemunham negam o confronto.
“Eles estão alegando legítima defesa, que o menino desceu apontando uma arma, que estava em um carro roubado. Pelo que eles [testemunhas] me falaram, ele [Miguel] desceu com as mãos levantadas dizendo: ‘Perdi, senhor. Perdi’. Foi onde ele tomou o primeiro disparo, caiu e tomou mais dois”, conta o defensor à Ponte.
Durante o reconhecimento do corpo, no IML, Andreia percebeu que o filho estava com um tiro próximo da axila, um no peito e outro na barriga. Ela conta que precisou esperar uma hora e alguns minutos no parque de diversões até conseguir ver o corpo do filho.
“Chegando lá [no parque], eu perguntei para o delegado quem foi o policial que tinha matado o meu filho. Aí ele me respondeu assim: ‘Pra que você quer saber? Ele já ta morto’. Respondi que eu tinha o direito de saber. Nisso, o policial [que tinha ido até a casa dela, segundo o que contou à Ponte] entrou, aí eu falei assim para ele: ‘Parabéns, você fez o que você queria. Você falou para eu comprar um caixãozinho para o meu filho. Eu tenho certeza que foi você quem matou’”, desabafa.
Além de Miguel, Andreia é mãe de outros cinco filhos que sustenta a duras penas no Parque dos Ipês, periferia de São José. Desde a noite do dia 6 de setembro, Andreia vive na casa de parentes por medo de represálias. Ela conta que seu apartamento foi arrombado e que recebeu ameaças via Facebook. “Entrou para quê? Me amedrontar? Eu recebi várias ameaça pelo Facebook, de fake, que a polícia da corregedoria vai ver quem são”, afirma.
O caso de Miguel foi denunciado na Ouvidoria e na Corregedoria. Marcos entrou com pedido de ofício para o policial “Carioca” ser afastado das atividades policiais de rua, ser recolhido para o serviço administrativo e que sua arma fosse retirada até o encerramento do processo. “Agora nós iremos trabalhar em conjunto com o Ministério Público e com a Corregedoria. A gente precisa garantir segurança para as testemunhas, senão eles não vão querer depor”, completa.
“As coisas não podem ser assim. As pessoas não podem andar com uma arma e acharem que são donas da lei e ninguém vai falar nada. Essa é a nossa revolta”, desabafa à Ponte Natalia Lucena, tia do Miguel.
“Eu estou buscando a verdade e que se faça Justiça. Esse homem não tem condições de trabalhar como policial. Ela é paga para nos defender e não para matar. Eu vou até o fim porque eu quero Justiça”, finalizou Andreia.
O ouvidor Benedito Mariano disse, em entrevista à Ponte, que os policiais militares envolvidos na ocorrência estão afastados, depois de o Corregedor acatar pedido da Ouvidoria. Além do policial conhecido como “Carioca”, há outro, chamado pelo sobrenome “Cruz” que também está sendo apontado como envolvido na ocorrência. “Eu estou aguardando laudos da polícia técnica para analisar melhor o caso. Laudo de local, balístico e necroscópico. Com base nesses três laudos a gente passa a ter uma análise melhor da circunstância da ocorrência. É um caso grande”, explicou.
Benedito enfatizou que a Ouvidoria instaurou procedimento independentemente da família ter procurado o órgão. Para ele, toda morte por intervenção policial deve ser “apurada pelo órgão corregedor e não pelos batalhões de origem dos policiais”.
A Polícia Militar de São Paulo disse, por meio da assessoria de imprensa, “que todas as circunstâncias relativas aos fatos estão sendo apuradas pelo 3º DP de São José dos Campos e pela Polícia Militar por meio de Inquérito Policial Militar”, acompanhado pela Corregedoria de São Paulo. A Ponte perguntou sobre a identificação completa dos dois policiais apontados como envolvidos na ocorrência, mas a corporação não respondeu.
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