Foram 12 dias de novela, desde o anúncio com ares de comício à desistência da candidatura ao Senado feita pelo apresentador José Luiz Datena no palco do programa "Brasil Urgente", da Band, na última segunda-feira.
"Eu resolvi que eu ainda não estou preparado para ajudar o meu país na política brasileira. E a política brasileira depende de gente séria, capaz, que consiga ultrapassar a maior crise que nós já enfrentamos. Então vamos esperar que apareçam quadros capazes de tirar o Brasil desta situação. É difícil? É quase impossível", afirmou Datena.
A aparição na atração vespertina que ele comandava diariamente antes de se lançar à empreitada política foi o desfecho para idas e vindas no humor do apresentador que quase enlouqueceram seu partido, o DEM.
"O que você imagina de tensão, multiplica por 10", disse Datena à BBC News Brasil, na última sexta-feira, enquanto ensaiava desistir do pleito, ou, como ele mesmo nominou, "joaquinizar", em referência ao ex-ministro do STF Joaquim Barbosa que, como Datena, flertou com a entrada na política, mas se retirou de cena antes de chegar a ver seu rosto na urna.
O caso de ambos se soma ainda ao do apresentador da TV Globo Luciano Huck, que protagonizou meses de indefinição e desistiu duas vezes de se lançar à Presidência da República, e ao do empresário Roberto Justus, o primeiro deles a recusar, ainda em janeiro de 2017, assédios partidários para disputar o governo de São Paulo ou mesmo o Palácio do Planalto em 2018.
Em uma eleição na qual seis em cada dez brasileiros não sabem em quem votar ou não se sentem atraídos por ninguém havia uma expectativa de que candidatos neófitos pudessem amealhar mais votos e amenizar a crise de representatividade.
"Há uma demanda por outsiders, uma crise de representatividade, um descrédito nos políticos por conta da operação Lava Jato que os partidos, como estão, não conseguem dar conta", diagnostica o cientista Carlos Melo, do Insper.
As experiências de Barbosa, Huck, Justus e Datena mostram no entanto que, por uma série de motivos – que vão da pressão familiar ao modo como o sistema político está estruturado –, os novatos devem mesmo ficar de fora da eleição de 2018.
"Depois de trabalhar tanto, você está disposto a transformar sua vida em um inferno, sem autonomia no partido, sem poder nomear quem quiser, tendo que fazer aliança e conchavo para tentar mudar algo no Brasil? É quase um tiro n'água ser candidato assim", disse Justus à BBC News Brasil.
Embora nunca tenha se filiado, ele chegou a participar de um conselho econômico e político do presidente Michel Temer em 2016, período em que começou a ser sondado como candidato. Hoje se afirma um desistente convicto em relação à política.
Pressão da família e questão financeira
Oficialmente, o motivo da desistência de Datena foi a pressão familiar. O próprio apresentador afirmou à Folha de S. Paulo: "A mulher (Matilde) não dorme, chora o dia inteiro pedindo que eu desista. O filho (Joel) diz o tempo todo: 'Ô pai, para com isso.' Outro filho, Vicente, também não quer. É difícil. É um jogo contra dentro de casa".
Seu partido, o DEM, publicamente faz coro sobre o assunto: "Seria muito difícil pra ele fazer campanha com a família azeda em casa, mas não teve mais nada. Se Datena quiser, pagamos a multa (por aparecer na TV em período proibido pela lei eleitoral) para ele e ele volta à campanha", diz Milton Leite (DEM-SP), presidente da Câmara Municipal de São Paulo.
O mesmo motivo foi alegado por Luciano Huck, que teria sofrido forte pressão de Angélica para não embarcar na empreitada – a apresentadora e mulher de Huck também acabaria afastada da grade de programação global caso ele fosse candidato.
Em um artigo em novembro, na Folha de S.Paulo, ele se disse atraído pela política como sob efeito da "sedução de sereias".
"A tripulação, com seus ouvidos devidamente tapados com cera, esforçando-se em não deixar que eu me deixasse levar pelos sons dos chamados quase irresistíveis. São meus amores incondicionais. Meus pais, minha mulher, meus filhos, meus familiares e os amigos próximos que me querem bem", explicou Huck, sobre a resistência que enfrentou.
E por Joaquim Barbosa, cujos filhos também pressionaram contra sua candidatura ao Palácio do Planalto, temendo os efeitos da exposição do pai. "Decisão estritamente pessoal", resumiu no Twitter, em seu estilo seco.
Justus reconhece que a pressão da família pesa. "Também ouvi apelos em contrário. Mas, se você tem um plano viável, a família espera quatro anos", diz o apresentador, relativizando a importância da questão.
Neófitos como Datena, Justus e Huck têm muito a perder na política. A começar pelo contra-cheque, que no caso de Datena é estimado em R$ 1 milhão mensais. O de Huck é certamente ainda maior. Ambos teriam que se conformar a salários abaixo do teto constitucional, de R$ 33,7 mil, caso eleitos.
Mesmo que voltasse à TV após uma provável vitória eleitoral, Datena estaria obrigado a declarar publicamente durante a campanha seus recursos e patrimônios, uma exposição a qual jamais se submeteu. Para Huck, que cogitava uma campanha presidencial, um retorno à TV seria ainda mais incerto.
