A busca por um estilo de vida saudável passa, inevitavelmente, pelo consumo de alimentos que tenham sido cultivados em harmonia com o meio ambiente e sem o uso de agrotóxicos. O aumento da demanda por esse tipo de produto não é a causa principal, mas coincide com uma mudança de postura de agricultores alagoanos nos últimos anos. Alguns deles estão abandonando as práticas tradicionais e adotando medidas agroecológicas e orgânicas, o que tem contribuído – e muito – para a preservação do meio ambiente.
É o caso de Rita Rosa dos Santos, agricultora que obteve um lote por meio da reforma agrária no Assentamento Dom Hélder Câmara, situado em Murici, na Zona da Mata alagoana. Ela vive no local desde 2003 e, a partir de 2006, passou a adotar técnicas que aliam o cuidado com o meio ambiente à produção de alimentos saudáveis. Em outras palavras, ela tornou-se adepta da agroecologia.
Na propriedade dela, de quase seis hectares, não entram agrotóxicos, herbicidas, inseticidas nem fertilizantes químicos para adubar as plantas. Rita dos Santos aprendeu a fazer tudo de forma natural, geralmente utilizando os ingredientes que já existem na natureza.
Para adubar as fruteiras, raízes ou hortaliças, por exemplo, ela recebeu orientações para produzir um biofertilizante, composto por leite, açúcar, fezes de cabras, cinza e manipueira, que é um líquido obtido a partir do processamento da mandioca.
Outro biofertilizante que ela mesma produz é um tipo de compostagem, formada por folhas, restos de legumes e verduras, cinza, fezes de galinha e capim moído. O resultado é um produto totalmente natural e que serve para adubar os vegetais.
Quando é necessário afastar as pragas da lavoura, Rita dos Santos também se utiliza de um produto natural. “Pimenta amassada com açúcar e água, é só aplicar que espanta as lagartas da plantação. Calda de alho ou de fumo também funciona”, ensinou a produtora.
A prática da agroecologia, além de resultar em alimentos mais saudáveis, não agride o meio ambiente, protege o solo, a água e o ar. É o que atesta a engenheira agrônoma Liduína Alencar, supervisora de Inclusão Produtiva da Secretaria de Estado da Agricultura, Pecuária, Pesca e Aquicultura (Seagri).
“A agroecologia é uma ciência que veio para fazer a transição do modo convencional de se produzir para os estilos de agricultura de base ecológica”, reforçou a engenheira.
Por esse caminho, alguns produtores que já utilizam práticas de agroecologia, quando atendem a uma série de exigências estabelecidas pelo Ministério da Agricultura (Mapa), podem ser classificados como orgânicos. Em Alagoas, existem cerca de 100 deles já registrados ou certificados. A assentada Rita dos Santos é uma das produtoras de alimentos orgânicos reconhecida pelo Mapa.
“Existem centenas de outros produtores que fazem um manejo mais sustentável, mas que ainda não possuem nenhum tipo de certificação”, destacou Liduína Alencar. “Se eles tivessem acesso a um serviço de assistência técnica, eles poderiam se aprimorar, aprender a fazer o adubo, melhorar a produtividade e ao mesmo tempo reduzir custos”, apontou a engenheira.
“Há quem condene a agroecologia por achar que ela vai trazer produto sem qualidade e vai reduzir a produtividade. Mas isso não é verdade. Com a experiência que nós temos visto, os produtos são de muito bom aspecto, têm qualidade biológica e nutricional, com um sabor melhor”, argumentou a gestora da Seagri.
Alimentos de origem orgânica e agroecológica são produzidos em harmonia com o meio ambiente (Foto: Cortesia para o Correio Notícia) |
Proteger o solo agora é parte da rotina
Consciente do uso que faz da terra e dos cuidados que precisa ter para que possa voltar a plantar no mesmo lugar, Rita dos Santos aprendeu que não deve retirar o capim que arrancou ao limpar a roça.
“Antes eu deixava tudo bem limpinho, sem nenhum capim, mas isso deixava o solo muito exposto, sem proteção. O capim é o cabelo do solo, sem ele, a terra fica rachada. Ele também vai proteger as minhocas da terra e ao mesmo tempo servir como adubo”, explicou a agricultora.
“Eu tenho que preservar a vida, a água, os animais. A forma como eu produzo é sem agredir o meio ambiente. Essa escolha que eu fiz não tem mais volta”, ressaltou Rita dos Santos, que realiza as atividades produtivas com a ajuda do esposo, da filha e dos vizinhos.
Além dela, o Assentamento Dom Hélder Câmara conta com mais 9 agricultores já registrados ou certificados como orgânicos e outros 4 estão aguardando a certificação.
