Em obediência ao meu imperativo categórico (como dizia Kant), deixei o ócio de um domingo-ruminante e fui-me, estrada à fora, objetivando ganhar o dia em busca do poeta. Poeira no rosto, amada na garupa, motocicleta corajosa, jaqueta preta, empoeirada — cheguei no “ponto alto” do povoado Morros, e tive sorte! Sim, encontrei o homem!
Fui muito bem recebido por Dona Dulce, em sua Chácara Santa Clara. E logo após, assentei-me na varanda, em pequena cadeira de forro verde-cana, para ouvi as histórias do seu esposo, o poeta. Quem é ele? Seguramente um dos nossos maiores! Enquanto o fotografava, me convidou para entrar, nos assentamos no sofá marrom. Num canto daquela sala há uma estante pequena e uns cadernos grossos, usados. Nesses, escrevera suas poesias, ainda inéditas. Enquanto contava a sua história, tomávamos suco de manga com melancia, comíamos um queijo de primeira.
Segundo me disse, escreve “versos parnasianos que falam da nossa terra e da nossa gente”. É autor de “Sertão, saudade e Lirismo”, lançado em 2011, em 3.000 cópias, todas doadas, sobretudo a professores e alunos. Quem se lembra? Sim. É ele mesmo! Você acertou. É o nosso Severino de Souza Neto. Poeta, compositor, contador de histórias, caatingueiro, memorialista e palestrante. Autor de versos de grande sensibilidade poética e afetuosas descrições, tais como: “Ser poeta é unir-se ao murmúrio/da brisa que traz cheiro de mato/e depois, em silêncio, em fulguro/descrever a beleza do regato”. É uma figura de alto quilate, com seu inseparável boné jeans e o violão. Nascido no Sítio Santa Clara, no município de Zabelê, Paraíba, 18 de Julho de 1950. Chegou em Delmiro em 1969 e nunca mais quis outro lugar. Filho de Manuel Izidório de Santana e de Rita de Souza Izidório.
Começou a escrever aos 11 anos de idade, e logo tomou gosto pela poesia de cordel. Passava as manhãs e as tardes escrevendo versos, sentado num banco de aroeira da casa de taipa dos seus pais. O poeta nos disse que no seu caso o dom da escrita é hereditário, em alusão ao seu avô Severino de Souza Lima, violeiro e poeta, do qual herdou a “arte da Calíope”. “Na minha época, para estudar era difícil. Eu caminha dois quilômetros até chegar na escolar e concluir o Primário” — disse Severino — “E quem sabe ler, querendo ler aprende” [poesia].
Castro Alves, Augusto dos Anjos, Zé da Luz, Gonçalves Dias e o autor de “Os Lusíadas”, Camões, são suas maiores influências. Gosta dos poetas-repentistas, Ivanildo Vilanova, Sebastião da Silva, Moacir Laurentino, Eraldo Amâncio, Valdir Teles, Os Nonatos, e outros, que reconhece como homens de “intelectualidade bastante avançada, de inteligência fora de série”. Em matéria de música, escuta uns boleros, valsas e tangos. Nelson Gonçalves, Ataulfo Alves, Altemar Dutra são de sua predileção.
Severino nos disse que pausou sua escrita logo após casar-se, sobretudo quando nasceram os filhos, porque resolveu dedicar-se exclusivamente à família. O retorno à escrita ocorreu quando após “família criada”, encontrou o amigo Zé Carlos Leão, da Fazenda 44 (em Delmiro Gouveia), e o amigo do Pajeú, o Luiz Bezerra. Sabendo eles que Severino gostava de repentistas, convidavam de quanto em quando para assistirem as “cantorias” dos poetas-repentistas. Nesse período, participava de comissão julgadora de festivais.
