Quase todos os dias, no condomínio onde moro, aparecem casais de papagaios — sempre andam em dupla — para comer frutinhas de uma árvore grande. O alarido é mais forte do que o das maritacas. Os papagaios estariam se tornando pássaros urbanos? O que está ocorrendo, provavelmente, é que, com o desmatamento crescente, está faltando comida. Por isso, bairros mais arborizados começam a atrair várias espécies de pássaros — como papagaio, arara Canindé, arara azul (mais rara), alma de gato, saíra amarela, choquinha lisa e pica-paus.
A vida para os pássaros não está fácil em nenhum lugar. Na Florida, nos Estados Unidos, um pássaro, corta-água, alimentou o filho com “uma beata” (bituca, guimba) de cigarro e a fotografia provocou debates. A maioria das pessoas resumiu o problema — grave — com a palavra “devastador”. Os fumantes relaxados foram intensamente criticados. Mas eles se importam com críticas? Aparentemente, não. A impressão que o fumante deixa é de que fica “irritado” quando alguém lhe pede para fumar mais afastado — fora de uma banca de revista, por exemplo.
Li a história no “Diário de Notícias”. O jornal de Portugal assinala: “Karen Masson, que tirou as fotografias, fez um pedido ao publicá-las online: ‘Se fuma, por favor, não deixe as suas beatas para trás’. E acrescentou: ‘É hora de limparmos as nossas praias e deixar de tratá-las como um enorme cinzeiro’. Karen Masson foi também inundada de pedidos dos meios de comunicação social internacional reproduzirem as suas fotos. Ao que ela acedeu, porque ‘tudo ajuda a levar as pessoas a pensar antes de atirar as beatas””.
A americana disse que “os pássaros alimentam-se apanhando a comida ao longo da água com os bicos abertos. ‘Eles não veem o que estão a apanhar. Este pássaro deve ter agarrado a beata em águas rasas’”.
Pedaços de cigarro são “o lixo mais comum encontrado” em praias, registra relatório do Ocean Conservancy. “As pontas de cigarro são tão onipresentes que já nem as reconhecemos”, afirma Rachel Kippen, da coligação de Educação contra o Tabaco do Condado de Santa Cruz. “Há 4,5 bilhões delas a cobrir ruas, parques e praias em redor do mundo.”
“A maioria das pessoas”, assinala Rachel Kippen, “não percebe que as pontas dos cigarros são feitas de acetato de celulose, um plástico que não se degrada totalmente. ‘Estes filtros não proporcionam nenhum benefício para a saúde dos fumadores e criam uma ameaça ambiental duradoura, especialmente para o oceano quando são descartados de forma inadequada, como a maioria é”.
No meu bairro, atrás do muro de meu quintal, há, todos os dias, guimbas de cigarro. Por vezes, alguns nem são apagados direito, o que pode provocar queimaduras nos pés de crianças e nas patas de cachorros e gatos. Ainda não vi pássaros dando bitucas para seus filhotes — há dois ninhos no pé de lima de minha casa (o de pombos é o mais malfeito) — e espero não ver. Todos os dias coloco banana — e às vezes mamão — para vários pássaros (assobiador, sabiá, bem-te-vi, fim-fim, pica-pau, sanhaço, saíra amarela, saí-azul, cambacica, choquinha lisa, choquinha pedrês e, mais recentemente, os gulosos exclusivistas periquitos).
No mesmo condomínio, há a “mania” — só pode ser mania — de se colocar veneno para formigas. Elas mudam de lugar e sobrevivem. Tenho a impressão de que veneno só é bom mesmo para quem vende…
*Artigo publicado originalmente no Jornal Opção, em 01/07/2019.
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