Nas últimas semanas, a discussão sobre uma reforma política que terminaria na troca da forma de governo no Brasil voltou ao debate. No início do mês, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, propôs a discussão alegando que poderia trazer estabilidade ao país. Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Luis Roberto Barroso, que também é presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e Gilmar Mendes defendem mudanças no modelo. O próprio ex-presidente Michel Temer já saiu em defesa disso para evitar “traumas” como o impeachment, processo que retirou Dilma Rousseff do cargo e o fez ser presidente. Desde a proclamação da Independência, em 1822, o país transitou por algumas formas de governo: a monarquia, o presidencialismo e o parlamentarismo — esse, pela última vez, pouco antes do golpe de 1964 que resultou na Ditadura Militar (1964-1985).
Hoje, o Brasil vive uma república presidencialista governada pelo presidente da República, que é escolhido pelo povo nas urnas. Para que a mudança aconteça, a pauta deveria chegar via PEC no Congresso Nacional e passar pela consulta popular, conhecida como plebiscito. Essa discussão já foi levada adiante duas vezes no país, em 1963 e 1993. Em ambas, foi rejeitada pela maioria da população. De acordo com o professor de Relações Internacionais do Ibmec, Alexandre Pires, o debate sobre mudanças de regime de governo costuma aparecer em países que têm processos frequentes de instabilidade política. É o caso de aberturas de processo de impeachment, revoltas populares, tentativas de contestação do presidente antes do período eleitoral, execução do afastamento dos presidentes de tempos em tempos, e a ocorrência de ditaduras. “Países que tem muita instabilidade costumam procurar uma solução, que nós chamamos de solução por cima. Buscam a alteração do regime político em busca de uma maior estabilidade. Muitas vezes, se pensa em mudar também o prazo de mandato ou reduzir”, explica.
Segundo Pires, a escolha por modelos como o parlamentarismo e o semipresidencialismo acontece ao se observar sistemas mais estáveis em países que adotam determinada forma de governo. “Os outros países acreditam que a emulação, a cópia desse sistema, pode trazer estabilidade. Por exemplo, o parlamentarismo sempre volta porque a Grã-Bretanha é considerada um país extremamente estável, ainda que as moções de desconfiança, que é o que vai provocar a retirada de um primeiro-ministro, ocorram com frequência. Mas isso não desestabiliza o sistema. Ou seja, isso é visto como um fator de normalização. No caso de nações como a nossa, o momento de normalização ocorre durante os períodos eleitorais. Em quatro anos há tempo suficiente pra ver instabilidades políticas que não vão encontrar uma solução. Por isso que, no Brasil, o mecanismo do impeachment tem sido usado quase como que uma monção de desconfiança, para permitir essa mudança do regime antes das eleições. Isso é péssimo”, completa.
O que mudaria?
Para entender as principais mudanças, é preciso compreender as funções de um presidente e de um primeiro-ministro. O presidente é o chefe de Estado de uma República, como o Brasil. Ele tem uma função dupla: além de chefiar o Estado, ele também é o representante do governo e da nação em assuntos externos. Já o primeiro-ministro tem apenas uma função: ser chefe de governo. “Isso quer dizer que tem outra figura que representa a nação. No caso do parlamentarismo, um monarca. No caso do semipresidencialismo, um presidente que não tem funções executivas, ainda que ratifique os atos legislativos”, explica Alexandre.
Já o parlamentarismo é um sistema de governo em que o chefe do Executivo é escolhido pelo parlamento de modo direto ou indireto, enquanto o chefe de Estado é uma figura que herdou essa posição — um monarca que pode ser um rei, um príncipe, um grão-duque. Isso existe em vários países europeus, como a Grã-Bretanha, a Bélgica e a Holanda. “É um sistema típico do que nós chamamos de monarquia constitucional. Já o semipresidencialismo é um sistema de governo em que o chefe do governo continua a ser escolhido pelo parlamento, pela casa legislativa, e pode receber o nome de primeiro-ministro. O chefe de Estado não é alguém que herda essa posição, mas sim alguém que foi escolhido pela votação direta, por um voto popular, como ocorre na Finlândia, ou pode ser pela votação indireta, que também pode ocorrer por meio do parlamento”, afirma o especialista.
Conforme o professor de Relações Internacionais, se outro modelo fosse aprovado, seriam abertas muitas contestações. Isso porque é garantido nas cláusulas pétreas da Constituição que o país mantém a forma federativa de Estado e a ideia do voto direto. “Isso indicaria, provavelmente, que nós não podemos criar sistemas indiretos de escolha. O que dificultaria muito a colocação de um chefe de governo escolhido de modo indireto.” Fato é que, se o regime for modificado, o sistema eleitoral teria que passar por uma readequação. “Todo o sistema atual de voto vai ter que ser modificado. Isso entra em questão, inclusive, para Estados e municípios. A ideia de parlamentarismo e semipresidencialismo pode ser transferida para outros níveis de governo. Essa seria a consequência imediata de uma mudança do regime de governo, a mudança do sistema eleitoral e dos cargos que a população pode ou não pode escolher.”
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