Na Praça da Bomba, no centro de Salgueiro, município a mais de 500 quilômetros do Recife, um grupo de mulheres contraria as estatísticas. Faltando uma semana para o primeiro turno das eleições, mais da metade (52%) das eleitoras brasileiras rejeitam o candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSL). No Nordeste e em Pernambuco, a rejeição é ainda maior: 61% em ambos os casos, segundo o último Datafolha divulgado nesta sexta-feira.
Nesse contexto, a Praça da Bomba é uma ilha. É onde fica o comitê de Bolsonaro, ponto de encontro e distribuição de material até para um carro da Polícia Militar que passou pedindo adesivos do candidato, enquanto a reportagem conversava com algumas militantes. É ali, onde cinco, das mais de 100 mulheres que participam do grupo PSL Mulher Salgueiro no WhatsApp, se encontraram para explicar por que, diferentemente da maioria das mulheres da região, elas apoiam o capitão reformado do Exército para a presidência. “O que eu mais vejo aqui é mulher apoiando ele” diz a oficial de Justiça Narjara Pires de Carvalho e Sá Alencar, 36. “Não acho que há rejeição maior entre as mulheres e nem acredito em pesquisa. Que pesquisa é essa?”, questiona.
Em comum, além de não acreditarem em pesquisas eleitorais, algumas delas já votaram no PT, a maioria trabalha ou tem algum parente próximo ligado à segurança pública, são a favor do porte de armas, a maioria é contra as cotas e todas acham que o presidenciável pode resgatar os valores da "moral e da família". “Ele não vai ser o salvador da pátria”, diz Ariane de Sousa Gondim, 28, bacharel em direto. “Mas ele vai trazer mais valores”.
Esses “valores” mencionados por Ariane foram exemplificados de algumas maneiras. “Eu não sou homofóbica, o que eu sou contra é fazer campanha LGBT com o nosso dinheiro público”, diz a agente penitenciária Marilene Cruz, 48. “Ninguém nunca impediu os direitos LGBT”. “Eles têm que acabar com essa mentalidade que todo mundo os recrimina”, emendou a médica Nayana Pires, 35. “Se você já sabe que é homossexual, desde pequeno você vai saber. Independentemente de alguém te reprimir. Não precisa induzir, as coisas acontecem naturalmente”. O argumento das eleitoras tem base no que Bolsonaro chama de campanha para o ensino de "ideologia de gênero nas escolas"..
Outros valores pregados pelo candidato também correspondem aos de suas eleitoras. No final de julho, o presidenciável disse no programa Roda Viva, na TV Cultura, que pretendia ao menos reduzir as cotas raciais nas universidades, para acabar "com essa divisão no Brasil". Nayana concorda com a ideia. “Essa história de racismo. O próprio negro começa a se vitimizar. Por isso não sou a favor de cota, porque do jeito que tem pobre negro, tem pobre branco", diz ela. "Tem muita gente sem condições de estudar, que precisa de uma vaga na faculdade e que não tem porque o outro é negro [e entrou por meio de cota]”.
Não só os argumentos dessas eleitoras estão alinhados com o candidato, como também, muitas vezes, são a repetição do que ele próprio costuma afirmar. “Não sou economista”, afirma Narjara ao ser perguntada de que maneira seria possível reduzir as tributações, como ela defendeu, mantendo-se os direitos trabalhistas. “Um salário mínimo hoje não é nada para quem ganha, mas é muito para quem paga”, afirma, usando outra frase já utilizada por seu candidato em entrevistas.
A opção desse grupo de mulheres vai na contramão do que outra parcela do eleitorado feminino argumenta sobre Jair Bolsonaro. Neste sábado, mulheres de todo o país saíram às ruas sob consigna #EleNão, que prega “contra o avanço e fortalecimento do machismo, misoginia e outros tipos de preconceitos representados pelo candidato Jair Bolsonaro”. As eleitoras do candidato do PSL comentaram a mobilização e discordam da premissa. Para as eleitoras do capitão, ele não é machista, apenas “fala o que pensa” "A manifestação é livre, mas eu não vejo um cunho só político", diz Narjara. "Vejo intolerância e preconceito. Ao meu ver, os violentos são eles". “Simplista”, define Marilene, que diz conhecer o movimento #Elenão, mas não compreende seu objetivo. “Não dá para entender”, diz. “Minha ideologia bateu com a dele. Muitos acham ele louco”, afirma Narjara. “Eu acho ele sincero”.
