As vacinas da CoronaVac, do Instituto Butantan, e da Pfizer, que sofreram resistência do governo Jair Bolsonaro para serem compradas, segundo aponta a CPI da Covid, respondem hoje por 50,2% das doses aplicadas no Brasil. Neste sábado (17), o início da vacinação no país completa seis meses. Até sexta-feira (16), 15,73% da população foi totalmente imunizada (tomou duas doses ou a dose única).
Depoimentos e documentos colhidos pela comissão mostram que, ao mesmo tempo em que o Ministério da Saúde colocava obstáculos para a aquisição desses dois imunizantes, a pasta participava, em paralelo, de negociações com suspeitas de irregularidades e até pedido de propina.
Sem que nenhuma dose tivesse sido entregue, o contrato com a Covaxin, assinado em tempo mais curto que as demais, acabou suspenso diante dos indícios de fraude.
A vacina da AstraZeneca, responsável por mais 46,6% das doses aplicadas, também foi impactada por ações do governo. Embora o contrato tenha sido fechado no ano passado, a avaliação da CPI é que a postura hostil de Bolsonaro em relação à China resultou em atraso no envio por aquele país dos insumos necessários para a produção das vacinas pela Fiocruz.
O imunizante da Janssen, que responde pelos 3,3% restantes de doses aplicadas no país, é o único que não está na mira da comissão até o momento.
CoronaVac
A vacina da CoronaVac, desenvolvida pelo Instituto Butantan em parceria com um laboratório chinês, foi uma das que tiveram a compra dificultada pelo governo Bolsonaro. Em diversas ocasiões, o presidente, que mantinha postura crítica à China, disse que não iria comprar vacina daquele país e questionou a eficácia do imunizante.
Como pano de fundo, havia ainda um componente político: a disputa dele com o governo paulista, a quem o Instituto Butantan é ligado. João Doria, governador de São Paulo, pode ser seu eventual adversário nas eleições presidenciais de 2021.
Em julho de 2020, o Butantan fez uma primeira oferta, que previa 60 milhões de doses para serem entregues ainda em 2020 e mais 100 milhões em 2021, mas ficou sem resposta.
No dia 20 de outubro, o Ministério da Saúde chegou a anunciar a compra de 46 milhões de doses, mas, no dia seguinte, Bolsonaro mandou cancelar a aquisição. As negociações foram, então, interrompidas, segundo contou à CPI Dimas Covas, diretor do Butantan, embora o ex-ministro Eduardo Pazuello negue que isso tenha acontecido.
O contrato foi assinado só três meses depois, em janeiro de 2021. No mês seguinte, o Ministério da Saúde fechou um outro contrato para a compra de 54 milhões de doses adicionais.
Houve ainda outra polêmica envolvendo a negociação da CoronaVac. Nesta sexta-feira (16), veio à tona um vídeo de março que mostra Pazuello reunido com representantes de uma empresa que intermediava a venda de doses da CoronaVac por US$ 28, quase o triplo do que foi pago ao Butantan: US$ 10 por dose. Em nota, o Ministério da Saúde disse que a atual gestão não tem conhecimento de memorando de entendimentos para aquisição de doses do imunizante.
Pfizer
As ofertas da farmacêutica Pfizer, que chegavam a 70 milhões de doses, com possibilidade de entrega de 1,5 milhão ainda em 2020, ficaram meses sem resposta.
A primeira oferta foi em 15 de agosto de 2020. O laboratório cobrou um posicionamento diversas vezes do governo Bolsonaro. Em novembro, o então secretário de Comunicação Fabio Wajngarten tomou conhecimento de uma carta enviada pela Pfizer em setembro que estava sem resposta havia dois meses, segundo contou à CPI.
Pazuello justificou a demora para assinar o contrato alegando que havia cláusulas abusivas e que as tratativas só puderam avançar após uma mudança na legislação acerca da isenção de responsabilidade em caso de efeitos colaterais. Esse argumento é contestado pelo comando da CPI.
Foram mais de sete meses entre a primeira oferta e a assinatura do contrato, que aconteceu em março de 2021, em meio à pressão pela vacinação.
AstraZeneca
No caso da AstraZeneca, desenvolvida em parceria com a Universidade de Oxford, o governo assinou uma parceria para a produção do imunizante pela Fiocruz. No entanto, segundo a CPI, atritos do governo brasileiro com a China causaram atraso no recebimento de insumos usados na fabricação.
A comissão também investiga uma negociação paralela com o Ministério da Saúde em que teria havido um pedido de propina pelo então diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Dias.
