A alta de 8,9% no preço do óleo diesel nas refinarias, anunciada pela Petrobras na terça-feira (28), voltou a revoltar os caminhoneiros. As lideranças da categoria cogitam uma nova greve, como a realizada em 2018, e cobram ação do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sobre a situação, rejeitando as falas do mandatário de que a situação ocorre por causa da cobrança do ICMS, imposto de competência dos Estados. O custo do petróleo e de seus derivados no Brasil é definido de acordo com o PPI (preço de paridade internacional), que leva em conta o valor do barril negociado no exterior (que tem aumentado) e o câmbio, ou seja, a conversão de dólar para real. Especificamente para o diesel, usado nos caminhões, o preço é formado da seguinte forma: 52,1% por parte da Petrobras; 6,1% dos impostos federais CIDE, PIS-PASEP e Cofins; 16% do ICMS, imposto estadual; 13,9% do biodiesel que é adicionado a cada litro e 11,1% da revenda nos postos. “A gente vem trabalhando já no limite. A categoria reagiu de uma maneira desesperadora [após o último aumento], estamos basicamente vendendo o almoço para comprar a janta”, comenta Wallace Landim, conhecido como Chorão, que é presidente da Associação Brasileira de Condutores de Veículos Automotores (Abrava), uma das muitas entidades que representam os caminhoneiros. Segundo Carlos Mira, fundador e CEO do app TruckPad, que liga os motoristas às transportadoras, a situação se complica para os motoristas quando o aumento ocorre depois de ter fechado o frete. “O custo aumenta quando ele chega para reabastecer no meio da viagem, torna difícil ter lucro e se manter”, comenta Mira, ex-presidente da Associação Brasileira de Logística e ex-vice-presidente da Associação Brasileira de Transporte de Cargas, que também destaca o efeito cascata que o aumento tem para a inflação no Brasil.
O custo elevado dos transportes leva os caminhoneiros a pensar em mais manifestações e a cogitar uma greve, embora ela não deva ser declarada nos próximos dias. “As entidades estão debatendo para que tomemos uma providência. Já há uma reunião marcada para o dia 16 de outubro, no Rio de Janeiro e outra para Porto Alegre, dias depois. A divisão que existia das entidades está acabando, as lideranças estão se unindo em prol da categoria”, comenta José Roberto Stringasci, da Associação Nacional de Transportadores do Brasil. Segundo Stringasci, é preciso que haja mais gente apoiando a paralisação. “Quando a maioria estiver de acordo, aí podemos marcar. Aí vai acontecer e não vai ser só uma tentativa”, garante. Chorão concorda com a avaliação, mas ressalta: “Tem que ser algo vindo dos motoristas. E não é só da gente, tem que ser também dos motoristas de aplicativo, do comércio, dos metalúrgicos, da população”. Os dois representantes de associações de caminhoneiros criticam o PPI, e pedem que Bolsonaro ‘assuma responsabilidade’ pela situação e mude a formação de preços. “Ele tem poder para fazer isso, mas não quer. A responsabilidade hoje é dele”, reclama Stringasci. “Ele está fazendo chacota com a categoria em falar que não é mágico. O líder da nação é o presidente que tem que resolver essa situação”, concorda Chorão. Ambos também relembram de promessas de Bolsonaro aos caminhoneiros que não foram cumpridas, como a de zerar impostos federais sobre combustível e criar uma nova linha de crédito, e da atuação dele como deputado em apoio à greve de 2018, cobrando o governo então chefiado por Michel Temer, enquanto consideram que agora ele tenta jogar a culpa nos governadores.
O PPI é o método para o cálculo do preço preferido pelos investidores da Petrobras — em abril, Bolsonaro afirmou que pensava em mexer na situação e, em reação, as ações da empresa caíram 1%. Por causa disso, o PPI continua em vigor. “Continuamos trabalhando da mesma forma, acompanhando a paridade internacional e o câmbio, analisando permanentemente para ver se as oscilações são conjunturais. Fazemos nossos acompanhamentos de preços”, afirmou o presidente da Petrobras, general Joaquim da Silva e Luna em entrevista coletiva no último dia 27 de setembro, ressaltando que a empresa está sendo diretamente afetada por cenários externos, como a valorização do petróleo no mercado internacional. Bolsonaro também disse que não poderia ‘dar uma canetada’ para abaixar os preços. Além do PPI, há outras questões que irritam os motoristas de caminhão, como a falta de um reajuste da tabela de frete por parte da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). A Lei nº 13.703 de 2018 prevê que os valores mínimos sejam reajustados a cada seis meses ou caso o preço do diesel suba acima de 10%; nas contas da categoria, um litro de diesel estaria custando 17,1% a mais do que estava no último reajuste, feito em 3 de março. À Jovem Pan, a ANTT informou que segue uma média semanal calculada pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que leva em conta o custo em postos em todo o país, e que apontaria o preço de R$ 4,77 por litro de diesel na semana entre 19 e 25 de setembro, valor 4,42% acima da última referência, a semana entre 13 e 18 de junho. No entanto, a ANTT reconhece que o aumento feito pela Petrobras demora algum tempo para chegar à bomba, por isso podem ocorrer alterações nas próximas semanas.
Outro ponto de atenção dos caminhoneiros é a discussão no Supremo Tribunal Federal sobre a Lei nº 13.703, que instituiu o preço mínimo de frete. A categoria defende a lei, que é alvo de três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI), as de nº 5956, 5959 e 5964, movidas pela Associação do Transporte Rodoviário de Carga do Brasil (ATR Brasil), pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), que alegam que a tabela de preços fere os princípios da livre iniciativa, da livre concorrência, e de defesa do consumidor, por trazer prejuízos na forma de aumento de preços finais de produtos. As entidades de caminhoneiros defendem que os motoristas não têm condições de cobrir os custos do serviço que prestam e ainda obter renda suficiente para o próprio sustento sem ela, por causa de uma distorção no mercado. Enquanto as questões seguem sem serem resolvidas, os caminhoneiros ainda buscam aumentar a mobilização para suas pautas e garantem que o movimento não é necessariamente contra Bolsonaro ou a favor de qualquer outro político, e sim em prol da categoria. “É a luta de todo brasileiro”, assegura Stringasci. No entanto, ainda há dúvidas de que seria possível realizar uma nova paralisação, como Mira demonstra. “Pelo contato que temos com os motoristas através do app, eles dizem que até gostariam de parar, mas no final do dia tem conta para pagar e precisam continuar rodando”, comenta o CEO do TruckPad. Para ele, uma greve seria complicada de acontecer por causa da dificuldade dos motoristas em aderirem ao chamado das lideranças.
Utilize o formulário abaixo para comentar.