A população de Santana do Ipanema tem sido surpreendida com detalhados e impressionantes relatos de mulheres que perderam os filhos ou porque os filhos herdaram problemas de saúde após o parto no Hospital Regional Dr. Clodolfo Rodrigues de Melo (HRCRM), administrado por uma parceria entre o Governo do Estado, prefeitura do município e Instituto Nacional de Pesquisa e Gestão em Saúde (InSaúde), com sede administrativa na cidade de São Bernardo dos Campos, em São Paulo.
As mulheres têm procurado o programa “Liberdade de Expressão”, da Rádio Milênio (90,7 FM), que se tornou o único canal de desabafo e local de apelo por justiça. As denúncias envolvem casos de constrangimentos, humilhação, manipulação, agressões verbais, mau atendimento, assédio moral, violência psicológica e até de supostas mortes.
Uma das narrativas foi feita pela confeiteira Renata S. Farias, de 25 anos. No nono mês de gestação, a moradora de Santana do Ipanema, após tirar a ultrassom obstétrica, foi aconselhada por uma médica da Casa da Mulher para ir até a maternidade onde deveria ter sua primeira criança. Renata confirma que os vários exames que tinha tirado mostravam que sua gravidez não apresentava problemas.
Dois dias após a ultrassom, por volta das 7h do último dia 25, acompanhada da mãe, de 64 anos, e de uma irmã, a jovem mãe foi para o Clodolfo Rodrigues, onde foi obrigada a esperar até por volta das 14h, quando foi atendida e encaminhada para a sala de parto, onde, segundo Renata, começou seu martírio.
Com a voz trêmula e chorando, Renata falou na rádio que entrou na sala de parto acompanhada da irmã e lá o anestesista teria apertado bastante sua barriga a fim dela ganhar a criança, o que teria lhe deixado várias marcas e provocado muitas dores.
“Durante todo meu pré-natal me foi falado que minha gravidez era normal. Na última ultrassom nada de anormal foi indicado. Minha filha estava normal. Até hoje não entendi o que aconteceu na sala de parto. Aquele anestesista só faltou subir por cima de mim. Ele me apertou demais. Sofri com as dores do parto e sofri com os apertos dele na minha barriga, que ficou cheia de marcas e doída”, falou a jovem.
O parto foi feito pela médica plantonista Dra. Christiane Bulhões (prefeita do município), que, ainda segundo Renata, logo após o nascimento da bebê teria dado ordens para a irmã da confeiteira sair da sala. Mãe e filha foram separadas e Renata só viu a filha na sexta-feira (26), à noite, já morta.
“No final da tarde minha irmã entrou na enfermaria onde eu estava e me falou que minha bebê havia morrido depois do parto. A dor foi muito grande. Minha filha estava bem. Todos os exames confirmam isso”, falou Renata que acrescentou que somente após a irmã insistir em ter acesso à recém-nascida, por volta das 15h do dia seguinte do nascimento, foi que funcionários do hospital comunicaram a morte, que, conforme o laudo, teria sido causada por asfixia cerebral que se desenvolve quando há hipoperfusão tecidual significativa e diminuição da oferta de oxigênio decorrente das mais diversas etiologias durante o período periparto, ao nascimento e nos primeiros minutos de vida.
“Porque eles esconderam que minha bebê havia morrido? Eu não tive o direito de segurar minha bebê ao nascer. Assim que a criança nasceu levaram ela e a médica mandou minha irmã sair da sala sem dizer o motivo. São muitas perguntas que esse hospital não responde. E eu e minha bebê não somos as primeiras vítimas deles. São muitas mortes que eles não explicam. Quero que a Justiça saiba o que está acontecendo e acabe com isso”, desabafou a jovem.
Também moradora de Santana do Ipanema, outra ouvinte, de nome Edirlânia, 26 anos, com oito meses de gestação, ligou para a Rádio Milênio denunciando que chegou ao hospital, no último dia 30, com a bolsa estourada e que após fazer o “toque” foi informada de que o colo do útero estava fechado.
