Desenvolver estudos com foco na literatura indígena rendeu ao aluno Joel Vieira da Silva Filho, do curso de Letras do Campus do Sertão, a seleção de seu trabalho para o 3º Congresso Internacional Povos Indígenas da América Latina (Capial) a se realizar em julho, em Brasília. Mas o interesse de Joel pela temática, foco de seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), não é por acaso. Além de ser um pesquisador da área, a intimidade com o tema está em sua própria origem.
Joel nasceu na comunidade indígena Katokinn, zona rural de Pariconha, embora não resida mais lá. O município de Pariconha está localizado a 309 km da capital e tem ainda as comunidades indígenas de Karuazu e Gerinpankó. Estão também na região sertaneja as comunidades de Kalankó, em Água Branca, e Koiupanká, em Inhapi.
O estudo que Joel realiza visa levar ao conhecimento da sociedade a diferença entre literatura indígena e literatura indianista, segundo ele, temática carente de mais estudos e ainda com pouca valorização na academia. “A imagem de indígena que vigora na sociedade é a que parte da literatura indianista. As narrativas indígenas são carregadas de um lugar de fala próprio. Não é um outro que fala dele, mas o próprio indígena que narra a partir de seu lugar de fala. É necessário diferenciar literatura indígena de literatura indianista”, afirma. O pesquisador explica que “a literatura indígena é aquela produzida pelo próprio indígena. A indianista, por sua vez, é aquela que ficou famosa no Romantismo brasileiro por meio de José de Alencar”. E acrescenta: “Os povos indígenas do sertão alagoano lutam cada dia mais pelos seus direitos, por um espaço de reconhecimento e valorização”.
O trabalho selecionado para a terceira edição do renomado congresso Capial aborda a Literatura Indígena: oratória, memória e preservação, e teve como orientadora Cristian Sales, então professora substituta do curso de Letras – Língua Portuguesa. O estudo busca identificar como a memória e a ancestralidade indígena (re)aparecem por meio da literatura. E assim, traz poesias de Graça Graúna e Eliane Potiguara para evidenciar isso. A primeira, descendente de potiguaras, é uma escritora brasileira que graduou-se em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde fez o mestrado sobre mitos indígenas na literatura infantil e o doutorado na mesma instituição sobre literatura indígena contemporânea no Brasil. Eliane Potiguara, também escritora, é professora, ativista, empreendedora indígena brasileira e fundadora da Rede Grumin de Mulheres Indígenas.
Sobre o Capial
O 3º Congresso Internacional Povos Indígenas da América Latina tem como tema central Trajetórias, narrativas e epistemologias plurais, desafios comuns e será realizado na Universidade de Brasília (UnB), no Campus Darcy Ribeiro, de 3 a 5 de julho. O evento reúne pesquisadores indígenas e não indígenas de diversos países e áreas do conhecimento para o intercâmbio de ideias. Desta forma, a pretensão é ultrapassar limites disciplinares e fronteiras nacionais, além de promover diálogos interculturais e uma perspectiva comparativa sobre processos históricos e contemporâneos relativos aos povos indígenas na América Latina.
O congresso visa também estimular o debate sobre questões ético-políticas envolvidas na produção de conhecimento junto a povos indígenas, bem como visibilizar, fortalecer e refletir sobre a emergência de intelectuais indígenas no campo acadêmico. A primeira edição foi em 2013, em Oaxaca, no México, e a segunda, em 2016, teve como local a cidade de Santa Rosa, na Argentina.
Informações sobre o 3º Congresso Internacional Povos Indígenas da Améria Latina (Capial) por meio do site: http://www.congressopovosindigenas.net/local/unb/
“Construindo um curso que valoriza o que temos e o que somos”
Com primeiras etapas de formação em escolas públicas de Pariconha e graduando na Ufal, na sede Delmiro Gouveia, mas com sonho de seguir carreira acadêmica, Joel diz que seu TCC traz narrativas de três escritores indígenas brasileiros, os autores Daniel Munduruku, Graça Graúna e Eliane Potiguara, para problematizar a figura do indígena nas narrativas em relação com as imagens propostas pelo escritor José de Alencar. “Meu interesse em pesquisar literatura indígena surgiu quando conheci a professora mestra Cristian Salles. Ela era professora substituta do Campus do Sertão e por meio dela conheci esse mundo. Hoje ela é minha coorientadora de trabalho de conclusão de curso. Professora que me incentiva sempre, indica-me leituras, ajuda-me a compreender os textos, ensinando-me a cada dia”, enfatiza.
