Com inspiração no Grupo City, o ex-presidente do Bahia e atualmente dono da SAF do Londrina, o empresário Guilherme Bellintani tem apostado no modelo de rede multiclubes dentro do Brasil. O formato repete o que é feito por vários grupos fora do país, mas com foco mais nacional.
Além do time paranaense, a Squadra Sports, de Bellintani, está à frente atualmente do Ypiranga-BA, do Linense-SP e do VF4-PB. A empresa mira ainda clubes de Portugal e do Uruguai para fechar a plataforma.
Guilherme Belliintani detalhou que essa ideia surgiu no período em que conduziu a negociação da venda da SAF do Bahia para o City Football Group (CFG), de propriedade do emirado de Abu Dhabi. O CFG já engloba mais de uma dezena de clubes em quatro continente distintos.
– Fiquei um ano trabalhando com o City ali, compreendendo o que é o COM [multi-club ownership], uma plataforma de clubes de propriedade de um mesmo grupo. Vi como é a lógica de funcionamento, o dia a dia da gestão, a estratégia de alocação de jogador, de aquisição de jogador jovem, depois você o joga num time um pouco mais de vitrine para projetá-lo, como é a lógica de participação nas competições, como você contrata um jogador não apenas para aquele clube específico, mas para a plataforma inteira – detalhou Bellintani.
– E eu me perguntava muito: por que o Brasil não criou o seu próprio multiclubes ainda? Criamos a Squadra, logo depois da minha saída do Bahia, e comecei a operar esse projeto – completou.
Bellintani abordou também outros assuntos, como o aumento de SAFs no Brasil e a necessidade de se aplicar um Fair Play financeiro que faça os clubes cumprirem as obrigações financeiras.
– O Fair Play financeiro, antes disso, é dizer: meu amigo, se você contrata aquele número 10, que lhe custa R$ 1 milhão, você tem que pagar, porque se você não pagar, você vai perder um ponto na competição – opinou.
Bellintani opina que os clubes não são “obrigados” a se transformarem em SAF, dentro do cenário atual. Ele aponta que, em alguns casos, esse modelo não é necessário, como para o Flamengo e o Palmeiras, por exemplo.
– Não existe uma única fórmula de dar certo ao futebol. Tem clubes que não precisam fazer SAF, que não querem, pela cultura de gestão da associação, por exemplo. O Flamengo não precisa fazer uma SAF, o Palmeiras não precisa fazer. Clubes que são muito poderosos do ponto de vista econômico e estão organizados da porta para dentro – disse.
– Tem clubes que são poderosos no ponto de vista econômico, mas estão desorganizados da porta para dentro. Esse clube tem duas alternativas: ou faz uma SAF para se organizar, pagar dívidas... Ele fatura R$ 1 bilhão por ano, mas ele gasta R$ 1,2 bi, R$ 1,3 bi. Às vezes ele precisa de uma SAF para pagar dívida e para organizar. Ou às vezes é capaz, como o Palmeiras fez desde 2014, de virar o jogo do próprio projeto associativo. É outra alternativa – prosseguiu.
– Por outro lado, tem clubes de dois tipos ainda: os que estão inviabilizados economicamente, por mais que sejam grandes, mas o tamanho da dívida já inviabiliza. É muito difícil fazer uma mudança sem injeção forte de capital externo. Então a SAF é uma saída. Foi um exemplo do Vasco, com a 777, na origem, ou do próprio Atlético-MG, que tinha o endividamento alto.
– E tem clubes que não estão necessariamente com o endividamento alto, mas veem na SAF um modelo mais sólido de médio e longo prazo, com injeção de recurso, mas também com injeção de tecnologia, de gestão estável no médio e longo prazo. Isso faz com que os clubes consigam se planejar mais – completou.
Guilherme Bellintani foi presidente do Bahia em dois mandatos, entre 2018 e 2023, sendo reeleito com 86% dos votos. Neste período, o time foi campeão da Copa do Nordeste de 2021 e tetracampeão Baiano. No Brasileirão, amargou o rebaixamento para a Série B em 2021, mas conseguiu o acesso na temporada seguinte.
Além disso, ele inaugurou, em 2020, o novo centro de treinamentos do clube e encabeçou a venda da SAF para o Grupo City, em maio de 2023.
