O controle dos caciques do Centrão da destinação das verbas bilionárias de emendas parlamentares tem sido motivo de preocupação entre os pré-candidatos à corrida presidencial de 2022. O favorecimento a deputados e senadores aliados do Planalto na distribuição dos recursos deixa os adversários de Jair Bolsonaro em franca desvantagem, já que a destinação desses recursos é um aditivo poderoso para a campanha da reeleição. Mas não é apenas o presidente da República quem aufere benefícios: os parlamentares que manejam a distribuição do dinheiro, e aqueles que recebem, também largam na frente dos adversários.
Por causa disso, os partidos aguardam com ansiedade a decisão da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal federal (STF), para as ações que pedem o fim das emendas do relator-geral do Orçamento da União no Congresso — as chamadas RP9, dispositivo criado pelo Centrão, com endosso do Palácio do Planalto, para alimentar a fidelidade do grupo com fartura de recursos voltados para as bases eleitorais de deputados e senadores. A distribuição da verba passa, necessariamente, por combinações entre o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira.
Representa dizer que o Centrão e seus escolhidos entram turbinados na batalha das urnas. E com maiores chances que os demais partidos de construírem uma bancada numerosa, poderosa o suficiente para criar embaraços a qualquer futuro presidente. Mas não apenas isso: o grupo de partidos passa a dar as cartas no Orçamento da União, assumindo uma prerrogativa que é do Poder Executivo.
Nas mãos de Lira e Ciro, estão R$ 33,8 bilhões de 6.978 emendas parlamentares aprovadas para 2021. Quase metade dessa cifra — R$ 16,8 bilhões — vem de apenas 32 emendas RP9. Os partidos de oposição não tiveram votos suficientes para derrubar as emendas do relator durante a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Em agosto, Bolsonaro sancionou o projeto sem vetos às RP9.
Compra de apoio
O deputado Ivan Valente (PSol-SP) considera que a prática do governo para favorecer aliados na distribuição de verbas do Orçamento “é um escárnio, é compra de apoio político”.
“É corrupção. Uma vergonha, porque não é constitucional, é ilegal. Com mais recursos para obras e outros investimentos nos redutos eleitorais, os aliados do governo disputarão as próximas eleições numa situação de vantagem em relação aos demais”, sentencia.
O controle do Centrão sobre o destino das verbas de emendas parlamentares também incomoda o PSDB, cujas prévias para escolher o candidato presidencial ocorrerão em 21 de novembro. Vice-presidente da Comissão Mista de Orçamento (CMO) e líder dos tucanos no Senado, Izalci Lucas (DF) informa ter encomendado à sua assessoria um levantamento para conhecer detalhes da destinação das verbas de emendas de relator e os parlamentares beneficiados.
“A atribuição do Congresso é fiscalizar. Por isso, estamos identificando para onde estão indo (os recursos). Depois, queremos saber quem indicou e de que forma isso está sendo executado, porque a gente tem ainda muitos parlamentares, no Brasil, que se elegem somente em função disso. Eles concorrem com os adversários em condições muito mais favoráveis”, afirma Izalci.
O senador acrescenta que uma das prioridades da atual gestão da CMO é conferir transparência a todos os assuntos que digam respeito ao Orçamento. Segundo ele, uma das ideias é fazer que não só o relator esteja envolvido na destinação das verbas das emendas RP9, mas também a diretoria do colegiado.
“A gente está tentando desvendar esses mistérios todos para uma regra, pelo menos, com a participação da comissão, da mesa da comissão, da diretoria da comissão, para não ficar na mão de uma única pessoa. No caso do relator, ele acaba sendo um instrumento de poder da cúpula do Congresso”, salienta Izalci.
Vingança aliada
Entretanto, o controle do Centrão sobre a destinação de bilhões por meio de emendas tem incomodado até mesmo parlamentares do grupo político que apoia o governo Bolsonaro. A recente derrubada, na Câmara, da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que previa o aumento da influência do Congresso no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), contou com a ajuda de dezenas de deputados do baixo clero que se sentem preteridos na distribuição dos recursos por Arthur Lira.
Para o líder do PT na Câmara, deputado Bohn Gass (RS), as RP9 não passam de um toma lá dá cá promovido pelo Planalto para tentar estancar o crescimento da impopularidade do governo, conforme mostram as recentes pesquisas de opinião. “Emenda de relator não deveria existir, não é republicano, não é democrático”, observa.
O deputado considera que essa relação fisiológica tem levado o Parlamento a aprovar propostas que, para ele, prejudicam o conjunto da sociedade. “Votamos propostas de reforma previdenciária, trabalhista e, agora, tem a administrativa. Na verdade, (as reformas) tiram do Brasil as condições de ter uma estrutura pública a serviço do bem comum”, diz.
Falta total de transparência
» Ao contrário do que ocorre com as emendas individuais e de bancada, nas emendas do relator do Orçamento, as RP9, não há transparência sobre as indicações das verbas, e os acordos são firmados entre a cúpula do Congresso e o Executivo, privilegiando alguns poucos parlamentares. Dessa forma, fica mais difícil fiscalizar se o dinheiro está sendo bem aplicado ou se houve barganha em troca de apoio político, por exemplo.
» Outro diferencial das emendas do relator em relação às demais, é que elas não têm execução obrigatória. Mesmo assim, apesar do contexto de aperto fiscal, a liberação desses recursos pelo governo está a todo vapor. Até 13 de setembro, dos R$ 5,2 bilhões que foram empenhados (reservados para pagamento), R$ 2,7 bilhões já haviam sido pagos.
» Do total das verbas das emendas RP9, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tem o controle sobre a distribuição de R$ 11 bilhões entre os deputados aliados. Os R$ 5,8 bilhões restantes dessa modalidade de emenda, destinados ao Senado, são distribuídos pelo ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira — que é senador licenciado.
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