Uma mudança no sistema do Ministério da Saúde feita há três semanas ainda causa problemas no registro de casos de Covid-19 de pelo menos 10 estados do país. É o que mostra um levantamento feito pelo consórcio de veículos de imprensa, formado por g1, O Globo, Extra, Folha, Estadão e UOL, com base nas informações das secretarias estaduais de Saúde.
Balanços divulgados pelo consórcio têm sofrido várias distorções nas últimas semanas, como o represamento de casos e correções de dados já publicados. A alteração no sistema que centraliza os dados de casos de Covid-19, o e-SUS Notifica, foi feita no dia 8 de setembro.
Antes da mudança, a média móvel de casos vinha com tendência de queda, permanecendo assim por vários dias. Quando os estados começaram a corrigir as falhas de registro, a média de casos voltou a subir.
Houve alta de casos em 9 dos últimos 12 dias. E estabilidade nos outros.
Em nota, o Ministério da Saúde informou que "o sistema e-SUS está estável e não há relatos de novas ocorrências".
Segundo especialistas, os problemas de registro prejudicam o acompanhamento dos números da doença no Brasil.
Com a atualização, o Ministério da Saúde passou a exigir mais informações que alteraram a maneira de preencher os dados e nem todos os estados conseguiram se adaptar rapidamente.
Os estados que dizem que ainda não conseguiram normalizar a situação são: Acre, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Piauí, Paraná e São Paulo.
Já Amazonas, Rio de Janeiro, Rondônia, Roraima, Rio Grande do Sul e Santa Catarina afirmam que a situação já foi restabelecida.
Alagoas, Amapá, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte e Sergipe não responderam aos questionamentos.
Os únicos estados que dizem não terem sido afetados pela mudança no sistema do ministério são: Goiás, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Pernambuco e Tocantins.
Os veículos do consórcio aplicaram o seguinte questionário aos 26 estados e ao DF:
O estado sofreu impacto com a mudança na API do Ministério da Saúde?
Se sim, qual foi o impacto?
Já foi normalizado?
- Se sim, quando?
- Se não, qual o problema ainda corrente?
Os estados relatam um acúmulo de notificações, demora do ministério para dar suporte e instabilidades diárias (veja mais abaixo o que diz cada um).
Especialistas avaliam mudança
Segundo o médico sanitarista e ex-diretor do DataSUS Giliate Coelho, pode ter faltado tempo e treinamento para o uso da nova plataforma.
"O Ministério passou a exigir, por exemplo, o lote, o número de lote de alguns tipos de exame que são realizados. Então, antigamente ele só pedia o dado se o exame foi realizado ou não e a data da realização. Aí ele passou a pedir o número do lote. Esse é um dado diríamos assim burocrático", explica.
A mudança exigiu a revisão geral dos dados desde o início da pandemia. Em São Paulo, isso significa olhar para mais de 20 milhões de registros.
As inconsistências que começaram a aparecer entre casos confirmados e suspeitos passaram a ser analisadas por um grupo de técnicos da Secretaria Estadual da Saúde, explica Olívia Ferreira de Paula, assessora do centro de vigilância epidemiológica. Nesta semana, eles descobriram que parte das informações não estão entrando ou não estão sendo lidas pelo novo sistema.
"Essa alteração não aconteceu de forma integral e completa no banco porque isso leva tempo", afirma Olívia.
"Assim como o estado de São Paulo leva um tempo para processar os 20 milhões, os mais de 20 milhões de notificações de casos de covid no estado, entre casos confirmados, suspeitos e descartados. É essa volumetria, esse banco de dados, que a gente tem que reprocessar todas as vezes."
Segundo ela, não houve tempo hábil para se adaptar à mudança.
Na quinta-feira, a Fiocruz divulgou que o Brasil registra o menor patamar de casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) desde o início da pandemia. Um número que pode refletir um quadro diferente do apresentado pelos dados das secretarias.
A professora Márcia Castro, da Escola de Saúde Pública de Harvard, diz que é grave ficar sem dados seguros. Segundo ela, as atualizações nos bancos de dados são necessárias, mas não deveriam atrapalhar o acompanhamento da evolução da pandemia.
"A gente tem que se lembrar que o Brasil é muito grande, são 5.570 municípios, e a capacidade de alguns municípios em se adaptar a essa mudança, que muda toda a rotina da coleta da entrada de dados, vai criar esse gargalo", explica Márcia.
"Então talvez a pergunta mais importante é por que houve essa mudança, como que essa mudança vai levar a uma melhor resposta por parte do governo e se portanto isso justifica o custo que a gente está vendo agora."
RJ, SP e CE estão entre os mais afetados
O estado do RJ foi um dos mais afetados pela mudança. Os dados ficaram ocultos depois da alteração e, dez dias depois, apareceram 92 mil novos registros em apenas dois dias. Segundo a secretaria estadual de saúde, os casos tinham ocorrido no início da pandemia.
Em São Paulo também houve problemas. Houve uma queda brusca nos números depois da atualização do sistema do SUS. Dias depois, foi feita uma correção e surgiram 45 mil novos casos em dois dias (16 e 17),
Já no Ceará, foram retirados 12 mil casos do total no dia 20.
Nos estados mais populosos, a extração é feita somente via API, uma tecnologia que permite a comunicação entre sistemas de forma mais fácil, principalmente em casos de grandes volumes de dados. Por isso, nem todas as secretarias foram impactadas da mesma forma com as mudanças no sistema.
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