Uma família amedrontada, que chora pelos assassinatos de inocentes, a impunidade dos assassinos e teme por novas mortes. Uma quadrilha de bandidos envolvida em assaltos, tráfico de drogas e uma série de homicídios no Sertão. O que seria um enredo de filme é uma realidade na cidade de Pão de Açúcar, no Sertão de Alagoas.
Toda a história teve início no ano de 2010, após uma briga entre duas primas. Daquele ano para cá a polícia já registrou dois assassinatos e quatro tentativas de morte vitimando uma única família.
As investigações, obtidas com exclusividade pelo Correio Notícia, começam a partir da execução de José Petrúcio dos Anjos, executado em novembro de 2013, enquanto estava com amigos, numa praça, no centro da cidade de Pão de Açúcar
Na época, a morte foi investigada pelo delegado Sandro Marcelo, que, após ter acesso a imagens da câmera de segurança de lojas comerciais e da agência da Caixa Econômica Federal (CEF) – o crime aconteceu na frente do banco –, identificou que o homem que deflagrou os tiros foi Sóstenes Alves dos Mártires, que já havia sido preso em 2011, acusado de comandar uma quadrilha de roubo de cargas e insumos agrícolas nos estados de Goiás, Mato Grosso e Minas Gerais.
Os assaltos rendiam ao bando de Sóstenes, na época, cerca de R$ 20 milhões. Além de Sóstenes, também participou da morte de Petrúcio um outro comparsa, de nome Stênio. A dupla usou uma moto e após o crime viajou para o interior de Sergipe, para uma das residências de Sóstenes, onde comemoraram o crime. Sóstenes é apontado pela polícia como líder de uma organização criminosa responsavel por cerca de 20 assassinatos somente na região de Pão de Açúcar.
Outro fato destacado nas investigações naquele ano foi que Sóstenes é primo da esposa de Petrúcio, de nome Maria do Socorro, uma das mulheres envolvidas na briga em 2010. Sóstenes já havia tentado matar Petrúcio em setembro de 2012, quando a vítima teve que correr pelas ruas de Pão de Açúcar, entrar numa igreja e se abrigar em casa para evitar ser morto naquela oportunidade. Dias após, ainda segundo registros da polícia, a residência de Petrúcio foi invadida por Sóstenes.
Ainda na tentativa de evitar que fosse descoberto, Sóstenes “espalhou” na cidade que o crime de Petrúcio estaria ligado a uma discussão da vítima com o ex-patrão. Petrúcio foi motorista do ex-prefeito de Marechal Deodoro, na Grande Maceió, Cristiano Mateus (MDB), mas a versão foi desmentida com o esclarecimento do homicídio.
O tempo passou rápido e enquanto a polícia acreditava que Sóstenes e sua organização criminosa haviam sucumbido, o criminoso se reorganizou e colocou em prática outro plano criminoso. Após recrutar novos comparsas, o criminoso teria dado ordens para matar um dos filhos de Petrúcio.
Peterson Anjos Filho é “caçado” por Sóstenes, após escapar de quatro atentados à bala, sendo o primeiro em 28 de junho de 2015, na frente da residência de Peterson, quando a vítima chegava com a esposa gestante; o segundo atentado foi em 5 de julho de 2018, no local de trabalho dele em Arapiraca, Agreste de Alagoas, quando foi alvejado cinco vezes e o último atentado em 22 de dezembro do ano passado, quando aguardava a esposa em uma lanchonete em Batalha. Ele foi novamente baleado, ocasião em que os criminosos foram reconhecidos como integrantes da organização criminosa de Sóstenes. A dupla permanece foragida após as prisões serem decretadas.
Execução de secretário de prefeitura
Mas, no domingo do último dia 17 de janeiro, mais uma morte mostrou que a saga criminosa dos bandidos não tem fim. A vítima foi o secretário de transportes da Prefeitura de Pão de Açúcar, José Petrúcio dos Anjos Filho, 29, irmão de Peterson.
O crime aconteceu dentro do restaurante Boi na Brasa, na orla lagunar de Pão de Açúcar. Petrúcio almoçava junto com a esposa e mais cinco pessoas, entre elas duas crianças, que estão em tratamento psicológico após assistirem à execução. A Polícia Civil (PC/AL) já sabe que o secretário foi morto no lugar do irmão.
