Localizado na cidade de Delmiro Gouveia, Sertão de Alagoas, o Cine Pedra, segundo cinema de rua mais antigo do Brasil, foi fundado pelo industrial Delmiro Augusto da Cruz Gouveia em 1915. Na época, a cidade que hoje lhe homenageia com seu nome era apenas uma vila, a Vila Operária da Fábrica da Pedra, indústria têxtil que o cereanse, de Ipu, também instalou na localidade juntamente com a primeira Usina Hidrelétrica do Nordeste, a Angiquinho, que gerava energia para toda a comunidade.
Com um projetor mudo trazido da Europa, o Cine Pedra garantia gratuitamente aos operários da fábrica e aos demais moradores da região entretenimento todos os domingos à noite, dia de folga da maioria. Eram exibidos filmes clássicos, escolhidos pelos secretários da Fábrica. Um fato curioso é que crianças somente podiam entrar no cinema se tivessem um bom desempenho na escola durante a semana.
Delmiro Augusto foi assassinado em 1917, mas seus sócios e herdeiros mantiveram o funcionamento de todo o empreendimento até 1926, quando o venderam para o grupo empresarial pernambucano Irmãos Menezes e Companhia, que também manteve funcionando a Fábrica da Pedra, a Usina Angiquinho e o Cine Pedra.
O novo grupo acionista modificou o funcionamento do Cine Pedra, passando a exibir filmes durante a semana e a cobrar pela entrada do público. E fez investimento, importando dos Estados Unidos em 1937 um projetor do cinema falado, que atraiu grande público para a sala escura do cinema.
Tudo ia bem, até que em 1950 surgiu um concorrente, o Cine Real, fundado pelos moradores José Maria e Maximiliano Martins Cavalcante. Situados a cerca de 500 metros um do outro, os dois cinemas foram concorrentes durante décadas, inclusive chegavam a exibir o mesmo filme no mesmo dia, com o objetivo de disputarem o público. O embate durou 20 anos, terminando com o fechamento do Cine Pedra em 1970.
Apesar do desinteresse do público, o Cine Real continuou em funcionamento. E, para chamar a atenção, chegou a realizar sessões com filmes pornográficos. Além disso, naquela época, as salas dos referidos cines já não eram exclusivas para exibição de filmes, pois semanalmente havia também nos locais shows com artistas nacionais e da região, inclusive apresentação de calouros e teatro, que atraíam e entretinham os moradores da localidade.
O servidor público Tadeu Mafra lembra que na época tinha 12 anos de idade e morava vizinho ao Cine Pedra, condição que lhe permitia a façanha de assistir por cima do muro de casa às atrações. “Lembro-me que já subi no muro para ver os shows dos cantores Waldick Soriano e Teixeirinha, que faziam sucesso em todo o Brasil”, relembrou o delmirense, que é muito conhecido como Tadeuzinho e lamenta o fechamento dos dois cinemas da cidade.
Em 1982 o Cine Pedra reabriu, voltando a concorrer com o Cine Real, que, um ano depois, acabou fechando. Dessa vez, foi o Cine Pedra quem permaneceu em funcionamento, concorrendo com a popularização da televisão e do videocassete, que permitia às pessoas assistirem filmes em casa. Foram 11 anos de persistência, até que, em 1993, o cinema fechou outra vez.
Nesse período, após o suicídio de um dos Irmãos Menezes, todo o empreendimento fundado por Delmiro Augusto da Cruz Gouveia já tinha sido vendido duas vezes. Primeiro para o Grupo Cataguases Leopoldina, em 1986, e depois, em 1992, para o Grupo Carlos Lyra, que mantém o controle acionário do empreendimento até hoje, embora estejam em funcionamento apenas as rádios Delmiro AM e FM, construídas no mesmo prédio do Cine Pedra, em 1988.
O prédio onde funcionou o Cine Real, localizado na Avenida Presidente Castelo Branco, centro da cidade, está em ruínas. Ele ainda pertenceria à família de seus fundadores e não há nenhum projeto de revitalização.
Prédio onde funcionou o Cine Real está abandonado (foto: Blog Amigos de Delmiro Gouveia) |
A popularização da televisão e o surgimento do videocassete entre as décadas de 70 e 80 tiraram do cinema a prioridade que tinha no entretenimento, ocasionando o fechamento de várias salas cinematográficas no Brasil e no restante do mundo. Essa é uma avaliação do radialista Maurício Sandes, atual coordenador do Cine Pedra, situado na Praça Manoel Monteiro, centro da cidade de Delmiro Gouveia.
