Os resultados das 8 eleições presidenciais de 1989 para cá mostram que a ideia de uma 3ª via tem muito de wishful thinking –quando se confunde desejo com probabilidade real– e quase nada de conexão com a realidade do país. Nunca houve uma 3ª via para valer no Brasil, no sentido do que alguns partidos buscam hoje, com um candidato de centro e fora da polarização esquerda-direita.
Comp os resultados de todas essas eleições desde 1989 com dados do TSE e da página Políticos do Brasil. O resultado desse levantamento mostra um histórico desfavorável para que se tenha um 3º candidato competitivo representando forças do chamado centro político. A experiência recente indica ser improvável que surja um nome viável para tirar as vagas de Lula ou de Bolsonaro do 2º turno.
A eleição de 1989 foi a única com um 3º candidato competitivo desde a redemocratização. Mas aquele foi um pleito solteiro, só para presidente. Situação diferente da atual, quando candidatos a presidente, deputado federal, deputado estadual, senador e governador fazem campanha ao mesmo tempo e são votados no mesmo dia.
Em 1989, que teve a 1ª eleição direta para presidente depois da ditadura militar (1964-1985), houve uma clara polarização entre centro-direita, representada por Fernando Collor (PRN, à época) e esquerda, dividida em Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Leonel Brizola (PDT). A 3ª via daquela disputa teria sido o tucano Mario Covas (1930-2001), mas ele fracassou e ficou mais atrás, em 4º lugar, sem nunca ter tido chances reais de vencer.
Brizola ficou em 3º, e fora do 2º turno, mas apenas 0,7 ponto percentual atrás de Lula. Seria incorreto dizer que o pedetista era a 3ª via em 1989. Brizola e Lula disputavam a mesma faixa do eleitorado de esquerda, que ficou dividido.
Não deixa de ser notável, entretanto, que a eleição de 1989 tenha sido a única das 8 disputas diretas pós-ditadura em que a diferença entre o 2º e o 3º candidatos ficou abaixo de 5 pontos percentuais.
Na eleição seguinte, em 1994, Fernando Henrique Cardoso (PSDB) surfava na popularidade do Plano Real, que reduziu a inflação no país. Foi eleito no 1º turno.
O ano de 1994 marcou o início para valer da polarização entre PT e PSDB, que perdurou na política brasileira até a disputa de 2014.
Em 1994, Lula ficou em 2º lugar, praticamente 20 pontos à frente do 3º colocado, Enéas Carneiro (Prona). Vale mencionar que Orestes Quercia (1938-2010), ex-governador de São Paulo e candidato do então poderoso PMDB, teve votação pífia: apenas 4,4% no 1º turno.
Em 1998, a 1ª disputa depois de ter sido aprovada a possibilidade de reeleição, Fernando Henrique venceu no 1º turno de novo. Lula outra vez ocupou a 2ª colocação. Ciro Gomes (PPS, à época) disputou sua 1ª eleição presidencial e terminou em 3º, mais de 20 pontos atrás do petista.
A eleição de 2002 selou a chegada do PT ao poder. Lula foi o mais votado no 1º turno, e, no 2º, derrotou José Serra (PSDB). O 3º colocado foi Anthony Garotinho (PSB, à época).
Garotinho, depois de Brizola, foi o 3º colocado que chegou mais perto do 2º turno. Ainda assim, ficou a mais de 5 pontos de Serra. O candidato do PSB em 2002 não emulava o espírito de 3ª via que alguns partidos hoje dizem perseguir. Personalidade controversa da política, Garotinho atuava mais como um líder popular com discurso às vezes pró-esquerda.
Já o tucano Serra arcava em 2002 com desgaste político daquilo que ficou conhecido como “crise do apagão“, no fim do governo de seu correligionário Fernando Henrique Cardoso: o Brasil passou por grave crise hídrica, houve racionamento de energia e falta de luz.
Além disso, afetado pela falta de energia, o país teve baixo crescimento econômico. Os efeitos positivos do Plano Real (de 1994) haviam ficado para trás. Era muito difícil para Serra, candidato de FHC, vencer.
Em 2006 a polarização entre PT e PSDB atingiu o auge.
O governo Lula vinha de forte desgaste por causa do escândalo do Mensalão, divulgado no ano anterior. Mesmo assim o petista ficou na frente no 1º turno e foi eleito no 2º turno –muito por conta da retomada do crescimento da economia e das alianças do PT para governar, abraçando partidos como o PMDB e outros antes considerados adversários.
A 2ª colocação ficou com o tucano Geraldo Alckmin, candidato que teve um feito curioso: registrou menos votos no 2º turno (39,18%) do que aqueles que havia obtido na 1ª etapa (41,64%). O Psol participou da eleição presidencial pela 1ª vez e teve seu melhor resultado, com Heloísa Helena. Ela ficou na 3ª posição, mas quase 35 pontos atrás de Alckmin.
