Lembro-me que anos atrás li comentários estranhamente negativos, na ocasião da publicação de “um útero é do tamanho de um punho”, pela Cosac e Naify — vi gente dizendo, "[...] leio poesia há décadas e nunca me deparei com algo tão ruim como este livro! “, ou, “Isso aí não é literatura!”. Negavam ao livro o direito de gênero poético, aliás, não há lirismo tradicional em seus versos. Na verdade, encontramos um autêntico texto anti-parnasiano, se os leitores de Bilac esperam mesmo alguma comparação. Mas, essas questões de forma e estilo clássicos passam ao largo da proposta da autora.
Angélica Freitas nasceu em Pelotas, no Rio Grande do Sul, em 8 de abril de 1973. É formada em jornalismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Residiu em Porto Alegre por algum tempo, mudando-se depois para São Paulo, onde trabalhou como repórter para o jornal O Estado de S. Paulo e a revista Informática Hoje. A partir de 2006, residiu temporariamente na Holanda, na Bolívia, na Argentina. Hoje vive em São Paulo.
Seu livro “um útero é do tamanho de um punho”, é o segundo da sua lavra. Constitui-se de uma forma nova de verso. Trata dos discursos das representações da mulher com forte ironia. Talvez por causa disto, seu livro não se enquadre num projeto feminista tradicional — seja como “auto-representação discursiva do feminino”, “manifesto de emancipação sexual”, ou “luta por reconhecimento de visibilidade e direitos”, no sentido de identidade minoritária.
Neste livro, como dito, não há um discurso protagonista do feminino como afirmação, todavia, seus versos transitam pelas “apresentações”, pelo que se diz da mulher por aí. A ironia é seu cerne de entendimento, num lance de imagens caricaturadas da mulher como performance, isto é, como quadro de uma existência submissa, sempre tácita nos versos, a partir de descrição das funções do feminino brasileiro — doravante da relação condicionada entre o que é a mulher e o que ela deve fazer para ser o que se diz dela, de alcançar esse “modelo” e esse “valor” ditados no horizonte do masculino.
O que me surpreende na obra é a sua escrita no limite da síntese linguística e conceitual, e ainda assim não panfletária ou tendenciosa, porque desvela insistentemente um discurso que não é seu — tal apropriação não se realiza pelo plágio, ipsis litteris, todavia pela elaboração mimética deste discurso, amplificando-o, lapidando-o, sintetizando-o.
A poeta nos diz de modo quase jornalístico, direto (dispensando as firulas sem as quais para muitos não poderia ser poesia). E, quando observada em sua parte e em seu todo, encontramos de imediato uma obra plenamente concisa e coesa (que independe de ser a um só tempo muito amada e tão odiada).
Realmente é um livros arriscado como nenhum outro! É ambicioso em sua proposta (sem jamais demonstrar sua ambição). Sobretudo, o livro comprova ser pensado como uma espécie de "virada irônico-linguística”, como dito antes, repleta de representações do feminino, advindas do bojo nodoso desta nossa oligofrenia de gênero.
Segundo soube, a autora gosta de rir enquanto escreve. E saiba-se que ela mesma pesquisou no Google a palavra-chave “mulher” e a partir daí nasceram os versos de “um útero é do tamanho de um punho”. Perfeito!
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