O radialista, que é um grande entusiasta do cinema, em 2013 liderou um projeto que resultou na reabertura do Cine Pedra, que estava sem funcionar desde 1993. “Como não tínhamos mais os equipamentos antigos, com ajuda da Fundação Delmiro Gouveia, conseguimos junto ao Ministério da Cultura dois projetores de última geração, depois pintamos a sala e colocamos assentos para voltar a receber o público”, relatou.
De acordo com Maurício Sandes, era realizada uma sessão todos os sábados, às 20h, e a entrada era gratuita para todos. “Os filmes exibidos eram escolhidos pelo próprio público. Publicávamos nas redes sociais duas opções, um lançamento e um clássico, e o que recebesse mais curtidas era exibido”, afirmou.
Maurício Sandes e outros entusiastas lutam para manter cultura cinematográfica viva (Foto: Divulgação/Rede social) |
O projeto de manter o Cine Pedra funcionando gratuitamente não avançou por mais de 3 anos e ele voltou a fechar. “Estamos parados por falta de incentivo. Procurei a Prefeitura, mas, diante dessa crise, me pediram para dar um tempo. Só que já se passaram meses e por isso vamos recorrer ao apoio da iniciativa privada. A ideia é vender para comerciantes um pacote publicitário que será exibido antes das sessões”, finalizou Maurício Sandes.
Atualmente a sala onde funcionou por décadas o Cine Pedra é utilizada como auditório das rádios Delmiro AM e FM.
A estudante Eloisa Silva, 18, diz que faz falta um cinema funcionando na cidade de Delmiro Gouveia. “Nossa cidade é bastante popular e muito frequentada, principalmente nos finais de semana, com isso, o cinema seria uma nova opção de entretenimento, atraindo não somente o público jovem, mas toda a família”, explicou.
O radialista Pauleandro Silva, 22, reclamou que para ir ao cinema precisou se deslocar de Delmiro Gouveia até a cidade de Arapiraca, um percurso de 165 quilômetros. “Seria muito bom ter um cinema em Delmiro para poder levar a namorada, a família, para assistir a um bom filme e comer uma pipoquinha”, disse.
Sala centenária do Cine Pedra, revitalizada para reabertura em 2013 (foto: Blog Amigos de Delmiro Gouveia) |
A Secretaria de Estado da Cultura de Alagoas (Secult) informou, por meio de sua Assessoria de Comunicação (Ascom), que está ciente da história do Cine Pedra e que reconhece a relevância dele para a região, mas que, até o momento, não houve solicitação de apoio ou qualquer demanda relacionada a ele.
Sobre a manutenção das instalações onde funcionaram os cines Pedra e Real, a Ascom da Secult esclareceu que possui o setor Pró-Memória, que fiscaliza e acompanha a situação dos prédios tombados pelo Estado, no entanto, ressalta que os equipamentos não são tombados.
Por outro lado, conforme a assessoria, o Estado investiu mais de R$ 1,5 milhão em editais para o fomento da produção audiovisual e realização do circuito cinema de Penedo, resgatando o festival e colocando Alagoas na rota nacional do cinema.
Ainda de acordo com a Secult, houve a reativação do Núcleo de Produção Digital, instalado no Museu da Imagem e do Som de Alagoas e aquisição de equipamentos de última geração, em parceria com a Agência Nacional de Cinema (Ancine), oferecendo uma estrutura de captação e edição de imagem e som para os produtores audiovisuais.
Apesar disso, a Secult não tem informações sobre quantos cinemas estão em atividade, foram abertos ou deixaram de funcionar em Alagoas, ou seja, não existe, por parte da Secretaria, uma catalogação dos cinemas no estado.
Para resolver essa situação, em parceria com a Fundação Universitária de Desenvolvimento de Extensão e Pesquisa (Fundepes) e Universidade Federal de Alagoas (Ufal), a secretaria está realizado um mapeamento cultural em todo o estado, com a finalidade de obter dados sobre todos os segmentos culturais. Com isso, ao final deste levantamento, será possível identificar e catalogar todos os cinemas alagoanos.
Sem funcionar, sala do Cine Pedra é utilizada como auditório (foto: Blog Amigos de Delmiro Gouveia) |
O diretor de Cultura de Delmiro Gouveia, Giuliano Ribeiro, explicou para a reportagem que o município encontra dificuldades financeiras para ajudar ao Cine Pedra, mas que, por outro lado, em parceria com o Departamento de Juventude, o Departamento de Cultura tem promovido o projeto Cine Itinerante, por meio do qual são exibidos filmes educativos para moradores de distritos e povoados do município.
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