A eleição de 2010 foi a 1ª de Dilma Rousseff (PT), apresentada por Lula como a “mãe do PAC”, o programa de aceleração do crescimento (um conjunto de obras com forte injeção de dinheiro público). O PIB cresceu e Lula, no cargo, tinha mais de 80% de aprovação em várias pesquisas.
Quando se olha em retrospecto, a impressão que se tem é que Lula teria conseguido eleger em 2010 qualquer político que desejasse indicar. Optou pela novata nas urnas Dilma Rousseff. Ela terminou o 1º turno na dianteira. Venceu também a etapa seguinte. O tucano José Serra ficou em 2º.
A 3ª colocada foi Marina Silva (PV, à época). O resultado consolidou Marina no cenário nacional, mas ela passou longe de chegar ao 2º turno.
Dilma chegou a 2014 desgastada pelas manifestações que haviam tomado as ruas do país no ano anterior, mas conseguiu terminar o 1º turno na frente e vencer a disputa na etapa seguinte.
Seu principal adversário foi Aécio Neves (PSDB), que ficou em 2º.
Marina Silva (PSB, à época) era vice na chapa de Eduardo Campos (PSB) e assumiu a candidatura ao Planalto depois da morte do político em acidente aéreo. Ela era tentou se apresentar como uma eventual 3ª via, mas terminou a mais de 12 pontos de Aécio.
A rigor, a candidata do PV nunca conseguiu consolidar a imagem de alguém verdadeiramente de centro para furar a polarização PT-PSDB. Marina era vista por parte do eleitorado como uma “outsider” e defensora de ideias que ainda não haviam ganhado tração suficiente na sociedade –como a defesa intransigente de políticas a favor do meio ambiente.
O atual presidente da República, Jair Bolsonaro, hoje sem partido (PSL, à época), ficou na frente no 1º turno em 2018 e derrotou Fernando Haddad (PT) na rodada seguinte. Bolsonaro soube capturar o Zeigeist (espírito do tempo) do período eleitoral. Apresentou-se como novidade, apesar de antes ter exercido mandatos de deputado federal por duas décadas e meia. Surfou na rejeição ao PT e na incapacidade do PSDB para renovar o discurso. Usou fortemente as redes sociais, algo que nenhum de seus adversários soube fazer.
Fernando Haddad assumiu a candidatura depois de Lula ser formalmente barrado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral). O ex-presidente estava preso e foi enquadrado na Lei da Ficha Limpa.
Quem ficou em 3º foi Ciro Gomes (PDT), quase 17 pontos atrás de Haddad, pontuando 12,8%, patamar semelhante ao que havia atingido nas outras duas eleições presidenciais em que concorreu (1998 e 2002).
Em 2021 o STF (Supremo Tribunal Federal) anulou as condenações de Lula na operação Lava Jato. O Tribunal ainda declarou suspeito Sergio Moro, juiz federal que havia condenado o petista e depois integrado o governo de Jair Bolsonaro.
As decisões judiciais devolveram Lula à disputa pelo Planalto.
A pesquisa PoderData mais recente (9.jun.2021) mostra o ex-presidente empatado na margem de erro com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) nas intenções de voto para o 1º turno. Lula teve 31% das intenções de voto. Bolsonaro, 33%. A margem de erro é de 2 pontos percentuais. No eventual 2º turno, Lula venceria por ampla margem: 48% a 37%.
O 3º colocado no levantamento é Ciro Gomes (PDT). Ele, porém, está mais de 20 pontos atrás de Lula e Bolsonaro.
Uma das opções para representar a 3ª via desistiu de disputar a Presidência nesta semana. O apresentador de TV Luciano Huck anunciou que não concorrerá nas eleições de 2022, ainda que tenha deixado no ar que pretende atuar politicamente: “Isso não quer dizer que eu tô fora do debate público”. Ele aparecia com 4% no levantamento PoderData nas projeções de 1º turno, mas venceria Bolsonaro hoje num eventual 2º turno por 45% a 35%.
Tudo considerado, se as 8 eleições passadas indicam algum padrão e se as pesquisas atuais sinalizam para alguma direção, a 3ª via no Brasil é algo ainda a ser construído. Nunca deu certo em 3 décadas de disputas diretas para presidente. E neste momento não há sinal claro de que possa vingar.
A 3ª via, tal como vem sendo proposta por alguns partidos, depende menos dos nomes que estão sendo apresentados e mais de algum “fator extra-campo“, como se diz no futebol, para que se abra um novo espaço a ser ocupado. Por exemplo, Jair Bolsonaro de fato ter de enfrentar um processo de impeachment (o que hoje parece improvável) ou Luiz Inácio Lula da Silva sofrer algum revés em seus processos na Justiça (algo também fora do radar). Fora disso, a polarização parece estar cada vez mais sólida.
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