I O qualificativo entranha-se nas dobras do seu caráter como um incômodo, pois Máximo, o poeta, sabe, de algum modo, que no fundo não é senão um “homem sem qualidades”. Máximo tenta aprender a não se tornar o que realmente é: seu antônimo, “o ponto mais baixo”. E por se sentir sempre no estrito limite menor de algo, persegue, em fim de contas, a poesia mais convencionalmente poética do seu tempo. Como se ela fora um axioma; uma sentença estético-doutrinal incrustada em seu destino menos como a explicação do que como a mitigação desse transe de néscio em que se vê enredado: a busca por uma posição de destaque dentro sistema literário.
II Biblioteca da poesia de agora-agora. Livros medianos. Depois alguns talvez se tornem bons. Os poetas se inclinam sobre a tábula do mundo como se eviscerassem um livro mudo. O real é vertido segundo o dicionário dos seus poemas. As coisas, as palavras-coisa, as cidades, o amor “e na sua ausência o amor”, seus poetas prediletos, enfim, tudo é lavado de seus significados convencionais nessa outra água léxica dos seus-alheios poemas. A água que esmalta o carrinho de mão do poeta William Carlos Williams.
III O sentido é aquilo que se localiza (ou se dissipa) em pós o texto e antes que se instale o apetite sígnico do leitor. Ou seja, não está mais no poema e, todavia, não cabe inteiramente no complexo crítico-sensível do receptor possível; este se apodera mais da oscilação ou da fantasmagoria daquele do que de uma realidade definitiva que lhe definiria – como seria desejável ao senso comum –, não fora ele, o sentido, tão indecidível e coisa de inalcançar (Guimarães Rosa dixit). O sentido tem parte com uma espécie de transferência, isto é, na acepção relativa à translado, aquilo que um leitor passa para outro. Pois o sentido, de resto, não fica com ninguém. O sentido tem parte com um despertencimento.
IV Quando a poesia perde relevância e decai, a crítica a segue. A crítica literária só voltará a ter alguma importância e ser de algum interesse, quando a literatura recuperar a sua dimensão de arte. Reza a máxima de que não há crítica sem arte.
V Nem sempre somos os mesmos quando nos abandonamos à leitura. Cada texto engendra uma máscara que o leitor concorda em afivelar à sua própria face visando uma fruição mais radical. O tempo e o lugar, às vezes imprecisos na trama textual, convidam-nos a um jogo de simulações. Através do teatro da língua literária, nem sempre representará um choque sísmico passar, por exemplo, do Ecce Homo de Friedrich Nietzsche, para os poemas líricos de Dante. Com efeito, o discurso e a retórica são outros, assim como os dilemas estéticos e morais, e, além disso, a ideografia. Mas, o ponto de mixagem, o sorvedouro onde esses contrastes menos se anulam do que se retesam é o efêmero presente da linguagem que nos toca atualizar.
Ronald Augusto é poeta, letrista e crítico de poesia. Formado em Filosofia pela UFRGS. Autor de, entre outros, Confissões Aplicadas (2004), Cair de Costas (2012), Decupagens Assim (2012), Empresto do Visitante (2013), Nem raro nem claro (2015) e À Ipásia que o espera (2016). Dá expediente no blog www.poesia-pau.blogspot.com e escreve quinzenalmente no http://www.sul21.com.br/jornal/
Utilize o formulário abaixo para comentar.