Mesmo sendo a primeira vez que vai participar de um congresso internacional, no aprofundamento do estudo sobre literatura indígena, Joel, em 2018, apresentou um trabalho na área no 4º Congresso Nacional de Literatura, realizado em João Pessoa. Além do interesse pela temática e estímulo recebido, ele aproveita para tecer elogios às licenciaturas do Campus do Sertão: “Penso que o trabalho selecionado evidencia que as licenciaturas do Sertão produzem ciência, pesquisam, problematizam conceitos e imagens. Vejo também que o curso de Letras é diverso, pois há diversos estudantes pesquisando em áreas diferentes, insurgentes. Com a ajuda de nossos professores, estamos construindo um curso que valoriza o que temos e o que somos”, destacou.
Escritores alagoanos Ledo Ivo e Fernando Fiúza são destaques do trabalho da estudante Herlanne Nascimento
A seleção do trabalho da também estudante do curso de Letras do Campus do Sertão, Herlanne Nayara do Nascimento Santana, mostra a relevância das manifestações literárias em Alagoas. Denominado de Só escreve soneto quem ama: a forma poética de Ledo Ivo e Fernando Fiúza, o trabalho será apresentado no 16º Congresso Internacional Abralic - Circulação, Tramas e Sentidos na Literatura, a se realizar em julho, em Brasília.
Ao destacar a pesquisa, Herlanne reforça que as manifestações literárias em Alagoas merecem cuidado, respeito e relevância para que a cultura local e a identidade continuem vivas. Disse que, ao se debruçar na literatura dos respectivos autores, percebe-se o valor cultural e históricos das produções literárias alagoanas, com isso elevando essa literatura para que assim possa atingir outros espaços na sociedade.
“Diante disso, o objetivo do trabalho é reconhecer as obras Curral de Peixe, de Lêdo Ivo, e Sonetos Impuros, de Fernando Fiúza, como processos de espacialização da poesia, levando em conta a forma poética assumida pelos dois escritores em épocas diferentes e o valor estético recorrente da presença dos estudos de poesia, a partir da contextualização da tradição literária no tocante à forma e ao conteúdo. É o meu primeiro trabalho com esse foco, mas no grupo de pesquisa já desenvolvemos outros trabalhos envolvendo, principalmente, a literatura alagoana”, diz.
Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic 2018-2019), Herlanne é integrante do Núcleo de Estudos em Literatura Alagoana (Nela) desde o terceiro período do curso. O núcleo consiste num grupo de estudos que busca formar leitores e pesquisadores a partir da leitura de textos literários, focando em escritores alagoanos modernos e contemporâneos.
O trabalho selecionado para o congresso Abralic integra uma pesquisa em andamento do Pibic Letras, intitulada Nas balizas da forma poética: um estudo da espacialidade poética em Curral de Peixe, de Lêdo Ivo, e Sonetos Impuros, de Fernando Fiúza. O estudo é do Grupo de Pesquisa Nela, coordenado pelo professor Márcio Ferreira da Silva, do Campus do Sertão, também orientador do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) da estudante.
Ao detalhar o trabalho desenvolvido, que implica na leitura dos textos poéticos de Ivo e Fiúza, a pesquisadora diz que é levado em conta a perspectiva da análise literária, tomando como base os Estudos Culturais e demarcando-os na Teoria da Poesia. E reforça: “O privilégio ao estudo formal do poema se deve ao fato de que os autores escolhidos como objetos de pesquisa assumem a forma como condições poéticas, tanto no livro Curral de Peixe, de Lêdo Ivo, que marca os anos 90, do século XX, e faz um jogo metafórico entre o valor estético e a linguagem literária, quanto no livro Sonetos impuros, de Fiúza, que em 2015, século XXI, parece reforçar esse jogo, num apelo à forma, dialogando, assim, com a linguagem artística lediana”.
Perto de concluir a graduação, mas vislumbrando percorrer caminho para pós-graduação e com disposição para seguir carreira acadêmica com foco na temática poética, Herlanne destaca que se apaixonou inicialmente pela área do letramento literário: “Desde então, venho também pesquisando nessa perspectiva, sendo essa assim a pesquisa do meu TCC, não trabalhando diretamente a temática poética, mas como ela pode ser abordada nas salas de aula de Língua Portuguesa”, acrescentou.
Congresso Abralic
O 16º Congresso Internacional Abralic será em julho na Universidade de Brasília, mas o evento contará com a presença de pesquisadores em Literatura Comparada de diversas universidades do Brasil e do exterior, a exemplo da Universidade San Andrés (Argentina); Université Clermont-Auvergne (França), Universidade de Stanford (Estados Unidos), dentre outros convidados.
Sobre a escolha de seu trabalho para um evento tão referenciado, Herlanne Santana é enfática: “Acredito que é resistência e luta, tanto para mim, quanto para o Campus do Sertão, principalmente, diante da atual conjuntura política, mostrando que os estudantes das universidades realizam sim pesquisa, e não balbúrdia. E se pesquisar é balbúrdia, tenho orgulho em dizer que praticamos, e muito, essa ação. Além disso, por ser do Campus do Sertão, essa representatividade mostra que essas unidades que são extensão da capital estão ativas no quesito de produzir”.
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