– O Bahia tinha uma dívida, mas não era uma dívida absurda em termos de tamanho. Mas a gente entendia que um bom caminho para elevar o nível técnico do clube era trazer parceiros. Conseguimos trazer lá o Grupo City, o Manchester City, todos os seus clubes do mundo inteiro. E hoje o Bahia passou por uma transformação grande – contou.
– Quando a Lei da SAF foi aprovada, em agosto de 2021, logo depois eu comecei a procurar parceiros para oferecer à torcida uma avaliação sobre SAF. E o primeiro da lista era o Grupo City por razões óbvias, o grupo que é o mais bem sucedido no mundo em termos de gestão de futebol. E a gente bateu na porta do City, mostramos o nosso projeto, mostramos o clube e essa conversa evoluiu muito. Ao longo de um ano, um ano e pouco, a gente conseguiu fechar todo o projeto – continuou.
– Eu me orgulho muito disso, acho que o futebol brasileiro ganha com a chegada do Grupo City, e eu acho que o tempo vai mostrar que esse tipo de projeto, não apenas esse do Bahia com o City, mas esse tipo de projeto, que é cuidadoso, que é responsável, que cumpre as regras, que não quer fazer no oba-oba de dar resposta imediata, dizendo que vai assinar um cheque de milhões para o próximo ano para contratar jogadores de qualquer jeito, que vai com cuidado, esse projeto vai ser vencedor do futebol brasileiro, com certeza – completou.
Após deixar o Bahia, Guilherme Bellintani começou a trabalhar com a própria empresa, a Squadra Sports, e o primeiro grande passo foi a compra da SAF do Londrina. As negociações avançaram em dezembro do ano passado, quando o LEC tinha acabado de rescindir com a SM Sports, gestora do clube entre 2011 e 2023.
Uma proposta vinculante foi aprovada, a Squadra começou a fazer um trabalho de parceira, inicialmente, até que a venda de 90% da SAF do Londrina fosse concluída.
Após assumir o Londrina, Bellintani e a Squadra Sports chegaram a um acordo para administrar o departamento de futebol do Ypiranga-BA, clube de Irmã Dulce e terceiro maior campeão baiano, que está fora da elite estadual há 25 anos.
Em agosto, o empresário acertou a compra de 85% do Linense-SP, que é um clube-empresa de capital fechado. A negociação prevê o investimento de R$ 27 milhões no clube em seis anos. Caso a equipe conquiste o acesso à elite estadual (atualmente disputa a Série A2, equivalente à segunda divisão), o aporte pode chegar a R$ 48 milhões.
– Fechamos a participação agora no clube de empresa do Linense, lá em Lins, em São Paulo, que é um projeto que vai ser irmão de Londrina. Primeiro que é bem próximo, a gente está aqui a cerca de 300 km de Lins, então já vai ter muita afinidade, vai ter muita complementariedade – detalhou.
Por fim, Bellintani adquiriu 50% do VF4-PB, que pertence ao ex-lateral Victor Ferraz, que jogou por Santos, Grêmio e outros clubes.
– Acabamos de fechar agora um clube na Paraíba, também um clube de base, que é o VF4, um clube junto com Victor Ferraz, que é o ex-lateral, jogou no Grêmio, jogou no Santos e formou o VF4, que é um projeto belíssimo na Paraíba, é inclusive multicampeão de base da Paraíba, é o clube de base mais relevante no estado da Paraíba, e nós adquirimos ali 50% daquele projeto e integramos isso agora na plataforma – explicou.
– Além disso, estamos olhando clube em Portugal também, com muita cautela, cuidado, planejamento, olhando muito a questão financeira para não dar um passo exagerado. E, em alguma hora, também um clube do Uruguai. Esse é o nosso objetivo. a gente vai ter, de fato, o primeiro multiclubes brasileiro, que é o maior exportador de atletas do mundo. A gente acredita que a Squadra pode ser uma grande também formadora e exportadora de atletas, estando construindo essa plataforma dentro do Brasil – reforçou.
Multiclubes em uma mesma competição?
Recentemente, o Órgão de Controle Financeiro dos Clubes da UEFA (UEFA Club Financial Control Body - CFCB) optou por autorizar mais uma vez que clubes pertencentes a um mesmo grupo econômico disputem simultaneamente competições continentais.
