A paulistana Fernanda Gama, de 34 anos, disputará eleições pela primeira vez este ano. Ela mora na Zona Leste de São Paulo (SP) e decidiu se lançar candidata a deputada federal por convite de um amigo que milita no Partido da Mobilização Nacional (PMN). No início das conversas, diz Fernanda, a legenda acenou com a possibilidade de assistência jurídica e uma fatia do Fundo Especial para Financiamento de Campanha (FEFC).
Mas bastou que a candidatura dela fosse oficializada pela Justiça Eleitoral para a conversa mudar.
"O papo era 'Ah, vai ter uma verba, a gente não sabe quanto ainda'. Mas isso foi até o deferimento da candidatura. Aí, eles disseram que a gente não receberia nem um real. Disseram que estes 30% do Fundo, destinado às mulheres, o presidente (municipal) do partido destina para quem ele quiser", diz a candidata. Fernanda contará com a ajuda de familiares e de um grupo beneficente da Zona Leste de SP para a campanha.
Esta será a primeira eleição geral no Brasil desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em 2015, proibir as doações de empresas privadas para partidos e candidatos. Este ano, as campanhas serão financiadas principalmente com dinheiro do Fundo Especial - R$ 1,71 bilhão, no total. As maiores fatias serão as de MDB (R$ 230 milhões), PT (R$ 212 milhões), PSDB (R$ 185 milhões) e PP (R$ 131 milhões). Pelo menos 30% do valor do Fundo precisa ir para candidaturas de mulheres, conforme decidiu o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Além do Fundo de campanha, as campanhas poderão ser financiadas este ano por doações de pessoas físicas (seja diretamente ou por meio de 'vaquinhas' online, o chamado crowdfunding). Cada brasileiro pode doar até o limite de 10% dos seus ganhos no ano anterior.
Além disso, candidatos também podem fazer doações para as próprias campanhas, sem limite de gastos. E os partidos podem usar também o dinheiro do Fundo Partidário, diferente do Fundo Eleitoral, e que este ano será de cerca de R$ 800 milhões.
O PMN de Fernanda terá cerca de R$ 3,8 milhões do FEFC para distribuir aos candidatos. Ao TSE, a sigla disse apenas que 98% do valor seria destinado às campanhas de deputados federais, mas não disse quais - a decisão fica a cargo da direção do partido.
A reportagem da BBC tentou contato com o presidente municipal do PMN, Ronaldo Barbosa, mas não obteve resposta.
A situação de Fernanda Gama está longe de ser uma exceção: a maioria das direções partidárias tende a concentrar os recursos do Fundo eleitoral em políticos tradicionais - principalmente os que já têm mandato.
Algumas das siglas reservam formalmente recursos para deputados e senadores, como fizeram PP e MDB. Outros não inscreveram os valores num documento formal, mas privilegiaram os políticos estabelecidos: é o que acontece no PT e no PSDB.
Até o momento, os partidos já distribuíram R$ 843 milhões do Fundo em campanhas para o Congresso. Deste total, 67% (ou R$ 563 milhões) foram para políticos que já têm mandato, segundo números compilados pelo jornal O Globo e checados pela BBC News Brasil usando informações do Repositório de Dados Eleitorais do TSE.
O cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP-SP), Hilton Cesário Fernandes, lembra que caciques partidários sempre tiveram controle sobre a máquina partidária: decisões sobre o Fundo Partidário e o tempo de TV sempre foram deles.
"A diferença é que, antes, as doações de empresas em maior volume ajudavam a contrabalançar este poder das direções partidárias", diz. "Este ano, com menos fontes de recursos (para campanha), este poder dos líderes partidários ficou mais evidente", diz o professor.
No PP, voto pró-Temer é recompensado com R$ 250 mil
Em 2017, o presidente Michel Temer foi denunciado duas vezes pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Em ambos os casos, os supostos crimes foram mencionados nas delações dos empresários Wesley e Joesley Batista, donos da holding J&F, que controla o frigorífico JBS. Ao longo do ano passado, o plenário da Câmara rejeitou ambas as denúncias - o que significa que os processos só voltarão a tramitar na Justiça depois que Temer deixar a presidência, em janeiro de 2019.
