Esta semana, o caso de uma idosa resgatada no Rio de Janeiro em condições de trabalho escravo trouxe à tona a discussão dessa sombria realidade no país. Dados do Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas, do Ministério Público do Trabalho (MPT) mostram que em Alagoas, nos últimos seis anos, foram registradas 121 denúncias.
No Brasil, entre 2016 e 2020, o MPT Nacional recebeu mais de 6 mil denúncias envolvendo condições de trabalho análogas à escravidão, aliciamento e tráfico de trabalhadores. Segundo o MPT, a maior parte dos casos de “trabalho escravo moderno” possui características de “trabalho forçado, jornada exaustiva, condições degradantes e servidão por dívida”.
Mesmo em 2020, com a pandemia, foram contabilizadas três denúncias em Alagoas, a ponta do iceberg de um cenário onde direitos mínimos de trabalhadores são negados. Ainda de acordo com o MPT, além das denúncias que passam por investigação, também existem os chamados resgates de trabalhadores. Entre 2014 e 2018, 151 trabalhadores foram resgatados do trabalho análogo à escravidão em Alagoas, grande parte deles em áreas rurais do estado.
“Dos trabalhadores resgatados em Alagoas e que são naturais do estado, 68% deles trabalham na agropecuária; 15% laboram na cultura da cana-de-açúcar; 5% como operador de processo de moagem; 3% trabalham na agricultura e 2% são serventes de obras. Os demais atuam em outras atividades”, aponta o MPT.
De acordo com o MPT Nacional, as vítimas do trabalho escravo moderno são geralmente “pessoas em situação de alta vulnerabilidade social, baixa escolaridade, com poucas oportunidades de emprego e baixa consciência de seus direitos”.
No trabalho análogo à escravidão, direitos mínimos são negados
Especialista em direito trabalhista Henrique Messias detalha que o trabalho análogo à escravidão é determinado quando existem direitos negados a um trabalhador ou grupo de trabalhadores. Na maior parte dos casos, os trabalhadores recebem baixíssima remuneração por uma carga extensa de trabalho, ou mesmo sequer recebem.
“A legislação trabalhista equipara determinadas condições de trabalho ao trabalho escravo. E que condições são essas? São aquelas condições onde o trabalhador presta serviço sem os direitos mínimos respeitados. Por exemplo, sem carteira assinada, sem controle de jornada, sem receber um salário adequado ou muito menor que o mínimo, sem direito a condições de saúde e segurança que a Constituição assegura. Então a legislação trabalhista equipara esses trabalhadores, que prestam serviço nessas condições, a trabalhadores escravos”, explica Messias.
O especialista ressalta que para se configurar trabalho análogo à escravidão é preciso um conjunto de fatores.
“O trabalho análogo a escravidão é aquele desempenhado sem o atendimento das condições mínimas, não é apenas trabalhar sem carteira assinada, ou não ter a jornada respeitada. Vamos imaginar que é uma situação onde o trabalhador não tem jornada respeitada, não há descanso, não recebe um salário mínimo, os direitos fundamentais do trabalhador não são respeitados, então isso é configurado trabalho análogo à escravidão”, argumenta o advogado.
CRIME
Submeter um indivíduo a trabalhos forçados ou sem a garantia de direitos mínimos é configurado crime contra a organização do trabalho. Além das multas e indenizações trabalhistas, o autor pode responder também em reclusão.
“Há uma previsão específica. A pessoa que toma o serviço dessa maneira pode inclusive vir a ser presa, é um crime contra a organização do trabalho. Além desse crime, existem todos os direitos assegurados aos trabalhadores. Então, quando o MPT recebe uma denúncia e investiga o que está acontecendo, ele faz valer todos os direitos do trabalhador como registro em carteira, pagamento de horas extras, adicionais, férias, verbas rescisórias… E o empregador é compelido a pagar indenização por danos morais àquele trabalhador e à coletividade”, detalha o advogado Henrique Messias.
Em situações de trabalho em condições de escravidão, o Ministério Público Estadual orienta a ligar para o disque denúncia no número 100. O advogado ressalta a importância de realizar a denúncia.
“Se há um trabalhador prestando serviço nessas condições, sem direitos mínimos respeitados, ele pode buscar o MPT a fiscalização do Ministério da Economia, antigo Ministério do Trabalho e fazer essa denúncia, que com certeza é investigada e o trabalhador será libertado, terá direitos assegurados”, finaliza Messias.
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