O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), abriu divergência dos demais ministros, nessa quinta-feira (20), e o julgamento que debate os critérios que configuram porte de maconha para uso pessoal permanece sem uma conclusão.
A sessão foi suspensa e caberá aos ministros Luiz Fux e Cármen Lúcia votarem para decidir o tema. O julgamento será retomado na próxima terça-feira (25).
Em sua manifestação, Toffoli abriu uma nova corrente. Ele votou para manter válido o artigo da Lei de Drogas sobre entorpecentes para consumo próprio. O trecho diz que o porte para uso pessoal será punido com medidas socioeducativas.
Para o ministro, a previsão da lei é aplicável ao usuário de entorpecentes. As sanções, portanto, no voto dele, permanecem.
O ministro argumentou, na manifestação, que após alteração em 2006, a lei retirou os efeitos penais da conduta (veja o que diz a legislação citada mais abaixo). Isso não é consenso no tribunal. Alguns ministros entendem que a lei criminaliza o porte para uso pessoal, ainda que a punição não seja com prisão.
"Crime é toda conduta apenada, sancionada com detenção ou reclusão. E contravenção é toda conduta sancionada com prisão simples. O Artigo 28, ao tratar do usuário, não sanciona nem com prisão, nem com reclusão, e sequer prisão simples. De crime, não se trata. E nem está no capítulo da natureza penal. Portanto, eu não tenho dúvidas de que a lei foi editada com o objetivo de educar os usuários de drogas, tratar os dependentes, e punir os traficantes", declarou o ministro, em seu voto.
Segundo ele, "classificar o usuário de drogas como criminoso, mesmo que sujeito a penas não privativas de liberdade, contraria o propósito da lei".
Placar e próximos passos
Com isso, são 5 votos para descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal; 3 para manter o crime punido com pena alternativa e um (de Toffoli) para considerar que a atual lei vigente sobre o tema já não criminaliza.
Na abertura da sessão, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, explicou o que está em jogo.
Barroso detalhou que o ato de consumo de drogas, mesmo que para uso individual, permanecerá como ato ilícito, ainda que seja descriminalizado. Ou seja, continuará contrário a lei, independente de qual seja a decisão do Supremo, mas poderá não ser chamado de crime, se os ministros assim decidirem.
São dois pontos em análise na sessão desta quinta:
Se o porte da droga vai ser considerado um ilícito administrativo ou penal;
Se será possível fixar uma quantidade de droga para diferenciar usuário de traficante. E que quantidade será essa.
Até o momento, há ?7 votos para fixar quantias para diferenciar usuário do traficante; e 2 votos para o Congresso ou Anvisa deliberar como será a diferença. Essa maioria já foi formada em ocasiões anteriores.
As propostas de diferenciação do porte e o tráfico são diferentes:
Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber (aposentada) e Alexandre de Moraes defendem que a diferenciação ocorra a partir de 60g;
Edson Fachin avalia que cabe ao Congresso Nacional fixar a quantidade;
Cristiano Zanin e Nunes Marques fixaram a quantidade em 25 g;
André Mendonça votou por 10g (e questionou a natureza do debate, ao afirmar que o STF está passando por cima dos legisladores ao julgar o tema. Veja aqui);
Dias Toffoli se manifestou a favor da Anvisa definir a quantidade.
Efeitos da decisão
O processo tem repercussão geral, ou seja, a decisão tomada pelo tribunal deverá ser aplicada pelas outras instâncias da Justiça em processos com o mesmo tema. Isso vai ocorrer a partir de uma espécie de guia que será elaborado pelos ministros logo após a conclusão da deliberação.
Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, há pelo menos 6.354 processos com casos semelhantes suspensos em instâncias inferiores da Justiça, aguardando uma decisão do tribunal.
O que diz a Lei das Drogas
A Lei de Drogas, de 2006, estabelece, em seu artigo 28, que é crime adquirir, guardar e transportar entorpecentes para consumo pessoal.
No entanto, a legislação não fixa uma pena de prisão para a conduta, mas sim sanções como advertência, prestação de serviços à comunidade e aplicação de medidas educativas (estas duas últimas, pelo prazo máximo de 5 meses).
Ou seja, embora seja um delito, a prática não leva o acusado para prisão. Os processos correm em juizados especiais criminais e a condenação não fica registrada nos antecedentes criminais.
A norma não diz quais são as substâncias classificadas como droga — essa informação é detalhada em um regulamento do Ministério da Saúde.
Além disso, determina que cabe ao juiz avaliar, no caso concreto, se o entorpecente é para uso individual.
Para isso, o magistrado terá de levar em conta os seguintes requisitos: a natureza e a quantidade da substância apreendida, o local e as circunstâncias da apreensão, as circunstâncias sociais e pessoais da pessoa que portava o produto, além de suas condutas e antecedentes.
Ou seja, não há um critério específico de quantidades estabelecido em lei. Com isso, a avaliação fica a cargo da Justiça.
A lei de 2006 substituiu a regra que vigorava desde 1976. Na antiga Lei de Drogas, carregar o produto para uso individual era crime punido com prisão – detenção de 6 meses a dois anos, além de multa.
Diferenças entre descriminalização, despenalização e legalização
Despenalizar significa substituir uma pena de prisão (que restringe a liberdade) por punições de outra natureza (restrições de direitos, por exemplo).
Legalizar é estabelecer uma série de leis que permitem e regulamentam uma conduta. Estas normas organizam a atividade e estabelecem suas condições e restrições – regras de produção, venda, por exemplo. Também pune quem descumpre o que for definido. Na prática, é autorizar por meio de uma regra.
Já descriminalizar consiste em deixar de considerar uma ação como crime. Ou seja, em âmbito penal, a punição deixa de existir. Mas é possível ainda aplicar sanções administrativas ou civis.
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