No Partido Progressista (PP), a votação a favor de Temer virou critério para distribuição do "fundão eleitoral" entre os deputados. O compromisso está registrado numa resolução oficial da sigla sobre o uso do Fundo, entregue ao TSE.
De acordo com a resolução do PP, cada deputado federal do partido tem direito a pelo menos R$ 2 milhões para fazer campanha este ano. Mas a entrega deste valor está condicionada à lealdade dos congressistas: valores serão descontados de quem votou contra o partido nos temas em que o PP "fechou questão" - isto é, questões nas quais há decisão formal da direção partidária para votar de uma forma ou outra. É o caso das duas denúncias contra Temer. Assim, cada voto a favor das investigações custará a um deputado pepista 10% do total, ou R$ 200 mil.
Além disso, quem votou com o partido (e com Temer) nas denúncias ganha 2,5% extras, ou R$ 50 mil a cada votação.
A resolução do PP inclui outras votações importantes nas quais o partido fechou questão. Deixa de ganhar R$ 300 mil (15% dos R$ 2 milhões) quem tenha votado contra a admissibilidade do impeachment de Dilma em 2015, por exemplo. Um voto contra a chamada "PEC do Teto de gastos", em 2016, custará R$ 100 mil para cada deputado.
O PP decidiu ainda que os deputados que não tentarão a reeleição este ano podem indicar um novo candidato à Câmara para receber a quantia a que teriam direito. Para conseguir acesso ao fundo, o deputado federal precisa ter exercido o mandato por pelo menos 2 anos e meio. O documento pepista também fixa os valores para senadores (R$ 3 milhões), deputados estaduais e governadores.
A reportagem da BBC News Brasil procurou o partido na tarde da última quinta-feira para comentários, mas não recebeu retorno. Também telefonou e enviou mensagens de texto para o presidente do partido, o senador Ciro Nogueira (PI), mas não houve resposta.
O pagamento do PP aos deputados que votaram contra Michel Temer não é, a princípio, ilegal. Falando em tese, o desembargador Tribunal Regional Eleitoral do DF (TRE-DF), Flávio Britto, disse que os partidos têm autonomia para definir a forma como distribuem os recursos. "O partido pode estabelecer estes critérios. As únicas obrigações que eles têm é a de informar os critérios ao TSE e, depois, de prestar contas do uso do dinheiro", disse ele à BBC News Brasil.
Como MDB, PT e PSDB dividiram o dinheiro
Assim como o PP, o MDB também reservou expressamente uma quantia para cada um de seus 51 deputados. O partido terá a maior fatia do fundo (R$ 230 milhões), e distribuirá ao menos R$ 1,5 milhão para cada deputado federal atual - a maioria deles tentará a reeleição. O partido também dará R$ 2 milhões para cada senador atual que disputar a eleição, independentemente do cargo, de acordo com a resolução entregue ao TSE.
Até agora, o MDB aplicou R$ 86,4 milhões na eleição para a Câmara dos Deputados. Desse total, R$ 81 milhões são para deputados que já tem mandato - e apenas R$ 5,4 milhões para candidatos novos. O partido também investiu R$ 14 milhões em seus governadores, e R$ 30,9 milhões para os candidatos ao Senado. Já o presidenciável do partido, Henrique Meirelles, não recebeu nada do Fundo eleitoral: investiu R$ 45 milhões do próprio bolso na campanha.
PT e PSDB, que ocupam o segundo e o terceiro lugares na lista de partidos com mais recursos do Fundo, não definiram uma quantia específica para cada cargo - mas as informações disponíveis até agora sugerem que também nestas legendas o dinheiro se concentrará em políticos tradicionais.
O PSDB dispõe de R$ 185 milhões do Fundo para este ano. Segundo os últimos dados do TSE, o partido já comprometeu deste total R$ 44,2 milhões para a campanha presidencial de Geraldo Alckmin.
Outros R$ 22,9 milhões foram para os candidatos a uma vaga na Câmara dos Deputados - e R$ 20 milhões são para deputados que já têm mandato e tentarão a reeleição. Parte dos R$ 2,9 milhões restantes também ajudarão as campanhas de figuras conhecidas na política: o senador Aécio Neves (MG) receberá R$ 500 mil, e a mesma quantia irá para seu colega de senado José Aníbal (SP). Ambos são candidatos à Câmara este ano.
