Em meio ao aumento de 29,5% do desmatamento e às queimadas crescentes na Amazônia em 2019, os registros de multas aplicadas pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) foram na contramão dos crimes ambientais. Os autos de infração registrados de janeiro a novembro de 2019 são os menores dos últimos 15 anos, indica um levantamento feito pelo Observatório do Clima com base em dados do governo.
De janeiro a novembro de 2019 foram registrados 10.270 multas, número 25% menor se comparado ao mesmo período de 2018, quando foram aplicadas 13.776.
Para o Observatório do Clima, rede com mais de 20 organizações ambientais, a queda no número de multas indica um "desmonte" das políticas ambientais.
De acordo com o documento, "Bolsonaro ataca o Ibama desde sua campanha eleitoral, defendendo infratores ambientais e incitando a violência contra inspetores". O texto diz ainda que o "governo cortou orçamentos, nomeou funcionários despreparados, assediou funcionários e as regras de proteção foram alteradas."
"A falta de fiscalização adequada para combater o crime ambiental acaba elevando a sensação de impunidade e resultando em mais desmatamento" – Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima.
O G1 e a TV Globo entraram em contato com o Ministério do Meio Ambiente e com o Ibama para pedir um posicionamento, mas não houve resposta até as 21h45. O ministro Ricardo Salles, que está na Conferência do Clima da ONU, em Madri, não quis comentar o relatório.
Recorde de multas após aumento do desmatamento
O recorde de multas aplicadas pelo Ibama no período foi em 2005, com 31,5 mil autos de infração.
O número sugere uma reação ao aumento do desmatamento no ano de 2004, quando foram derrubados 27,7 mil km² da floresta – a taxa oficial de desmatamento é medida de agosto de um ano a julho do ano seguinte. Também indica reação ao número de focos de queimadas, que em todo o ano de 2004 também bateu recorde: 27,5 mil.
Para Rittl, a queda nas multas é um indicador de que não há combate ao crime ambiental, mas para reduzir a devastação, seria necessário mais ações do governo.
"A fiscalização tem que estar associada a um compromisso do governo de combate ao crime ambiental. É necessário uma série de políticas associadas, como demarcação de terras indígenas, a regularização fundiária que não represente a legalização da grilagem de terra pública e não perdoar as multas, é preciso que governo tenha agenda voltada para a conservação de florestas", afirma, em entrevista ao G1.
Ibama sem recursos
O relatório "O pior ainda está por vir", do Observatório do Clima, também aponta queda nos recursos destinados às ações de inspeção do Ibama.
Em 2019, foram autorizados R$ 102,8 milhões para o instituto e R$ 90,7 milhões foram gastos. A proposta para 2020 enviada para o Congresso é ainda menor: R$ 76,8 milhões, o menor orçamento desde 2016.
Escalada de crimes ambientais
O documento cita uma série de ações do governo Bolsonaro que podem ter incentivado a escalada dos crimes ambientais.
Confira abaixo alguns pontos:
Em fevereiro e março, "uma ordem de mordaça", de acordo com o texto, foi colocada nas comunicações da agência e o inspetor que multou Bolsonaro foi demitido.
Em abril, o governo autorizou um leilão para produção de petróleo na região do Parque Nacional Marinho de Abrolhos, viveiro de baleias jubarte, perdoou multas de produtores de soja em áreas protegidas no Rio Grande do Sul e autorizou o uso de armas de fogo e cães para abate de javalis selvagens, indica o texto.
Em setembro, o presidente do Ibama, Eduardo Bim, suspendeu o embargo ao uso de 22 mil hectares para o cultivo de soja em terras indígenas no Mato Grosso, onde a soja GM havia sido plantada ilegalmente, informa o documento.
Em novembro, quatro dias antes do lançamento de dados de desmatamento, a pedido do Oficial de Proteção Ambiental Olivaldi Azevedo, Bim alterou uma regra que dificultará a imposição de penalidades contra empresas que vendem madeira ilegal da Amazônia, diz o relatório.
No fim do ano, foi anunciado um estudo para autorizar a exportação de madeira nativa em toras e para alterar as regras, a fim de permitir a classificação de aves Psittacidae como papagaios, beneficiando um ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), aponta o texto.
Brasil busca recursos para preservar a Amazônia
O relatório do Observatório do Clima cita dois estudos que indicam que o Brasil poderá emitir 1,3 bilhão de toneladas de CO2 caso o desmatamento da Amazônia chegue a 27 mil km², pondo em risco a meta do Acordo de Paris de estabilizar o aquecimento global em 1,5°C.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, mantém a posição brasileira de cobrar dos países desenvolvidos pela conservação da floresta Amazônica. Salles chegou a afirmar que houve definição sobre um novo Fundo Amazônia, informação que foi negada pela embaixada da Alemanha.
Por sua vez, a Colômbia apresentou redução no desmatamento e fechou acordo na COP 25 para receber US$ 360 milhões da Alemanha, Noruega e Reino Unido para preservação da Amazônia.
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