O processo de degradação ambiental do Rio São Francisco e a consequente falta de peixe em suas águas têm levado os moradores ribeirinhos, que durante muitos anos conseguiam tirar o sustento do Velho Chico, a buscar novas formas de trabalho para garantir a sobrevivência.
A criação de tilápias foi uma das alternativas encontradas pela Associação de Pescadores da Comunidade Salgado, localizada em Delmiro Gouveia, município do Sertão Alagoano, para garantir uma renda aos associados. Só que a falta informação, de técnicas adequadas de manejo acabam diminuindo a rentabilidade do negócio e prejudicando o meio ambiente.
Essa realidade foi observada pelo estudante de engenharia civil do Campus do Sertão, Sandro Vitor da Silva, que resolveu colocar em prática os conhecimentos adquiridos na Ufal para ajudar os trabalhadores da cidade. “Assim que tive conhecimento do edital do Proccaext 2018, tive a ideia de tornar um artigo meu em projeto de extensão. Logo em seguida, convidei mais dois colegas para embarcar comigo nessa jornada e, ao conversar com o professor Antônio Oliveira Netto, ele aceitou ser coordenador e dar total suporte para execução e efetivação”, conta.
O futuro engenheiro civil, sob a coordenação do docente Netto, vem realizando uma série de intervenções para ajudar a melhorar o empreendimento dos pescadores e preservar as águas do rio. As atividades fazem parte do projeto de extensão Produção e beneficiamento da tilápia no Alto São Francisco: treinamento e capacitação da Associação de Pescadores da Comunidade Salgado de Delmiro Gouveia – AL, selecionado pelo Proccaext 2018.
A iniciativa, que também conta com a participação de demais estudantes dos cursos de Engenharia Civil e Engenharia de Produção, busca capacitar os pescadores por meio de seminários, promover a conscientização ambiental sobre modos de descarte dos resíduos sólidos do peixe, ensinar técnicas de reaproveitamento da água utilizada na lavagem dos tanques e de reutilização dos restos orgânicos da tilápia.
“Tendo em vista o grande potencial hídrico da região, a atividade de aquicultura vem se tornando uma alternativa de renda para as comunidades ribeirinhas e o comércio local”, explica o docente. “Observamos a limitação técnica da associação para o escoamento e a utilização da matéria-prima em toda sua extensão, uma vez que a comunidade trabalha apenas com a venda in natura e possui pouco conhecimento técnico para o reaproveitamento dos resíduos gerados pela produção deste pescado”, argumenta o professor que é doutor em Engenharia Hidráulica e Saneamento.
Antônio Netto destaca que “a capacitação é realizada para homens e mulheres, com a intenção de otimizar a produção e, consequentemente, elevar a renda familiar”. Os associados receberam bem a iniciativa. “Eles demonstraram interesse em adquirir conhecimento com relação ao objetivo proposto pelo projeto”, comemora.
Retorno das atividades já realizadas: maior perspectiva para desenvolvimento financeiro, social e ambiental
O prazo para realização das atividades do projeto, conforme o edital do Programa Círculos Comunitários de Atividades Extensionistas (Proccaext) 2018, começou no dia 2 de abril deste ano e termina em 30 de outubro de 2019.
De acordo com o professor, as atividades realizadas já começam a apresentar retorno. “Observamos que, ao expor as diversas técnicas de aproveitamento da tilápia, houve uma maior perspectiva no que tange o desenvolvimento financeiro e escoamento do peixe, o que pode proporcionar um maior proveito, não apenas como fonte de renda, sobretudo como matéria-prima, as quais seus resíduos devem ser descartados de forma correta, além de reaproveitados para produção de bens comerciáveis”, ressalta.
Segundo Sandro da Silva, “um dos potenciais trabalhados no projeto de extensão é a mudança social de forma eficaz, que, a cada etapa elaborada e executada, torna o conhecimento científico mais acessível”. Ele afirma que a consequência da “interação entre ensino, pesquisa e extensão é a modificação na vida dos integrantes da associação de pescadores e da região”. “É válido frisar que tais mudanças tangem não somente o setor material, como também os aspectos dos indivíduos se relacionarem com o Rio São Francisco, do qual lhes provém a matéria prima de seu trabalho, a tilápia”, reforça.
O coordenador do projeto argumenta que a “apresentação de conceitos ambientais e dos métodos de aproveitamento do peixe proporcionou bons resultados na busca por um melhor desenvolvimento social e ambiental, criando grandes expectativas para o desenvolvimento dos demais cursos junto à associação e membros da comunidade”.
Netto informa que já foram ofertados cursos de conscientização sobre os fatores de risco no descarte incorreto das vísceras do peixe e como essa ação degrada o meio ambiente. “Demonstramos a forma correta do descarte, apresentamos de forma teórica e prática, as formas de reaproveitamento e seu impacto sobre a comunidade, além de mostrar dados sobre os benefícios financeiros e ambientais que a comunidade poderá ter”, enumera.