No caso do PT, ainda não é possível contabilizar o total investido em candidatos novos e postulantes à reeleição - mas os dados já disponíveis indicam que a tendência de concentração deve se manter.
O partido aplicou R$ 20,5 milhões do Fundo eleitoral na disputa presidencial, por exemplo.
Em Minas Gerais, a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) recebeu R$ 2,7 milhões do Fundo partidário - quase 6 vezes mais que o outro candidato petista ao Senado no Estado, o deputado federal Miguel Corrêa.
No Acre, o PT lançou cinco candidatos ao posto de deputado federal. Três já têm mandato na Câmara - e ganharam R$ 450 mil, cada, do Fundo Eleitoral. As outras duas candidatas não têm cargo, e não receberam nada até o momento.
Para o analista político Antônio Augusto de Queiroz, do Departamento Intersindical de Análise Parlamentar (DIAP), a taxa de renovação na Câmara dos Deputados, este ano, deve ficar abaixo da média.
"Há três condições principais para alguém novo se eleger: tempo para fazer campanha, meios materiais para se fazer conhecer entre o eleitorado, e canais de divulgação. E este ano, estes três requisitos vão estar concentrados nas mãos de quem já tem mandato", diz ele.
"Além disso, o deputado que já tem mandato tem algumas vantagens importantes em relação aos novos. Eles têm 'serviços prestados' às localidades nas quais se elegem. Direcionaram emendas àquelas comunidades, por exemplo, e isto pesa na hora da eleição. Têm uma rede de cabos eleitorais já montada, e contam com a estrutura de seus gabinetes em Brasília e no Estado, entre outras vantagens", lembra Queiroz.
Candidatos milionários
O FEFC foi criado por iniciativa de deputados e senadores em 2017, na chamada 'minirreforma eleitoral'. Junto com o Fundo, o Congresso decidiu também impor um limite ao dinheiro que o candidato poderia doar para a própria campanha - a ideia era evitar que milionários desequilibrassem a disputa em favor próprio.
Graças a um veto de Michel Temer (MDB) e a uma resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o limite de autodoações não valerá este ano - Temer vetou o limite em outubro passado. O veto chegou a ser derrubado no Congresso, mas como a derrubada ocorreu a menos de um ano das eleições, em dezembro passado, o TSE entendeu que a regra não vale para a eleição deste ano.
Agora, um correligionário do próprio Temer é um dos principais beneficiados pela inexistência de limites às autodoações. O presidenciável Henrique Meirelles (MDB) é de longe o candidato que mais colocou dinheiro próprio na campanha: até a semana passada, tinha aplicado R$ 45 milhões na disputa.
O emedebista, porém, não é o único. O segundo lugar na lista dos que mais investiram dinheiro próprio é de Carlos Amastha (PSB), que doou R$ 2,9 milhões para a própria campanha até o momento. Com mais R$ 1,2 milhão recebido de seu partido, Amastha já arrecadou um total de R$ 4,1 milhões, próximo do limite de recursos para candidatos a governador (R$ 4,9 milhões) em seu Estado.
Ao todo, 17 candidatos investiram R$ 1 milhão ou mais nas próprias campanhas este ano. Um deles é Cid Gomes - irmão do presidenciável Ciro (PDT), ele disputa uma vaga no Senado pelo PDT cearense. Juntos, estes 17 candidatos doaram a si próprios R$ 186 milhões até agora. É possível que a quantia investida pelos candidatos em suas campanhas cresça até o fim do pleito: João Doria (PSDB), por exemplo, não investiu nada na própria campanha ao governo de São Paulo até o momento, mesmo declarando um patrimônio de quase R$ 190 milhões.
"É possível que cada Estado agora tenha um candidato ou um conjunto de candidatos mais ricos, desconhecidos a nível nacional, mas com poder para distorcer a disputa local a seu favor. Foi um equívoco grande acabar com o limite de autodoação", opina o cientista político e professor da Universidade de Campinas (Unicamp), Wagner Romão.
"Outro aspecto para prestar atenção é a falta de um limite nominal (numérico) para as doações de pessoas físicas. O limite hoje é de 10% dos rendimentos da pessoa no ano anterior. Então, acaba sendo um limite flexível: quem tem mais dinheiro continua doando mais e portanto influenciando mais no pleito", complementa Romão.
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