Dois homens, de rosto limpo, entraram no restaurante e começaram a atirar na vítima, que ainda tentou se levantar, mas não teve forças e caiu. Um dos criminosos viu que Petrúcio portava uma pistola e ainda teve tempo de se abaixar ao lado do corpo da vítima e roubar a arma, que era registrada e pertencia a seu irmão. Petrúcio já havia escapado de uma outra tentativa de homicídio em 2 de fevereiro de 2016, no povoado Limoeiro, em Pão de Açúcar.
Na fuga, uma outra informação, também em poder da polícia, chama a atenção. Os criminosos fugiram em um Celta, de cor preta e placa não informada, onde havia outro bandido dirigindo. O carro teria sido seguido por um Gol, de cor verde metálico, onde o motorista seria um prestador de serviços da Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de Alagoas (Arsal), que permanece foragido. O homem, após a polícia informar à direção do órgão que ele é suspeito de integrar uma quadrilha de assassinos e traficantes e que usava o veículo oficial da Arsal para fazer entrega de drogas em Pão de Açúcar e localidades próximas, foi dispensado pela Arsal.
Também está em poder da polícia imagens que mostram o mesmo veículo usado pelos assassinos passando algumas vezes pela frente da residência da vítima e imagens do ex-prestador da Arsal, que também é acusado de “plantar” estórias na cidade envolvendo a família das vítimas, transitando pela frente da casa onde Petrúcio morava. Policiais que investigam a série de crimes têm suspeitas de que o ex-servidor da Arsal tem o papel de “olheiro” do bando e “plantar” notícias falsas para despistar as investigações.
Chacina em Jacaré dos Homens
Outros crimes também são atribuídos à quadrilha de Sóstenes. Entre eles a chacina que vitimou os irmãos Samuel de Souza Alexandre, 22, José de Souza Alexandre, 15, e José Juliano de Souza Alexandre, 14, que moravam em Carneiros. Samuel era acusado de homicídio. Um outro jovem também foi morto e encontrado junto com os irmãos. Os corpos dos quatro garotos, que, segundo a polícia, eram usuários de drogas, foram desovados, com tiros na região da cabeça, em um sitio em Jacaré dos Homens.
A chacina, em 2017, nunca foi esclarecida, porém, com a prisão de dois integrantes do grupo de Sóstenes, o caso deverá ser mais uma vez investigado. A dupla presa teria revelado que a ordem para as mortes partiu de Sóstenes, após uma das vítimas comprar drogas a ele e não pagar. Os jovens teriam sido sequestrados por um policial militar, considerado o “braço armado” da quadrilha, que levou as vítimas até o sítio e lá executou todas. O mesmo policial é o responsável por escoltar a chegada da droga em Pão de Açúcar e sua venda, além de ter autorização para matar os inimigos do grupo.
Homicídio de técnico de futebol
Outro homicídio que pode ser esclarecido é o de Adriano Pereira de Souza, o "Cabelão", morto a tiros em setembro do ano passado e que, segundo os supostos integrantes do bando preso, também foi a mando de Sóstenes.
A vítima, que era técnica da equipe feminina de futebol do Jaciobá Atlético Clube, transitava de moto com a filha, nas proximidades do Estádio Elisão, em Pão de Açúcar, quando foi alvejada por desconhecidos que estariam em um Celta Preto. Ferido, o homem correu a pé até entrar em uma residência que estava com a porta aberta, mas foi perseguido e alvejado pelos bandidos.
Adriano Pereira, que em janeiro do ano passado já havia escapado de outro atentado, morreu instantes após chegar ao hospital de Santana do Ipanema.
O crime, que foi presensiado por várias pessoas, que, por medo, mantém o silêncio, teria sido motivado porque Sóstenes tentava vender drogas aos alunos de “Cabelão”, que não aceitava e havia ameaçado denunciar à polícia. Coincidências a parte, o carro usado pelos matadores do esportista é da mesma marca e cor do que foi usado na execução do secretário de transportes de Pão de Açúcar.
Tribunal da Morte
A audácia dos criminosos e como eles se organizaram foi uma surpresa para policiais que os investigam. A organização criminosa, pela experiência de Sóstenes, adquirida em outros crimes e durante os anos que esteve preso, montou uma estrutura que se assemelha a facções criminosas, a exemplo do Primeiro Comando da Capital (PCC), que, além de executar em julgamentos de um “tribunal da morte” pessoas que de alguma forma os ameace, também mantém um cronograma de ações e metas para as compras e vendas de drogas, que são monitoradas, mesmo à distância, por Sóstenes.
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