Paulo Leminski um dia afirmou que “o poeta é uma necessidade orgânica da sociedade”. Na medida desta “necessidade orgânica”, sentida na alma de alguns, dentre os nosso conterrâneos, sempre houve forte expressão literária em Delmiro Gouveia, mesmo que nunca devidamente exaltada. De Virgílio Gonçalves e Ambrósio Queiroz a excelente poetisa Suely Oliveira, de Argemiro Batalha a Maria Queiroz de Sá e Wilma Amancio, e ainda Paulo Soares, Zeca Queiroz, Severino de Souza Neto, temos um caudal iluminadíssimo de importantes poetas, tais e quais os do saudoso Festival da Canção, Oberdan Alves Silva, Marcos Hoffman, Hermância Maria, Renato Buiú, Toninho Carcará, Francisco Mendes (Chico’s Bar), Cicinha Brandão, Aretusa, Luciano Bispo, sem falar dos trovadores, Edson Oliveira, Fredy Clóvis, Sandoval, Ronaldo Macarrão, Nozinho do Xaxado, entre outros. Há ainda os poetas singulares, Alessandra Figueiredo, Oberman Alves Silva, Anderson C. Sandes, Luiz Orleans, Luciano Aguiar, Marlos Ribeiro, Ezequiel Fernando (Quiel) que fazem poesia de grande singularidade. Para tanto, a história da literatura delmirense será contada em futuros capítulos, com imersão na vida e obra de cada um dos nossos artistas.
Na contemporaneidade temos bons escritores, uns apenas conhecidos em pequenos círculos literários, embora saibamos que o NELA—Núcleo de Estudo e Pesquisa em Literatura Alagoana (UFAL/Campus Sertão) tenha nos ajudado à revelação da vida e obra de muitas estrelas líricas, do passado e do presente. Ainda é importante citar a Biblioteca do cineasta delmirense, o nosso Tairone Feitosa, como lugar de confluência e efervescência cultural e literária. É certo que de modo geral alguns dos setores delmirenses não tenham reconhecido, histórica e inclusivamente, o valor devido às produções culturais desta lavra, deixando aos nomes acima citados profundo ostracismo.
Embora diante deste horizonte infeliz, temos alguns novíssimos poetas, sujeitos da resistência literária, que merecem aqui uma apresentação. Estes são, o Leo Barth, o Mayk Oliveira, o Marcos Serafim, o José Londe, o José Amancio, entre outros. Todos eles envolvido em música, posição musical, publicações em revistas especializadas, cultura cinematográfica, artes visuais, fotografia e produção acadêmica multitemática.
Clara Costa (os dois últimos de Maceió), temos o trio que denominamos de Geração 19. Leo Barth é autor de versos como estes: “Roupas novas para a velha festa/Na cama à casa conversando/Entre a fome nossos/fogos permeados/bolachas hidrogenadas/Líquidos abrasados/Materializados”, que nos apresentam uma inquietude, relativamente às imagens aí contidas, das “roupas”, da “casa”, da “fome”, como um estranhamento de mundo exterior — da casa em seu cotidiano, na condição de esforço para manter de pé a rotina, que vai perdendo espaço às intrusões da mundanidade vazia exterior no lar. O poeta Leo Barth tem artigos literários publicados, em parceria imagética comigo, na revista Italiana Utsanga.
A poesia de Mayk Oliveira (1984) é espirituosa, nostálgica e rica em imagens inusitadas. Observe a fina ironia, ao narrar acontecimento burlesco, dos dias de sábado e domingo (e o autor mora próximo à feira livre, e observa atendo aos esmoles), que ganha grande valor estético no pequeno poema “Minha casa”, sobretudo pela presença de elementos ricos de imagens e rima precisa. Assim ele escreve: Minha casa recebe aos/domingos, /famintos a esmo/Tantos vindos e instalados/ que faltam migalhas aos/ mesmos/Um rico a pechinchar/recobre o sobrebolso/— um punhado de torresmo. Mayk tem artigos literários publicados, em parceria imagética comigo, na revista Italiana Utsanga, na Revell (Revista de Estudos Literários da UEMS) e na Revisa de Educação da UnG — Universidade Guarulhos.