"Duro nas palavras"
Salgueiro é um município de pequeno porte. Tem quase 60.000 habitantes e cerca de 39.000 eleitores, sendo que 53% são mulheres. Fica no meio do sertão pernambucano e é chamado de encruzilhada do Nordeste, por ser praticamente equidistante de quase todas as capitais da região. A promessa de futuro fora plantada na cidade quando ela entrou na rota do desenvolvimento, com a construção da ferrovia Transnordestina e a transposição do Rio São Francisco, ambas inacabadas.
Nas áreas mais afastadas, os moradores atribuem o pouco que têm ao Governo Lula. “Isso aqui antes de Lula era um deserto”, diz o aposentado João Luiz Pereira, 66. “Na época do Lula, a gente cansava o queixo de tanto comer. Agora, é só água e no máximo um cafezinho”, afirmou, em Umãs, distrito de Salgueiro. Já no centro da cidade, atrelam esse eleitorado ao que chamam de assistencialismo do PT. “O nordestino é muito tocado pelo emocional. Ele acha que foi Lula quem deu uma caixa d’água pra ele, mas não foi, foi por meio de um programa social”, diz Ariane. “Mas cada um sabe onde seu calo aperta", pondera. "Eu nunca carreguei uma lata d’água na cabeça, não posso dizer. Mas minha mãe sim. E ela hoje vota em Bolsonaro”.
Por ser a parcela da população mais indecisa do eleitorado, o voto das mulheres tem sido disputado, um a um, por todos os candidatos. Apesar da alta rejeição no público, Bolsonaro aparece empatado com Haddad entre as eleitoras de todo o país (21% contra 22% segundo o Datafolha). Nesta semana, Geraldo Alckmin (PSDB) foi ao ar para falar com as mulheres em seu horário eleitoral, citando a campanha #Elenão. Também usou da fala do vice de Bolsonaro, o general Hamilton Mourão (PRTB), que afirmou que áreas carentes onde não há pai e avô, mas sim mãe e avó, seriam “fábrica de elementos desajustados”. Ciro Gomes (PDT), nesta sexta, publicou um vídeo em seu Instagram aderindo à campanha #Elenão. Marina Silva (Rede), a única mulher candidata neste pleito, e Fernando Haddad (PT) vêm reforçando seus discursos em direção ao eleitorado feminino. Na contraofensiva, Bolsonaro, depois de ter dito que “fraquejou” porque teve uma filha mulher, divulgou vídeo chorando ao contar que “desfez a vasectomia” e que “graças a Deus, a Laura [sua filha mais nova] nasceu”.
A marca de machista que o capitão recebeu não foi só por suas declarações “simplistas”, como suas eleitoras defendem, ou por "brincadeiras" como o caso da "fraquejada". Em 2016, no programa de Luciana Gimenez, na Rede TV!, o presidenciável afirmou que “não empregaria com o mesmo salário [de um homem]” uma mulher, porque ela tem um direito trabalhista a mais, que é a licença maternidade. Entre suas eleitoras, o argumento é que os vídeos são "cortados e editados" e que ele "não defende isso". “Ele é muito duro nas palavras. O modo com que ele fala às vezes não agrada todo mundo”, diz Ariane. Narjara concorda com ela, mas reconhece que, na hora de contratar alguém, ela mesma dá preferência a mulheres sem filhos. “Antes de contratar uma pessoa, eu pergunto se ela tem filhos. Não que eu não contrate se tiver, mas é melhor que não tenha, né?”, diz. “Quem quer contratar uma babá que vai faltar porque o filho está doente?”, questiona a oficial de Justiça que tem dois filhos e duas funcionárias trabalham na casa dela. “Minha babá nunca faltou, em dez anos”.
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