“A terra é viva igual a nós”, diz agricultor do Sertão
Quem também se utiliza de práticas semelhantes às de Rita dos Santos para conviver em harmonia com o meio ambiente, porém bem distante dela e numa região marcada pela chuva escassa a maior parte do ano, é o agricultor familiar Edézio Alves Melo, do Sítio Bananeira, em São José da Tapera, no Sertão.
Adepto das práticas agroecológicas há cerca de oito anos, ele conta que antes disso realizava queimadas, utilizava inseticidas químicos – ou “veneno”, como ele mesmo chama – e dispensava cuidados com o solo. “Mas hoje eu tô numa ‘escola’”, afirma, referindo-se ao aprendizado de tecnologias sustentáveis que o permitem produzir em harmonia com o meio ambiente.
“A terra é viva igual a nós. Hoje eu tô num paraíso”, exclama seu Edézio que, aos 64 anos, está reaprendendo a ser agricultor. Assim como Rita dos Santos, ele dispensou o uso de agrotóxicos e fertilizantes químicos e aprendeu como cuidar melhor do solo que, em algumas épocas, chega a lhe permitir a produção de mais de 90 tipos de produtos, entre alimentos para ele e a família, para venda, alimentos para os animais e plantas medicinais.
A partir do desenvolvimento de práticas de agroecologia, seu Edézio disse que “a terra agora é outra”. “Todas as plantas ficaram melhores. Se a gente usa o veneno, acaba com a terra”, salientou.
E ele tem razão quando reconhece que o uso de “veneno”, como são conhecidos os agrotóxicos e fertilizantes químicos, prejudica o solo, bem como a água, as plantas, os animais e, obviamente, os seres humanos.
Seu Edézio Melo em meio à plantação de hortaliças: tudo é produzido com respeito ao meio ambiente (Foto: Diego Barros) |
Captação e uso sustentável da água transformam o semiárido
Os novos conceitos praticados por seu Edézio, em São José da Tapera, foram essenciais para o sucesso dele no uso de uma tecnologia sustentável e de baixo custo para captação da água no semiárido. Ele foi contemplado com uma barragem subterrânea.
Apesar de ainda serem pouco conhecidas em Alagoas, existem cerca de 2.240 unidades como essa no semiárido nordestino, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA).
Em Alagoas, não há dados oficiais sobre quantas barragens subterrâneas já existem, mas o que se sabe é que elas ainda são poucas. No estado, 38 municípios fazem parte do semiárido e estão, portanto, sujeitos a longos períodos de estiagem, quando fica mais difícil obter água para beber e para produzir alimento.
A tecnologia conhecida como barragem subterrânea consiste no uso de uma lona para o represamento da água que está infiltrada no solo e que se desloca de um lugar para o outro lentamente. Para isso, após escolhida a área adequada na propriedade do agricultor, é feita uma escavação, cuja profundidade pode variar de quatro a oito metros e o comprimento pode chegar a 80 metros. É nessa vala que a lona é fixada, formando um “paredão” subterrâneo. Em seguida, a vala é fechada com a mesma areia da escavação.
Assim, quando a água que se infiltrou no solo pelas encostas chegar até ali, ela fica represada por baixo da terra, pois não consegue atravessar a lona. O local vai funcionar como se fosse uma esponja, acumulando a água durante o ano inteiro. Dessa forma, a área visível aos olhos de quem passa pode continuar seca e com a aridez típica da caatinga, mas o subsolo guarda a maior riqueza.
A barragem instalada na propriedade de seu Edézio, em 2008, numa parceria entre diversos órgãos dos governos estadual e federal e outros parceiros, como a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), custou cerca de R$ 22 mil, tem uma área de 64 mil metros quadrados e capacidade para acumular até 75 milhões de litros de água, segundo estimativas de especialistas e professores universitários que se tornaram presenças constantes em sua propriedade para fazer pesquisas.
“Eu dou nota mil pra esse projeto”, diz o agricultor, que consegue produzir cebolinha, coentro e alface o ano inteiro a partir da água da barragem. A produção, além de abastecer a família, é vendida para feirantes da cidade e para prefeituras, que a incluem na merenda escolar.
“Tudo aqui é produzido de forma natural, não uso agrotóxico, nem fertilizantes químicos, não faço queimada, não uso pesticidas, nem inseticidas. Trabalho com respeito ao meio ambiente”, ressaltou seu Edézio, que é mais conhecido como "seu Dedé" e cujo trabalho começa cedo, sempre a partir das 4h da manhã.
Após os resultados positivos em sua vida com a instalação da primeira barragem subterrânea do Sertão alagoano, ele decidiu, por conta própria, instalar mais uma. Essa segunda unidade é menor, tem capacidade para acumular embaixo da terra até 25 milhões de litros de água e, segundo ele próprio, custou bem menos que a primeira: cerca de R$ 5 mil. Portanto, as duas barragens juntas podem acumular até 100 milhões de litros de água.