"Todas essas pessoas têm uma vida profissional bem-sucedida, recebem cifras astronômicas, muito acima de um salário de político honesto. Teriam que abrir mão desses recursos e ainda aceitar ter a intimidade vasculhada. Esse aspecto pessoal é relevante", diz Melo.
Capturados por interesses políticos
Mas não foram apenas a família ou o dinheiro que empurraram os neófitos para fora da eleição. A compreensão de que acabariam engolfados pela máquina partidária contou.
No caso de Luciano Huck, houve quem visse na aproximação do PPS, que lhe ofereceu legenda, uma tentativa do partido de sequestrar o movimento Agora!, ao qual ele se engajara, para renovar seus quadros e aumentar a relevância da sigla.
Já Joaquim Barbosa percebeu que sua personalidade era incompatível com a campanha e a necessidade de comparecer a eventos políticos Brasil afora. Acostumado a tomar decisões sozinho e recluso em um gabinete, era um suplício para Barbosa participar de convenções ou reuniões da executiva do partido.
"Ele não estava acostumado a esse tipo de evento, ficar ouvindo pedido de gente, encheção de saco, responder que iria atender. Era muito desgastante pra ele", diz uma liderança do PSB.
Para Datena, a falta de autonomia foi determinante. Acostumado a comandar sua equipe no "Brasil Urgente" – onde é chamado de "chefão" – e ter a última palavra em tudo, ele se viu constrangido a moderar o tom.
Depois de anos criticando a segurança pública do governo estadual então comandado por Geraldo Alckmin (PSDB) em seu programa de temas policialescos, ele teve que rever suas opiniões depois de ingressar na aliança do pré-candidato à Presidência e do ex-prefeito João Doria, que tentará sucedê-lo no Palácio dos Bandeirantes.
Para mostrar seu apoio, sem consultar seu partido, Datena divulgou um vídeo há uma semana em que chamava Alckmin de "um baita cara honesto", que "tem dois pares de sapatos que ele não troca há duzentos anos".
O problema é que a aliança do DEM com o PSDB vale, por enquanto, apenas em São Paulo. Aliados históricos, os dois partidos tendem à separação no âmbito nacional: os tucanos tentam fazer Alckmin decolar enquanto o DEM flerta com uma composição com Ciro Gomes (PDT). Ter um de seus maiores cabos eleitorais trabalhando em favor do ex-governador paulista, sem consentimento, irritou líderes demistas como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia.
"Datena percebeu que tinha tamanho para pleitear algo como ser vice do Alckmin. Mas o Rodrigo Maia preferia que ele fosse candidato ao Senado. E para Datena seria difícil apoiar o Ciro, começou a ficar contraditório para ele. Pode ter sentido que estava sendo usado pelo partido", afirma um deputado que acompanhou as negociações do apresentador com o DEM.
As lideranças partidárias perderam a confiança em Datena, que passou a sofrer pressões da legenda para não dar entrevistas ou declarações que não passassem pelo crivo da direção. Era monitorado por telefonemas diários, tanto de Doria quanto de pessoas ligadas a Maia.
"O Datena, assim como os demais novatos, tinha expectativa de ter autonomia e poder de manobra maiores do que a média dos políticos de partido. Achou que ia agir como outsider de dentro do sistema, o que não aconteceu. Ele começou a passar por um processo de enquadramento, percebeu que ia ser só mais um cara", explica o filósofo da Unicamp Marcos Nobre.
"Todos eles começam no jogo dizendo que serão candidatos com as mãos livres, mas descobrem rapidamente que não serão. Se é pra ser um político como todos os outros, por que ser? Seria perder a popularidade, abrir mão de uma posição segura como ícones públicos para abraçar um caminho incerto", completa Nobre.
Úteis, mas perigosos
Do ponto de vista dos partidos, outsiders são uma ferramenta útil, mas perigosa.
Impopulares, os partidos precisam despertar a simpatia e a atenção dos eleitores de alguma forma. Mas se por um lado interessa às legendas receber os votos e obter os cargos que eles podem trazer, por outro nenhum cacique partidário está disposto a abrir espaço para disputa de controle interno nas siglas.
Nos últimos 30 anos, líderes partidários concentraram grande poder para definir os rumos da democracia nacional. A nova lei eleitoral, do ano passado, aprofundou esse aspecto da política nacional.
"Depois da operação Lava Jato, o sistema político entrou em modo de autopreservação, priorizando a reeleição de quem já tem mandato e um domínio ainda mais estrito dos caciques sobre os rumos dos partidos", afirma Nobre.
Só pode ser candidato alguém que esteja filiado a uma das legendas nacionais. Não há a possibilidade de candidaturas avulsas. Não há prévias partidárias sistemáticas – a escolha dos candidatos é feita, na maioria dos casos, pela Executiva dos partidos, sem participação de militantes.
Também cabe aos líderes o controle dos recursos financeiros públicos da legenda – vitais para a eleição desde que o financiamento privado de campanhas por empresas foi proibido, em 2016.
E são eles ainda que definem como será usado o tempo de TV e rádio concedido a cada partido – outro elemento considerado chave para que uma candidatura tenha sucesso eleitoral.
"A verdade é que é impossível alguém (outsider) sobreviver a um negócio desses. Acabam caindo em uma vala comum, de políticos, que é difícil sair depois. Ninguém vai conseguir retomar sua vida normal depois disso. Eu não tenho estômago para isso – acredito que Datena e os outros também não", resume Justus.
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