O movimento Coalizão Negra por Direitos (CND), formado por 150 organizações e movimentos negros do país, ingressou nesta terça-feira (14) com uma representação contra a Polícia Militar de São Paulo e o governador João Doria (PSDB) na Organização dos Estados Americanos (OEA), exigindo providências no caso da comerciante negra que teve o pescoço pisado por um PM em Parelheiros, na Zona Sul de São Paulo.
No documento, a Coalizão Negra por Direitos justifica que diariamente a polícia do estado de São Paulo protagoniza "cenas de abusos e violências contra a população negra do Estado, em especial àqueles que residem nas periferias".
"A violência contra essa mulher negra e periférica aconteceu cinco dias após a morte de George Floyd, cinco dias após um policial ter pisado contra a cabeça de um homem negro e ter ganhado tanta repercussão, vimos que os policiais aqui se sentiram legitimados para realizar o mesmo ato, já sabendo que aqui não seriam responsabilizados. Por muito pouco essa comerciante não teve sua vida tirada. Por muito pouco ela também não morreu porque não conseguia mais respirar", afirma o coletivo.
Na denúncia enviada à OEA, a Coalizão Negra por Direitos pede que o estado de São Paulo seja responsabilizado penal e administrativa por policiais que cometeram crimes e abusos, além de solicitar o afastamento definitivo deles das forças de segurança, a necessidade de revisão dos protocolos de abordagem da polícia e a criação de mecanismos internos de controle social que averiguem as atividades policiais abusivas.
"É urgente uma ação por parte desta ilustre instituição para que cessem os contínuos ataques violentos contra negras e negros brasileiros, por parte daqueles que tem a missão institucional de atuar em nossa proteção", afirma a petição do CND.
O Palácio dos Bandeirantes declarou por meio de nota que o governador João Doria, assim que soube da ocorrência, determinou o afastamento imediato dos policiais envolvidos no caso e afirmou que este tipo de comportamento é inaceitável.
"No final do mês passado, o Governo de SP lançou um programa para retreinar os integrantes da corporação. O objetivo é reorientar a tropa e evitar a repetição dos casos de violência, que não honram a qualidade da PM de SP", disse a nota do governo paulista.
O G1 também procurou a Polícia Militar para falar sobre a denúncia apresentada na OEA, mas não teve retorno até a publicação da reportagem.
Violência policial
O G1 mostrou nesta terça-feira (14) que o número de pessoas mortas por policiais militares dentro e fora de serviço no estado de São Paulo de janeiro a maio de 2020 é o maior de toda a série histórica iniciada em 2001: 442 vítimas.
O total deste ano ultrapassou o número de mortos por PMs em 2003, com 409 mortes em decorrência de intervenção policial, segundo a diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno.
O número de mortos por policiais de batalhões das cidades da Grande São Paulo, com exceção da capital paulista, aumentou 70% de janeiro a maio de 2020 em comparação com o mesmo período de 2019, de acordo com levantamento feito pelo G1 e a GloboNews com base em dados da Corregedoria da Polícia Militar no Diário Oficial.
Já nos batalhões da cidade de São Paulo o aumento foi de 34%, número superior ao aumento de 25% na letalidade policial do estado como um todo: de 350 mortos em 2019, para 442 neste ano.
A Secretaria da Segurança Pública informou, por meio de nota, que demitiu ou expulsou, de janeiro a maio deste ano, 80 policiais civis e militares por desvios de conduta. A pasta informou ainda que iniciou um curso no último dia 1 para todos os níveis hierárquicos da PM com o objetivo "de aprimorar os processos da corporação".
De janeiro a maio deste ano, 119 pessoas foram mortas por policiais subordinados ao Comando de Policiamento da Capital (CPC), contra 89, em 2019. Já nos batalhões do Comando de Policiamento Metropolitano (CPM), os policiais mataram 54 pessoas nos 5 primeiros meses deste de 2019 e 92, em 2020. O CPC tem 31 batalhões e o CPM, 21.
Relato da vítima de Parelheiros
Em entrevista ao programa 'Encontro', da TV Globo, nesta terça (14), a mulher de 51 anos disse que quando estava no chão sendo imobilizada por um policial, achou que iria ser sufocada e morrer naquele momento como morreu George Floyd em uma ação policial nos Estados Unidos.
"Achei que iria ser morto como ele [George Floyd]. Eu estava no chão e lembrava daquela cena dele. Achei que iria morrer ali", disse a mulher. A vítima da violência policial é uma mulher viúva, com cinco filhos e dois netos. Ela disse que os netos e filhos viram a imagem na TV depois e ficaram indignados.
"Ainda não consigo dormir, acordo de noite várias vezes", disse ela.
A vítima disse ainda que não voltou ao bar ainda, onde a violência ocorreu, pois está com problemas na perna que quebrou durante o incidente com a PM. Ela foi socorrida ao hospital e passou por uma cirurgia.
A mulher disse ainda que achou que o policial que a imobilizou estava "agressivo". "Ele estava fora de si", afirmou a vítima.
O ato do policial militar de pisar no pescoço de uma mulher negra de 51 anos para imobilizá-la foi errado e não faz parte do procedimento operacional da corporação, informou o porta-voz da PM de São Paulo, capitão Osmário Ferreira. Segundo ele, a Corregedoria da PM instaurou inquérito militar em maio para apurar o caso assim que soube das imagens.
Os dois PMs que aparecem no vídeo estão afastados do serviço ativo da corporação em maio, quando o vídeo foi descoberto.
"Havendo oposição da força, cabe ao PM agir conforme o procedimento operacional padrão. Caso haja erro procedimental, o PM é submetido a um estudo de caso e análise pormenorizada da conduta", disse o capitão.
"Houve uma violação neste caso, não houve erro procedimental. A atuação dele não faz parte do procedimento operacional padrão da PM", afirmou o porta-voz.
O Fantástico teve acesso a um vídeo que mostra a violência. Os policiais alegaram que foram atacados com uma barra de ferro e que estavam se defendendo.
Em entrevista ao SP2, nesta segunda-feira (13), a mulher agredida pelo PM em Parelheiros também disse que, após a ocorrência, mesmo com a perna quebrada na ação policial, ela ficou trancada em sala no 101º Distrito Policial, onde passou a noite em uma sala 'suja e escura'.
Após a exibição da reportagem, o governador, João Doria (PSDB), postou nas redes sociais que as imagens causam "repulsa" e que a conduta dos PMs foi "inaceitável".
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