A investigação policial sobre a suástica marcada no corpo de uma garota de 19 anos em Porto Alegre contradisse - com base em uma perícia oficial, análise de câmeras e duas dezenas de testemunhas - a versão informada à polícia pela jovem.
A suposta vítima, de identidade não revelada, afirmou ter sido atacada por três homens que a teriam agredido e marcado o símbolo em seu corpo. Ela foi acusada formalmente de comunicação falsa de crime. O inquérito deve ser encaminhado à Justiça. O Ministério Público ainda não se manifestou. Para a defesa, que reafirma o relato de ataque à jovem, a conclusão é precipitada e criminaliza a vítima.
A acusação da polícia se baseia principalmente no laudo do Instituto Geral de Perícias do Rio Grande do Sul, divulgado nesta quarta-feira (24). O documento indica que as lesões não podem ser consideradas cortes, mas arranhões superficiais, uniformes e contínuos com padrões "que demandariam cuidado na sua produção".
A perícia afirma que não há marcas de lesões no rosto dela e indica três hipóteses para os ferimentos em forma de suástica: foram auto-infligidas, feitas com o consentimento dela ou, no mínimo, sem que ela tenha esboçado reação.
"Não há lesão em nenhum dos 20 traços na pele. São arranhões, e não cortes. A perícia indica que foi usado um objeto contundente, como um brinco ou um clipe, mas não cortante como um canivete. Mesmo quando a vítima está imobilizada os cortes não são tão uniformes ou superficiais assim", afirmou à BBC News Brasil o delegado responsável pelo caso, Paulo Jardim, da 1ª Delegacia de Porto Alegre.
Em depoimento à polícia, a garota afirmou que foi atacada na rua logo após sair de um ônibus porque usava uma camiseta com os dizeres "#EleNão", em referência à campanha de setores da esquerda contra o candidato presidencial Jair Bolsonaro (PSL). A jovem disse ter ficado paralisada num ataque de pânico enquanto sofria socos e cortes. Segundo ela, dois a seguraram enquanto um terceiro a feriu com um canivete.
Imagens e depoimentos
O delegado afirmou não ter encontrado imagens ou testemunhas que confirmem a versão da garota. Foram analisadas, segundo ele, as imagens de 12 câmeras que cobrem a área apontada pela jovem à polícia, mas não há nada nos registros relacionado ao caso. Mais de 20 pessoas, entre moradores, comerciantes e guardadores de carro da região, também foram ouvidos.
"Até pedimos em um site da região, que tem mais de 300 mil seguidores, para que testemunhas trouxessem informações sobre o caso, mas ninguém apareceu", disse Jardim.
Para a defesa, a hipótese de vítima paralisada reafirma, e não refuta como diz a polícia, o depoimento da garota.
"A sociedade sempre relativiza a palavra de uma mulher que se diz vítima. O delegado já estava predisposto a essa conclusão ao falar que era um símbolo budista na barriga dela, e não nazista. Ela disse não ter reagido porque teve uma crise de pânico ao ser cercada e agredida", afirmou a advogada Gabriela Souza, que representa a garota.
Ainda segundo Souza, o laudo não representa o fim das investigações e "qualquer conclusão antes de esgotada a avaliação de todos os elementos possíveis é precipitada e pode não representar a realidade dos fatos".
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