Uma tecnologia que até então estava disponível somente para grandes criadores de gado do país com alto poder aquisitivo já beneficia agricultores familiares do Sertão de Alagoas: é o uso de embriões para melhorar a genética e, com isso, obter vacas com maior capacidade para produção de leite.
O projeto teve início em 2014 e beneficiou, até agora, cerca de 667 pequenos criadores alagoanos. É o caso do agricultor José Hélio Soares Costa, da comunidade Capelinha, zona rural de Major Izidoro. Com os embriões que adquiriu junto ao programa estadual, ele obteve seis animais, que possuem características diferentes daqueles que ele já mantém na propriedade.
O Programa de Melhoramento Genético em Alagoas, também conhecido como Programa de Embriões, funciona da seguinte forma: os produtores, com a orientação e o apoio financeiro da Secretaria de Estado da Agricultura, Pecuária, Pesca e Aquicultura (Seagri) e do Sebrae/AL, investiram na aquisição dos embriões, que foram transferidos para vacas que eles já possuíam nas propriedades, ou seja, essas matrizes serviram apenas como “barrigas de aluguel”.
Os animais que nasceram, portanto, não carregam nenhuma característica genética das vacas desses agricultores. São bezerras e bezerros que apresentam diferenciais físicos e produtivos devido à sua origem, tendo em vista que vieram a partir do cruzamento, em laboratório, de material genético de touros de alto padrão e vacas com grande capacidade para produção de leite e com raças bem definidas.
Os embriões foram fornecidos pelas empresas In Vitro Brasil e Nordeste In Vitro, a partir da decisão do Estado em incentivar a biotecnologia da Fertilização In Vitro (FIV). Junto com a inseminação artificial e transferência de embriões, a FIV compõe as técnicas que intensificam o melhoramento genético na pecuária alagoana.
O objetivo do programa, segundo o superintende de Desenvolvimento Agropecuário da Seagri e idealizador da iniciativa, Hibernon Cavalcante, é permitir que o agricultor familiar, que tem na pecuária leiteira sua principal fonte de renda, amplie a produção de leite sem precisar aumentar o número de animais e, portanto, o custo para mantê-los.
Animais nascidos por meio da Fertiliação In Vitro, em Capelinha, zona rural de Major Izidoro, são esperança para criador (Foto: Cortesia para o Correio Notícia) |
Uso de embriões “economiza” 10 anos de cruzamentos naturais
Os embriões são das raças holandesa, gir leiteiro e girolando, que surgiram do cruzamento da raça gir, que é zebuína, com a holandesa, que é europeia. Do gir, os animais herdaram a rusticidade e a resistência ao calor. Da holandesa, veio a boa capacidade leiteira.
“Espera-se que, quando esses novos animais estiverem na idade produtiva, consigam produzir de 25 a 30 litros de leite, quantidade bem superior à produção atual, que é em torno de 15 litros de leite por cada vaca. Com isso, a renda desses pequenos agricultores vai aumentar”, explicou Hibernon Cavalcante.
Os agricultores participantes do programa confirmam que os animais oriundos desses embriões são distintos dos que eles já possuem nas propriedades. “Eles são diferentes em crescimento e no tamanho da carcaça”, avaliou o criador José Hélio, da comunidade Capelinha, em Major Izidoro.
Segundo ele, sem essa tecnologia, seriam necessários pelo menos 10 anos de cruzamentos entre as vacas e os touros da própria região para se chegar a animais com essas características e com esse potencial de produção de leite. “O custo foi bom e quero usar embriões em outras vacas”, ressaltou José Hélio. “O uso de embriões socializou a genética de ponta em Alagoas”, emendou o superintendente Hibernon Cavalcante.
Alagoas foi pioneiro no Nordeste em difundir a Fertilização In Vitro para pequenos criadores
Em 2014, quando o programa começou, nasceram 612 animais nas propriedades dos agricultores familiares alagoanos, por meio da tecnologia de Fertilização In Vitro (FIV). Para 2017, a previsão é de 2.206 nascimentos por meio desse procedimento.
Ainda conforme o superintendente da Seagri, Hibernon Cavalcante, no primeiro ano do programa, nasceram cerca de 15% machos e 85% fêmeas.
No mercado atual, o serviço de Fertilização In Vitro custa, em média, R$ 2 mil para os poucos produtores alagoanos que vêm adotando essa tecnologia de forma individual. Já no programa desenvolvido pela Seagri e pelo Sebrae/AL, o valor total ficou em R$ 1.113,00.