No encontro, realizado em um restaurante de Brasília, segundo o policial militar Luiz Dominghetti, que se apresenta também como vendedor de vacinas, Dias teria pedido propina de US$ 1 por dose de vacina para o ministério assinar contrato com a empresa. Dias nega.
Representante da Davati no Brasil, Cristiano Carvalho disse à CPI que não se falou em propina, mas em "comissionamento" e citou disputa de grupos dentro do ministério.
A AstraZeneca afirma não ter qualquer intermediário no Brasil. Todos os convênios são realizados diretamente via Fiocruz e governo federal.
Covax Facility
O Brasil optou pela cota mínima de doses no consórcio internacional Covax Facility, formado por mais de 150 países e liderado pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Segundo documentos enviados pelo Itamaraty à CPI da Covid, o governo optou em agosto de 2020 por doses que seriam suficientes para imunizar 20% da população. No entanto, em setembro, reduziu para 10%. O Covax permitia a compra pelos países de vacinas para até 50% de suas populações.
A lei que autorizou o Executivo federal a aderir ao consórcio Covax Facility só foi sancionada em 2 de março deste ano. Por meio do consórcio, o Brasil já recebeu doses tanto da Pfizer quanto da AstraZeneca.
Janssen
O governo assinou ainda contrato com a Janssen, vacina fabricada pela Johnson & Johnson. Foram adquiridas 38 milhões de doses. ao lado da CoronaVac, Pfizer e AstraZeneca, é uma das que estão sendo aplicadas no Brasil. A CPI da Covid não apontou problemas na negociação.
Covaxin
Um dos principais alvos de investigação na CPI, a assinatura do contrato com a Covaxin, desenvolvida pelo laboratório indiano Bharat Biotech, foi mais rápida em comparação a outras vacinas. A negociação era intermediada por uma empresa chamada Precisa Medicamentos. No entanto, diante das suspeitas de irregularidades, o contrato acabou suspenso.
À CPI, o servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda relatou à comissão ter sofrido pressão para aprovar a importação e ter contado a Bolsonaro sobre irregularidades, como o pedido de pagamento antecipado, algo que não estava previsto no contrato.
Segundo o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), irmão do servidor, o presidente, ao ouvir a denúncia de irregularidade, teria citado o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR). O Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou a abertura de inquérito para analisar se Bolsonaro prevaricou por supostamente não ter mandado investigar as suspeitas.
Enquanto o governo resistia a fechar contratos com laboratórios como a Pfizer, em novembro a Covaxin teve a sua primeira reunião com o Ministério da Saúde. Em janeiro, Bolsonaro enviou uma carta ao primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, falando do interesse em comprar a Covaxin. Foi o único imunizante de que se tem notícia que o presidente interveio pessoalmente.
No mês seguinte, no dia 22 de fevereiro, o governo empenhou R$ 1,6 bilhão para a aquisição de 20 milhões de doses da Covaxin, ou seja, já reservou a verba para pagar o contrato, que foi assinado três dias depois. No mês seguinte, pediu à Precisa mais 50 milhões de doses. Dias depois, ainda em março, o governo solicita à Precisa e à Bharat Biotech a antecipação do máximo possível de doses.
O encontro de Bolsonaro com os irmãos Miranda ocorreu dias depois. A Anvisa rejeitou pedido de certificação de boas práticas e só viria a autorizar a importação excepcional de uma quantidade limitada de doses em junho.
CanSino
A CanSino é outra vacina cuja negociação é considerada polêmica. Foi assinada uma intenção de compra pelo governo federal prevendo US$ 17 por dose da vacina Convidecia, desenvolvida pelo laboratório chinês CanSino. O valor está bem acima do pago por outras vacinas pelo governo.
O negócio foi intermediado pela empresa Belcher Farmacêutica, que é investigada e, segundo reportagem publicada pela “Folha de S.Paulo”, teria ligação com o deputado Ricardo Barros. O negócio acabou não avançando.
Sputnik
No dia 12 de março de 2021, o Ministério da Saúde assinou contrato para compra de 10 milhões de doses da Sputnik V, desenvolvida pelo instituto russo Gamaleya. O anúncio do ministério logo após governadores e prefeitos também anunciarem seus próprios acordos para fornecimento de doses.
As doses contratadas pelo governo federal serão importadas pelo laboratório União Química, parceiro do Fundo Russo de Investimento Direto, que representa o imunizante. No entanto, ainda falta a autorização da Anvisa para uso emergencial, e nenhuma dose foi entregue ao Brasil.
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