“Depois que a funcionária disse que eu teria que repor líquido, fiquei no hospital com a bolsa estourada durante toda aquela terça-feira e somente por volta das 12h do dia seguinte (31) fui encaminhada para um médico em uma clínica fora do hospital para fazer uma ultrassom porque no hospital não fizeram. Durante a ultrassom o médico me mostrou o bebê vivo e me alertou que não havia nenhum líquido na minha barriga, ficando impressionado como a criança continuava viva. Com um encaminhamento, voltei para o Clodolfo Rodrigues para realizar o parto, mas, além de demorarem bastante para me atender, o médico que estava de plantão não queria fazer o parto, e só consegui porque meu marido pressionou o médico. Era quase 21h40 quando fui levada para a sala de parto e depois de muito tempo meu filho nasceu, sendo levado às pressas para a incubadora com falta de ar por culpa deles que demoraram fazer o parto. E no outro dia, na quinta-feira (1º), pela manhã, antes de receber alta, recebi a notícia que meu filho tinha morrido”, falou a mulher.
Edirlânia acrescentou ainda que, ao retornar ao hospital, na companhia do marido, logo após fazer a ultrassom, seu companheiro perguntou ao médico se ele teria condições de fazer o parto e salvar a vida da criança, caso contrário ele (o médico) encaminhasse para outro hospital. “Meu marido pediu para ele encaminhar eu e o bebê para outro hospital, mas o médico foi “grosso” e de forma irônica mandou que ele (o marido) levasse a gente”, relatou.
Após ouvir os relatos das mulheres, outra mãe, de nome Iris, também denunciou na rádio o que foi obrigada a passar no mesmo hospital há 16 anos atrás.
“Após eu fazer mais de uma ultrassonografia na Casa da Mulher e os médicos lá mostrarem meu bebê vivo, chegou o dia deu ir para o hospital com muitas dores e depois de muito tempo e eu reclamar bastante o médico de plantão decidiu me atender. Eu lembro que disse a ele que tinha ido na Casa da Mulher e que o médico lá fez a ultrassom e disse que a criança estava bem. Como resposta, gritando para mim, o médico após me examinar, disse que a criança estava morta. Eu me desesperei. Daí, ele (o médico) pediu para que a parteira também examinasse e ela falou que não escutou o coração do bebê. Na mesma hora, o médico disse que estava encaminhando para Maceió outra mulher, numa ambulância, e que eu fosse também para retirar o bebê morto”, falou Iris.
“Foi terrível. Primeiro ter tido a notícia da morte da criança e depois, com muitas dores, tonta e vomitando, fui colocada sentada na ambulância, ao lado da outra mulher que estava na maca. Fomos levadas para a Maternidade Santa Mônica e quando cheguei lá a médica que me atendeu ficou sem entender porque eu viajei quase 200 quilômetros, podendo ter resolvido tudo em Santana. Eu disse que meu bebê estava morto e ela disse que não. Que a criança estava viva e que iria fazer o parto. Não aguentei e desmaiei. Hoje meu filho é especial, vivendo numa cadeira de rodas por culta de um erro médico. Sou mais uma das diversas vítimas dos médicos e funcionários desse hospital de Santana”, lamentou a mulher.
Outras mães também procuraram a emissora para fazer denúncias semelhantes. Em sua maioria relatando que tinham perdido o bebê por negligência médica.
Procurada, a assessoria do hospital informou que desconhecia todos os casos e que o Hospital Regional Dr. Clodolfo Rodrigues de Melo se orgulha em ter um dos melhores índices de aprovação entre as pessoas que o procuram em busca de atendimento.
Não obstante, em junho deste ano o Ministério Público de Alagoas divulgou que abriu uma investigação contra a administradora InSaúde, suspeita de desvio de dinheiro público que seria usado no Clodolfo Rodrigues.
A investigação, que corre em segredo de Justiça, é conduzida pelo promotor de Justiça Kleber Valadares Coelho Júnior, da 2ª Promotoria de Justiça de Santana do Ipanema, da comissão de Defesa do Patrimônio Público e Cidadania. Ela foi originada após duas delações premiadas, feitas no Ministério Público de São Paulo, que concomitantemente também investiga a empresa que administra o hospital público de Santana de Ipanema.
Também questionada sobre essas duas investigações, a assessoria informou que até o momento o hospital não havia sido notificado.
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