Ciclo virtuoso: água retorna para as barragens subterrâneas após irrigação
É na superfície da própria área da barragem que seu Edézio faz a plantação. Quase tudo é irrigado com a água retirada debaixo da terra. Para isso, ele escavou alguns poços onde ficam suas duas barragens subterrâneas e instalou kits de irrigação, que incluem bombas elétricas e a rede de tubulações e mangueiras. Após regar os cultivos, uma parte da água é absorvida pela planta, uma pequena parte evapora e o restante se infiltra no solo novamente, voltando para a barragem subterrânea.
“Assim, eu economizo e uso a mesma água várias vezes. Essa água da irrigação volta pra debaixo da terra, onde fica a barragem, e sempre é reaproveitada”, explicou seu Edézio. Segundo ele, o consumo de água diário em suas quase cinco tarefas de terras irrigadas chega a 50 mil litros. Outro benefício da barragem subterrânea é que seu Edézio não depende de caminhões-pipa para abastecê-la e, com isso, acumular água para seus cultivos.
A propriedade do agricultor se tornou referência no uso de tecnologia alternativa para convivência no semiárido e, devido a isso, além de professores universitários, ele recebe constantemente a visita de estudantes, gestores públicos, pesquisadores brasileiros e estrangeiros e outros agricultores de Alagoas e do Brasil. As listas de frequência, que seu Edézio guarda em casa, já contabilizam mais de 800 nomes.
Enquanto a superfície permanece seca no verão, barragem subterrânea guarda água embaixo da terra, na propriedade de seu Edézio (Foto: Diego Barros) |
“Antes desse projeto, eu plantava só feijão e milho, e isso só uma vez por ano, quando chovia. O resto do ano era de sofrimento. Cheguei a pensar em sair daqui, porque sem água não tinha alimento, não tinha como sustentar os animais. Hoje, a época que eu mais produzo é no verão. Eu tô feliz, sim”, afirmou o agricultor, que devido ao seu conhecimento na instalação das barragens subterrâneas se tornou um tipo de consultor sobre o assunto. Frequentemente ele é chamado por produtores rurais de diversas regiões do estado interessados em fazer o mesmo em suas propriedades.
A barragem subterrânea é uma tecnologia sustentável para o semiárido, com impacto ambiental mínimo. A afirmação é da bióloga Elane Pereira, que é especialista em Engenharia Ambiental. Segundo ela, outra vantagem desse tipo de unidade é a quase inexistência de risco de contaminação da água. “O risco de contaminação da água das cisternas ou dos reservatórios de superfície é bem maior”, salientou.
Ainda segundo ela, o impacto ambiental de uma barragem subterrânea é mínimo em relação ao de uma barragem de superfície, em que uma área precisa ser inundada. “Outra vantagem da barragem subterrânea é que praticamente não ocorre evaporação. Essa água pode ficar acumulada ali por muito tempo, com poucas perdas”, avaliou.
Agricultora abandona plantio de fumo e uso de agrotóxicos
Quinze anos atrás, o fumo era monopólio na propriedade de dona Sebastiana Leandro Silva Melo, no Sítio Flexeiras, em Arapiraca, no Agreste alagoano. Além da própria planta, durante a colheita, provocar intoxicação nos agricultores, o uso intensivo de agrotóxicos era outro agravante. Não só para quem trabalhava na atividade, mas também para o meio ambiente.
Porém, dona Sebastiana resolveu aderir a novas práticas. Mudou a cultura, recebeu assistência do Sebrae/AL, da Prefeitura e do governo do Estado e tornou-se produtora de hortaliças. E não foi uma produção tradicional: ela adotou práticas agroecológicas, que aliam cultura saudável com preservação do meio ambiente.
“Sei que agora estou colaborando bastante para o meio ambiente, para a saúde da minha família e do consumidor que vai comer esses produtos”, ressalta, com entusiasmo, a agricultura, que produz alface, coentro, cebolinha, rúcula, abóbora, espinafre, brócolis, berinjela, milho, feijão, macaxeira e diversos outros vegetais.
Dona Sebastiana, que faz parte da cooperativa Terragreste, é certificada como produtora orgânica. Entre as novas práticas que passou a adotar, ela faz o controle natural de pragas. Para se livrar de lagartas que podem comer os vegetais, ela ensina a receita: calda de folha do Nim – árvore que está sendo difundida pela região há alguns anos – com melão São Caetano.
“Bate tudo no liquidificador, obtém o líquido e borrifa nas hortaliças. Se não resolver, a gente arranca aquela planta, deixa a terra descansar e planta outra cultura naquele lugar”, apontou, referindo-se à rotação de culturas, que é outra técnica adotada para se livrar das pragas de forma natural. Na propriedade, com área de aproximadamente quatro tarefas, ela recebe a ajuda do esposo, do filho e da nora.