Marcos Serafim (1975) é um mototaxista de quase dois metros de altura, que nas horas vagas toca Bach e Vivaldi ao violão. Aficionado por Mozart e Beethoven, pinta telas em estilo neoimpressionista, enquanto escuta seus compositores prediletos, e por vezes Pink Floyd e Legião Urbana. Considera Renato Russo um dos nossos grandes poetas, sobretudo por causa da sua obra-prima "Metal contra as nuvens". Atualmente Marcos estuda a poesia de Fernando Pessoa e Antero de Quental. Lembro-me que na juventude era leitor frequente de “Eu e outros poemas”, livro de Augusto dos Anjos. Hoje sua poesia carrega profunda sabedoria: “Você fortemente respira — e ouve a respiração em silêncio/Torna-se introspectivo só para alguns pensamentos/Contempla e tem virtude em se pensar que libertar-se/é desprender-se de si mesmo”. Estreia no livro “Novos Poetas Alagoanos — cena um!”.
A escrita do professor José Londe (1974) é trágica. Mestrando em Filosofia pela USF, ele mesmo afirma inspirar-se no Existencialismo francês, em Søren Kierkegaard e na filosofia de Diógenes de Sinope. O poeta das praças, o homem que lê à sombra rica de uma árvore é pessoa de subjetividade complexa. Como professor de escola pública e que nunca pôde alegrar-se com a casa própria, escreve: “Não importa-me se eles possuem uma casa/O que importa-me é não sê-la possuído/A casa é deles/Eu não tenho uma/Sou desalugado, desolado, e mesmo assim, /não busco um teto”. De fato nenhum poeta busca um teto... Londe é livre pensador, e inclusive entre 2017 e 2018 publicamos juntos meia dúzia de artigos de investigação filosófica, em revistas científicas, só para termos uma ideia de que tal escrita é muito considerada lá fora. Estreia também no livro “Novos Poetas Alagoanos — cena um!”.
Marcos Serafim, José Londe e José Amancio (pseudônimo de Wellington Amancio da Silva) iniciaram sua escrita ainda na década de 90, em versos construídos às três mãos. Desde então nunca se separaram dos projetos literários, artísticos e acadêmicos, e cultivaram a amizade de poetas maiores, tais como Virgílio Gonsalves e Argemiro Batalha.
É preciso considerar ainda que os cinco poetas acima apresentados talvez sequer representem “a ponta do iceberg” da nova poesia delmirense, sem considerar o imenso acervo de textos inéditos e de história de vida do Poetas Originários e daqueles nobilíssimos do Festival da Canção, evento que na década de oitenta abrilhantou nossa cultura, deixando importante legado às gerações presentes e vindouras.
Sobre os novos suportes, temos a Editora Parresia (do it your self) que publicou em livro uma complicação de versos e poemas destes novos autores. Trata-se do livro “Novos Poetas Alagoanos — cena um!” (ISBN: 978-65-80275-07-6), cujo significado fora expresso pelo poeta Leo Barth, “A coletânea se processa ao contrário do fluxo ‘normal’. Aqui, nós, com autonomia, inserimos os irmãos de lá (Maceió) sem considerarmos como ‘outros’. Fato incomum que denota a destreza e espírito underground sertanejo, de desfazer o encerramento de uma corrente de síndrome de vira-latas.”
É preciso considerar ainda que a Editora Parresia publicou, sem estardalhaços, outros seis livros: “O Sertão em Dirceu Lindoso”, de José Carlos Rodrigues dos Santos, e os livros de ficção, “O Reneval”, “Epifania Amarela”, “O Quasi-Haikai”, “Distímicos e Extrusivos” e “Elegia da Imperfeição”, de José Amancio, editor fundador da Parresia. Tal produção circula, por assim dizer, entre os “iniciados”. A editora objetiva trazer à luz, no formato livro e em eventos, a produção engavetada dos nossos poetas e ficcionistas. Assim, não objetivando lucros, todos os envolvidos sabendo que literatura, sobretudo poesia, “não vale um vintém”, não vende muito, lembram-se de Ovídio (43 a.C.), o autor das “Metamorfoses”, que dizia “as folhas de louro que coroam os poetas servem apenas para temperar o arroz”.
Há muitos nomes importantes que aqui não citamos, nos desculpem, por favor. Mas acreditamos que a História da Literatura Delmirense está sendo reescrita neste instante, enquanto você lê este artigo. Sou muito grato ao professor Marcos Hoffmann, pelas informações importantes, sem as quais não seria possível a apresentação deste artigo. Homenageio os fundadores do Festival Da Canção, Pedão, Hermancia, Alaíde. Exalto a memória do professor Antônio Leal, também um fundador.
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