A questão do reúso da água também foi contemplada pelas atividades.“Foram apresentados conceitos sobre reutilização e fatores de risco, bem como levantamento de dados da área para a implantação de um sistema de reaproveitamento”, diz. “Posteriormente, será necessária uma capacitação sobre sua manutenção e utilização da água tratada em horta comunitária”, conta.
Vendo a forma como o projeto já repercute, o estudante Sandro comemora: “Tenho orgulho de ser autor de algo com um significado social enriquecedor no Sertão Alagoano, o qual a cada dia não me deixa esquecer que sou um eterno aprendiz do meu ofício”.
Próximos encaminhamentos
A formalização de parcerias com outras instituições de ensino superior, informa o coordenador, está na lista de itens das próximas atividades do projeto. “Estamos finalizando parcerias com a Uneb [Universidade do Estado da Bahia] e IFBA [Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia] para viabilizar o desenvolvimento de produtos via utilização dos rejeitos sólidos do processo de beneficiamento da tilápia”, diz.
“Ainda realizaremos curso de gerenciamento de recursos financeiros e, ao final da vigência do projeto, compartilharemos a ideia com outras comunidades da região, possivelmente via folheto informativo”, acrescenta.
Preservação do Velho Chico e utilidade social do projeto
A necessidade de preservação do rio São Francisco é outro aspecto considerado pelas ações realizadas por meio do projeto. “Com certeza trabalhamos com essa questão. O descarte inapropriado, de vísceras, cartilagens e resíduos do pescado no leito do rio, pode atrair peixes predadores, comprometendo seu nicho ecológico, tornando-se, assim, um dos maiores desafios para a preservação ecológica da região”, diz o professor.
Ele explica que o propósito é “apresentar a qualidade dos resíduos para a produção de novas fontes de renda, seja para artesanato, confecção de roupas e até mesmo para criação de outros alimentos, pois, além de atrativo, também é fundamental para a preservação do meio ambiente”.
Conforme definição divulgada no site da Pró-reitoria de Extensão da Ufal (Proex) da Ufal, é preciso que os projetos do ProCCAExt “estejam pautados no princípio da solidariedade e sejam socialmente úteis”.
Ao explicar como o projeto pretende atingir esse objetivo e a importância dessa atividade para os pescadores, Antônio Netto destaca que o foco das atividades está voltado para a “preservação do meio ambiente, a criação de um vínculo benéfico com a comunidade e o seu desenvolvimento socioeconômico”.
“A reutilização da água na comunidade reduzirá o nível de poluição dos rejeitos líquidos e, por sua vez, favorecerá a implantação de uma horta comunitária. Essa água passaria a ser reutilizada para irrigação das plantações na comunidade”, cita. “Também serão criados dois produtos com os resíduos do peixe, sendo eles uma cola específica para pastilhas de vidro e um detergente orgânico que poderá ser utilizado nas residências”, informa. E acrescenta: “Logo após esses produtos serem finalizados, os métodos de elaboração serão compartilhados com toda a comunidade, a fim de ajudar na criação de novos produtos e meios para alavancar a economia local, ajudando na melhoria de vida da população local e do ambiente”.
Envolvimento dos estudantes em ações de extensão
Os projetos de extensão da Ufal tem como objetivo envolver professores, técnicos e estudantes em atividades que tornem próximo da comunidade o saber construído na Universidade. O discente Sandro Vitor da Silva revela a satisfação pessoal de poder colocar em prática o conhecimento adquirido no curso de graduação. “Nessa trajetória, tenho solidificado o meu conhecimento sobre a importância de projeto de extensão, tanto para fortalecimento do ensino e da pesquisa, como também para o meio externo e da interação entre os indivíduos”, afirma.
Segundo ele, o fato da proposta ter sido selecionada é um reconhecimento. “Essa avaliação positiva pela banca da Proccaext 2018 fez eu notar que a minha preocupação em usar meu conhecimento científico em pró de mudanças sociais, sejam elas mínimas ou de maiores proporções, teria como se materializar de alguma maneira e, claro, para mim foi a coroação de um esforço ímpar, principalmente, por eu ser um estudante oriundo da rede pública de ensino, onde concluí meu ensino fundamental e médio e, agora, discente de Engenharia Civil em uma universidade reconhecida como a Ufal”, destaca.
Ele cita que o projeto pode proporcionar “mudanças sociais e interação dos profissionais da área das engenharias”. “Vejo que o projeto transcende seus objetivos, pois o que estamos a fazer envolve mais do que apenas aspectos socioambientais, uma vez que estamos trabalhando em uma comunidade sertaneja que tem seus aspectos culturais, os quais devem ser levados em consideração para que haja uma isonomia social e uma execução eficiente dos objetivos pautados na proposta por nós apresentada”, avalia.
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