O custo para o agricultor familiar que aderiu ao programa foi de R$ 222,60 por cada embrião, o que equivale a 20% do valor total. Já os 80% restantes (R$ 890,40) foram custeados pelo próprio Sebrae/AL. Porém, o valor somente era pago pelo criador se a vaca realmente ficasse prenha, tendo em vista que o procedimento não garante 100% de sucesso.
Na comunidade Capelinha, em Major Izidoro, além de José Hélio, outros 13 agricultores participaram do programa e possuem em suas propriedades animais nascidos com o uso dessa tecnologia.
A Fertilização In Vitro a baixo custo também caiu no gosto de Marcelo Albuquerque, da zona rural de Craíbas, no Agreste de Alagoas, que foi um dos contemplados pela iniciativa. Ele já tem quatro animais que nasceram a partir dessa tecnologia, sendo três fêmeas e um macho.
“É um projeto muito bom, muito vantajoso pra o criador, e quero continuar participando”, alegou Marcelo, que ressaltou a linhagem dos animais, oriundos de matrizes conhecidas e totalmente mapeadas. “A gente tem todo o histórico desses embriões, sabe que a origem é de procedência. Se não fosse esse programa, a gente não tinha como ter um animal desse na propriedade, não”, concluiu o agricultor, que possui, ao todo, 30 “cabeças” de gado.
Animais nascidos a partir da Fertilização In Vitro também estão na propriedade do criador Marcelo Albuquerque, na zona rural de Craíbas (Foto: Cortesia para o Correio Notícia) |
“Alagoas foi o primeiro do Nordeste a difundir o uso de embriões para os agricultores familiares. Antes, essa tecnologia estava acessível apenas para os grandes fazendeiros, que podiam pagar por ela. Depois da nossa iniciativa, os estados da Bahia, Sergipe e Pernambuco fizeram o mesmo”, pontuou o superintendente da Seagri, Hibernon Cavalcante.
Projeto tem recursos garantidos, mas seca prejudica tecnologia
De acordo com Marcos Fontes, que é gerente adjunto da Unidade de Agronegócios do Sebrae Alagoas, a previsão é que sejam aportados, em 2017, mais de R$ 3 milhões para o Programa de Melhoramento Genético em Alagoas. Espera-se, com isso, atender a cerca de 200 produtores.
“Todavia, o desafio é muito grande porque a seca dos últimos anos tem dificultado bastante a produção de alimento para o gado. Sem alimentação adequada, o processo fica muito prejudicado e muitos produtores desistem de contratar a consultoria”, salientou o gerente adjunto.
Segundo estimativas de alguns órgãos ambientais que fazem o monitoramento climático, o Nordeste vem enfrentando, desde 2012, uma das maiores secas dos últimos 100 anos. Como efeito disso, as pastagens para o gado estão escassas, o preço da palma forrageira – um dos principais alimentos servidos ao gado – disparou, os animais de muitos produtores ficaram magros, reduziram a produção de leite e, dessa forma, a renda do criador também caiu.
Alguns deles, portanto, não têm como oferecer a contrapartida de 20% para a participação no programa. Outros estão se desfazendo dos animais que já possuem para conseguir comprar alimento para os demais.
Um dos criadores que participam do programa e que viram o novo rebanho ser afetado pela seca foi Marcelo Albuquerque, da zona rural de Craíbas. Segundo ele, uma das fêmeas que nasceram por meio da Fertilização In Vitro poderia já estar em idade reprodutiva, caso a seca não tivesse atrapalhado a produção de alimento.
“Em 2015 eu ainda consegui fazer uma silagem, mas na verdade não tinha grão, foi só uma ‘palhada’, ou seja, uma silagem só com palha de milho, o que já diminuiu a qualidade. Em 2016 e agora em 2017, tô dando aos animais bagaço de cana e palma”, relatou o agricultor.
Para ele, caso a seca não tivesse comprometido a produção de alimento, tanto os animais gerados a partir da transferência de embriões quanto os demais poderiam estar melhor desenvolvidos.
Inseminação artificial começou há quase 50 anos em Alagoas
Diferentemente do uso de embriões nas propriedades dos pequenos criadores, que tem apenas 3 anos, a inseminação artificial em bovinos foi estimulada em Alagoas em 1969, quando o governo criou a Central de Inseminação Artificial, que ficava em Batalha, município considerado a “capital da Bacia Leiteira”.
