Em pronunciamento feito nesta sexta-feira (24) para falar sobre a saída do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) caiu em contradição. Ao negar que tenha interferido na Polícia Federal, citou pelo menos três situações em que agiu junto à instituição. Bolsonaro disse que obteve informação privilegiada sobre investigações do caso Marielle Franco e também que direcionou o trabalho de policiais em casos específicos. Veja a checagem:
“Cobrei, não interferi [na Polícia Federal]”
Jair Bolsonaro, presidente da República, em pronunciamento feito no dia 24 de abril de 2020
CONTRADITÓRIO
Ao negar interferência na Polícia Federal, razão alegada pelo ex-ministro Sergio Moro para deixar o Ministério da Justiça na manhã desta sexta-feira, Bolsonaro se contradisse. No discurso feito a partir das 17h, o presidente afirmou que teve acesso a informações sigilosas sobre o caso Marielle Franco e que exigiu investigações sobre o atentado que sofreu em setembro de 2018. Além disso, relatou com detalhes como orientou a atuação de policiais federais ao menos uma vez – em um depoimento dado em Mossoró (RN).
Caso Ronnie Lessa
“Fiz um pedido para a PF, quase como um ‘por favor’. Chegue em Mossoró [onde o policial militar reformado Ronnie Lessa, suspeito de ter assassinado a vereadora Marielle Franco está preso] e interrogue o sargento. A PF foi lá, interrogou e está comigo a cópia do interrogatório onde ele diz: ‘minha filha nunca namorou filho do Bolsonaro, ela sempre morou nos Estados Unidos’”
Nesse momento de seu discurso, Bolsonaro reconheceu que não só determinou ações da Polícia Federal no caso Marielle Franco como também obteve documentos sigilosos sobre o interrogatório feito com o suspeito preso.
Em março de 2019, ao ser questionado por um repórter, o então delegado responsável pela investigação da morte da vereadora, Giniton Lages, confirmou que o filho mais novo do presidente, Jair Renan, teria namorado a filha do PM Ronnie Lessa, vizinho de Bolsonaro no condomínio Vivendas da Barra, na Zona Oeste do Rio de Janeiro.
Na fala de hoje, o presidente deixou claro que, diante dessa notícia, questionou o filho sobre o assunto e que, depois de ouvir sua negativa sobre o envolvimento amoroso, pediu à Polícia Federal que interrogasse Lessa em Mossoró (RN).
O porteiro da Barra
“Será que é interferir na Polícia Federal pedir, quase implorar, via ministro, para que fosse apurado o caso Marielle, no caso porteiro da minha casa?”
No mesmo discurso, Bolsonaro disse que “implorou” para que Moro determinasse que a PF investigasse a fundo o porteiro do condomínio Vivendas da Barra. Bolsonaro sugeriu que o funcionário teria sido subornado para falar sobre um episódio antigo envolvendo sua família.
Em novembro do ano passado, reportagem do Jornal Nacional revelou que um porteiro do condomínio Vivendas da Barra teria dito, em depoimento à Polícia Civil, que outro suspeito do caso Marielle – o ex-policial militar Elcio Queiroz – teria sido autorizado a entrar no condomínio de Bolsonaro, horas antes do assassinato, por alguém que estava na casa do presidente. Uma investigação do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) contradisse essa versão do caso. Dias depois, em depoimento à PF, o porteiro mudou a versão. Disse que havia errado ao dizer, em depoimento à polícia, que Elcio tinha se comunicado com a casa de Bolsonaro no dia do crime.
Adélio Bispo e a facada
“Será que é interferir na Polícia Federal quase exigir, implorar para Sergio Moro investigar quem mandou matar Jair Bolsonaro?”
Ainda nesta sexta-feira, o presidente reconheceu ter pedido à PF que se aprofundasse na investigação do atentado que sofreu durante a campanha eleitoral de 2018. O presidente sugeriu que essa investigação seria mais fácil do que a do caso Marielle – pois o homem que o esfaqueou está preso. No entanto, mesmo assim, o caso não teria avançado, consistindo no que o presidente considerou uma afronta ao “chefe supremo” do país.
Em setembro do ano passado a PF concluiu que Adélio Bispo de Oliveira, o autor da facada contra Bolsonaro em Juiz de Fora (MG), agiu sozinho. Um processo foi aberto na 3ª Vara Federal de Juiz de Fora. Na sentença, publicada em 27 de maio do ano passado, o juiz Bruno Savino afirmou que Adélio tem Transtorno Delirante Persiste e, por isso, é inimputável. Bolsonaro e o Ministério Público Federal não recorreram da decisão, e o caso foi encerrado.
Mensagens de WhatsApp
Na noite desta sexta-feira, para provar as tentativas de interferência de Bolsonaro na Polícia Federal, Moro encaminhou ao Jornal Nacional uma troca de mensagens entre ele e o presidente. Segundo texto exibido pelo programa, Bolsonaro questionou o ex-ministro sobre investigação aberta contra “10 ou 12 deputados bolsonaristas”, ao lhe encaminhar uma reportagem do site O Antagonista.
“Mais um motivo para a troca [do diretor geral da PF]”, escreveu Bolsonaro.
Na imagem exibida pelo JN, Moro aparece respondendo que a investigação não parte da Polícia Federal – que correr a cargo do ministro do STF Alexandre de Moraes.
O JN não ouviu o presidente sobre essa troca de mensagens.
O que diz Bolsonaro?
Para o presidente Jair Bolsonaro nenhum dos casos listados acima consiste em exemplos de “interferência na Polícia Federal”. Em seu discurso, por diversas vezes, o presidente fez a pergunta retórica – “Isso é interferência?” – em tom de discordância.
Bolsonaro também citou, em várias ocasiões, a lei que lhe garante o direito de nomear o diretor da Polícia Federal. Destacou que a legislação estabelece que é função do presidente escolher quem ocupará este cargo e que, portanto, isso não poderia ser sinal de uma interferência sua na instituição.
“Falava-se em interferência minha na PF. Se eu posso trocar o ministro porque não posso, de acordo com a lei, trocar o diretor da PF? Não tenho que pedir autorização para ninguém”, perguntou Bolsonaro, mais uma vez, retoricamente.
Na tarde desta sexta-feira, o procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu que o Supremo Tribunal Federal investigue as denúncias feitas por Sergio Moro contra o presidente. O ex-ministro deverá apresentar provas das condutas que denunciou.
“A dimensão dos episódios narrados revela a declaração de Ministro de Estado de atos que revelariam a prática de ilícitos, imputando a sua prática ao Presidente da República, o que, de outra sorte, poderia caracterizar igualmente o crime de denunciação caluniosa”, diz o documento.
O Palácio do Planalto foi procurado para comentar esta checagem, mas não se pronunciou até a publicação.
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