No dia 5 de julho o CFCB publicou uma nota justificando a autorização de dois casos de uma mesma rede – “Manchester City e Girona FC” e “Manchester United e OGC Nice”. Originalmente, a regulação da UEFA prevê que o clube com a pior colocação no ranking deve ser excluído das competições europeias. Com a nova forma de tratar o assunto, a UEFA evita a exclusão e ao mesmo tempo não desestimula a expansão das redes multiclubes.
E como ficaria no Brasil? Bellintani foi questionado sobre o que poderia acontecer caso o Londrina e outro time da plataforma da Squadra cheguem à mesma competição nacional, por exemplo. Ele pontuou que possui diferentes interesses para cada um dos clubes.
– Primeiro que o Ypiranga-BA e o VF4 são clubes de base. Não está no nosso propósito fazer clubes que tenham aspirações de time profissional. Eventualmente o Ypiranga pode lá jogar a Segunda Divisão do Campeonato Baiano com o time sub-20. Se subir para jogar a primeira divisão, ótimo. É uma pretensão que a gente tem, o Ypiranga tem uma torcida relevante, quer um pouco isso. Mas hoje o projeto não é fazer um time profissional para chegar no topo do futebol nacional. É começar pela base e fazer uma coisa de médio e longo prazo – explicou.
– Já o Londrina e o Linense também não jogam a mesma competição. Estão distantes de jogar. O Linense está na Série A2 do Paulista. Então sempre em obediência à lei, a norma toda, à Lei Geral do Esporte, à Lei da SAF.
– Se algum dia os times estiverem na mesma competição, a gente vai observar qual é o regulamento da CBF para esses casos, vai cumprir o regulamento, é o nosso objetivo. Mas sem deixar de ser ousado, ousado, audacioso – garantiu.
Bellintani citou ainda que o principal foco está em fazer uma rotação de jogadores entre os times, aproveitando os nomes que surgirem principalmente nas categorias de base, com o Londrina sendo a referência, como se fosse o “Manchester City” do grupo.
– Em termos de formação de atleta, tem muito atleta que está lá em São Paulo, vai estar na base do Linense, e quando se destacar vem aqui jogar em Londrina, ou algum atleta aqui em Londrina que quer jogar numa primeira divisão do Campeonato Paulista, se o Linense estiver lá, vamos jogar para lá também.
– A nossa ideia é que cada clube individualmente, isoladamente, ele fica mais frágil, quando ele se junta numa plataforma dessa, cada um individualmente se fortalece muito. E, no caso do Londrina, com a satisfação de ser o clube central desse projeto, pelo fato de ter a história que tem, a tradição que tem, e estar nas competições de mais alto nível.
Bellintani também foi questionado sobre o que pensa em relação a implementação do Fair Play financeiro no futebol brasileiro. O assunto foi debatido pela Comissão Nacional de Clubes em setembro, para que medidas sejam tomadas a partir de 2025.
O tema surgiu pelos movimentos da janela de transferências e pela manutenção da competitividade. Também por clubes que estão devendo e não estão pagando. Outro tema foi a questão dos times que fazem partes de grupos com donos, devido às transferências que feriram o fair play financeiro na Europa.
– As pessoas estão falando muito do Fair Play financeiro a partir da chegada das SAFs com o intuito de controlar o investimento externo. Mas tem uma coisa que antecede a isso, que também faz parte do Fair Play financeiro, que é a responsabilidade na gestão dos seus pagamentos. É dizer, “meu amigo, se você contrata aquele número 10, que lhe custa R$ 1 milhão, você tem que pagar, porque se você não pagar, você vai perder um ponto na competição” – disse.
– Tem que atuar lógico no controle da injeção de recursos externos? Óbvio que sim. Senão o campeonato fica com a disputa de bilionários para ver quem pode mais. Mas antes disso, a gente tem que falar o seguinte: espera aí, quem é que está comprando tanto jogador, pegando folhas de futebol tão altas, colocando dentro do seu orçamento e não tá conseguindo honrar? Esse é um problema também do fair play financeiro. O Fair Play financeiro, ele não é uma regra simples, ele é um sistema. Ele tem que prever determinadas, variadas circunstâncias para vários casos diferentes – finalizou.
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