Dispensa de agrotóxicos e fertilizantes evita contaminação de solo, rios, lençol freático e atmosfera
As práticas desenvolvidas por Edézio Melo, no Sertão, Rita dos Santos, na Zona da Mata, e Sebastiana Leandro, no Agreste, contribuem para reduzir a contaminação do solo, dos mananciais, do lençol freático e do ar que se respira. Ao mesmo tempo, eles também ajudam a preservar as espécies nativas da flora e da fauna de suas regiões.
Segundo o engenheiro agrônomo Josival Almeida, “apesar dos adubos sintéticos darem, em curto prazo, uma resposta em termos de uma maior produtividade e produtos de maior tamanho, estes são em geral menos saborosos, mais pobres em vitaminas e sais e impregnados de resíduos venenosos”.
“O uso de insumos sintéticos não matou a fome do mundo, não combateu a pobreza rural e não eliminou a miséria do campo e da cidade”, ressaltou Josival Almeida. Ainda de acordo com ele, não se deve usar adubos químicos por três razões principais.
“A primeira delas é que esses produtos são facilmente absorvidos pelas raízes das plantas, causando expansão celular (as membranas celulares ficam mais finas) e fazendo com que aumente muito seu teor de água – isso as torna um ‘prato’ para as pragas e doenças, além de serem menos saborosas e terem o seu teor nutritivo empobrecido”, explicou.
A segunda razão, conforme detalhou o engenheiro, é que uma parte dos adubos químicos é levada pelas águas das chuvas e irrigações, indo poluir rios, lagoas e lençóis freáticos, acabando por causar, juntamente com os despejos de esgotos, a eutrofização – que é a morte de um rio ou lago por asfixia, pois os excessivos nutrientes, além de estimularem um grande crescimento das algas, roubam o oxigênio da água.
A terceira razão, de acordo com Josival Almeida, é que outra parte dos fertilizantes químicos se evapora, como no caso dos adubos nitrogenados (por exemplo, sulfato de amônio), que sob a forma de óxido nitroso vai, assim como ocorre com os fluocarbonetos de aerossol, destruir a camada de ozônio da atmosfera.
“Vários tipos de fertilizantes químicos, geralmente os mais usados, são violentos acidificadores do solo, além de serem biocidas (destruidores da microvida do terreno)”, concluiu o engenheiro.
Nas feiras de produtos orgânicos e agroecológicos, agricultores vendem diretamente aos consumidores (Foto: Cortesia para o Correio Notícia) |
Feiras de orgânicos estimulam preservação ambiental
Quem vai às compras em feiras de produtos orgânicos, além de levar para casa alimentos cultivados sem o uso de defensivos químicos, também estimula o manejo sustentável dos recursos naturais.
“Os agricultores de práticas agroecológicas e orgânicas têm mais facilidade em cumprir a legislação ambiental. Eles são conscientes e sabem que devem cuidar, especialmente, da mata nos leitos de rios, açudes, de seus mananciais. Isso também é avaliado pela fiscalização que concede o registro de orgânico”, argumentou a supervisora de Inclusão Produtiva da Seagri, Liduína Alencar.
As opções de locais e dias da semana de realização dessas feiras são cada vez maiores, inclusive para quem mora na capital do Estado, que fica mais distante das propriedades dos agricultores orgânicos.
Uma das iniciativas para promover os orgânicos é realizada pela própria Seagri, conforme explicou Liduína Alencar. “Na primeira sexta-feira de cada mês, uma feira com produtos orgânicos é realizada no pátio da própria secretaria, que fica no Centro de Maceió”, ressaltou. Segundo ela, a iniciativa já promoveu 17 edições da feira.
Todas as sextas-feiras, produtores que se utilizam de técnicas agroecológicas, alguns deles com registro ou certificação de orgânicos, também vendem diretamente seus produtos no bairro de Jaraguá.
Já nas quartas-feiras, a venda de alimentos orgânicos ocorre no campus A.C. Simões da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), também em Maceió. Aos domingos, os produtores estão na Praça Centenário, no bairro Farol.
Em Arapiraca, na região Agreste, produtos orgânicos, inclusive da dona Sebastiana Leandro, do Sítio Flexeiras, podem ser encontrados na loja Mundo Verde, na feira livre da cidade e também numa feira montada no Arapiraca Garden Shopping.
“Por outro lado, se o consumidor quiser, ele tem o direito de ir até à propriedade dos agricultores orgânicos para verificar como o alimento é produzido, como é a relação com o meio ambiente, pois o produto tem rastreabilidade”, acrescentou a supervisora da Seagri.
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