A partir daquela época, o Estado passou a incentivar o uso de sêmen de touros de alto padrão genético – inclusive de outras regiões do país – para fecundar as vacas dos criadores alagoanos. Com isso, os animais que nasciam carregavam a carga genética da vaca que os gerou, mesmo assim, a iniciativa já foi considerado um avanço.
“Foi devido a essas inseminações, realizadas principalmente na década de 1970, que Alagoas desenvolveu animais com grande produtividade de leite. É por isso que hoje em dia ainda ocupamos a quarta colocação do Nordeste em produtividade de leite por animal”, explicou o superintendente da Seagri, Hibernon Cavalcante. Anos depois, o programa de incentivo à inseminação artificial foi “abandonado”, sendo retomado somente em 2010.
A partir de 2010, o governo retomou cursos de inseminação artificial realizados em Batalha; entre os capacitados, estão agricultores familiares (Foto: Diego Barros) |
Em 2016, por intermédio da secretaria, foram distribuídas mais de quatro mil doses de sêmen para os produtores cadastrados pelos técnicos e que fazem parte de associações e cooperativas. Nesse caso, a distribuição é gratuita, ou seja, não há contrapartida do criador para pagar pelo material.
Além disso, a Seagri também capacitou dezenas de criadores para que eles próprios façam a inseminação artificial nas vacas a partir do sêmen distribuído para suas entidades.
Ao contrário da transferência de embriões, por meio da qual a vaca é apenas “barriga de aluguel”, com a inseminação artificial ela recebe o sêmen de touros de alto padrão e também repassa às crias suas características genéticas.
Tecnologia promete “nova revolução” no campo
Desde 2014, conforme os gestores da Seagri, a pecuária alagoana vive um novo momento, a partir da difusão da tecnologia de transferência de embriões ou Fertilização In Vitro (FIV). É o que se chama de “nova revolução” na pecuária alagoana. A primeira delas foi a inseminação artificial nos anos 1970.
O procedimento de FIV não é novo, tendo em vista já ser usado em mamíferos desde a década de 1950. Anos mais tarde, em 1981, nasceu o primeiro bezerro oriundo dessa tecnologia.
Porém, o acesso subsidiado dos pequenos criadores de gado leiteiro promete fazer a segunda revolução no setor. Para o presidente da Associação dos Criadores de Alagoas (ACA), Domício Arruda, a partir sucesso verificado até agora, o Programa de Melhoramento Genético em Alagoas pode ser considerado referência nacional.
“Esse é um programa que nasceu aqui e hoje é usado como modelo em diversos estados brasileiros. Ele possibilita um ganho rápido para o produtor tanto em termos de produtividade, com uma quantidade maior de leite por animal, quanto no número de fêmeas nascidas a partir dessas fertilizações, que chega a 85%”, explicou.
Objetivo do programa é gerar animais com maior capacidade para produção de leite, o que vai aumentar a renda dos criadores (Foto: Cortesia para o Correio Notícia) |
De acordo com o presidente da Cooperativa de Produção Leiteira de Alagoas (CPLA), Aldemar Monteiro, o programa é uma “oportunidade ímpar para o pequeno criador”. “Essa tecnologia, juntamente com a gestão adequada da fazenda, pode acelerar muito a genética no nosso Estado, o que só trará benefícios para os agricultores familiares”, defendeu Aldemar Monteiro.
É essa “nova revolução” trazida pelo Programa de Melhoramento Genético que realmente esperam milhares de famílias que ainda vivem no campo em Alagoas e que têm na pecuária leiteira a principal atividade geradora de renda.
Segundo o IBGE, a produção de leite chegou a mais de 352 milhões de litros em Alagoas, em 2015. No inverno, cerca de 80% dessa produção são oriundos das famílias de agricultores.
Muitas vezes, elas enfrentam as intempéries climáticas, o assédio de atravessadores em busca do produto, o preço algumas vezes desleal e injusto oferecido pelas indústrias, a concentração latifundiária e as limitações para se produzir em áreas pequenas e já degradadas, além da falta de assistência técnica pública e de qualidade.
Para esses pequenos criadores e suas famílias, o leite é mais do que alimento, o leite significa qualidade de vida, saúde, educação e dignidade.
Utilize o formulário abaixo para comentar.