Ele nos disse:
“Certa feita a gente conversando e tal... eu disse — ‘Eu gosto muito da poesia’, e declamei um soneto que eu escrevi. Eles disseram — ‘Mas rapaz, por que você não continua?’. Eu disse — ‘Não tenho tempo disponível no momento’. Isso foi mais ou menos há quinze anos atrás. Daí eu comecei a ler e a escrever. Então, quando eu estava de folga no trabalho, eu escrevia. E eles começaram a me dar uns tema e eu comecei a desenvolvê-los. E foi-se acumulando o material, e quando meu filho já padre [Frei Wellington Jean de Souza] veio, conhecia o meu dom, meu material, e eu já fazia os “plágio” (paródia) lá da Paraíba, com 11 ou 12 anos, com músicas para os políticos, cantava em cima do caminhão — eu pegava a melodia e fazia as músicas para os políticos lá. Eu comecei a juntar o material. Meu filho olhou — por sinal foi ele quem corrigiu tudo e publicou”.
Entrevista
Wellington Amâncio da Silva — O Senhor me disse que ama a cidade de Delmiro Gouveia. Nos explique, por favor.
Severino de Souza Neto — O convívio. O delmirense é pacato. O delmirense é hospitaleiro. Os delmirenses de verdade são acima da média. Foi o que mais me cativou. São pessoa amigas. Pode ter certeza: algumas coisa [ruins] que acontecem em Delmiro Gouveia (porque em toda cidade acontece...), 90% eu tenho certeza que não são delmirenses.
Wellington Amâncio da Silva — E sobre o patrimônio público em nossa cidade?
Severino de Souza Neto — O maior monumento histórico foi deteriorado, na minha concepção, que era a Fábrica da Pedra. O monumento histórico delmirense era a Fábrica da Pedra, que além de sustentar os familiares delmirenses, também tem uma história grandiosíssima. Para minha tristeza hoje em dia está deteriorada... não só para mim, como para toda família delmirense.
Wellington Amâncio da Silva — Seu Severino. Eu tenho a impressão de que não se valoriza devidamente a cultura por aqui...
Severino de Souza Neto — Porque infelizmente hoje em dia estamos vivendo um tempo em que não se dá mais valor à cultura. Não é verdade? A cultura principalmente de poesia, uma poesia parnasiana a qual eu escrevo, já é arcaica demais para o modernismo, mas eu continuo. Gosto de escrever o parnasiano e só escrevo o parnasiano.
Wellington Amâncio da Silva — É possível viver de poesia?
Severino de Souza Neto — Não dá. Só dá para aqueles que se profissionalizam. Realmente como os poetas repentistas, que são profissionais. Estes sobrevivem da profissão.
Wellington Amâncio da Silva — Qual primeiro livro o marcou profundamente?
Severino de Souza Neto — Para ler eu ganhei um livro de José da Luz, que meu primo ofertou. Mas eu já lia muito cordel: “O pavão misterioso” e o “Valente Zé Garcia”, de João Martins de Ataíde, que foi um dos maiores romancista de cordéis que eu conheci. Há muitos cordelistas bons, mas eu sou fã dos romances de Ataíde.
Wellington Amâncio da Silva — E sobre a leitura de Castro Alves, Augusto dos Anjos, e outros. Como ocorreu?
Severino de Souza Neto — Eu tive acesso a esses livros em Delmiro, na Biblioteca Municipal. Mas além desta biblioteca, eu tinha acesso a Biblioteca Municipal de Canindé do São Francisco, que é uma biblioteca riquíssima, que a diretora me emprestava os livros.
Wellington Amâncio da Silva — Em relação ao atual estado da nossa Biblioteca Municipal, o senhor acredita que é preciso ampliá-la, que é preciso investir na cultura, na leitura, nos livros...?
Severino de Souza Neto — Óbvio. Claro! Tem que investir! Se não houver investimento a história, a cultura morre! A Biblioteca é um passo gigante para a cultura. Sem livros não existe a história.
Wellington Amâncio da Silva — Como o senhor adquire seus livros?
Severino de Souza Neto — Meus filhos me doam livros. Quando eles acham interessante, porque eu gosto de ler. Eles dizem “este livro parece com meu pai”. Aí eles me dão. Raramente eu faço uma indicação. Fica a gosto deles.
Wellington Amâncio da Silva — Em matéria de poesia, o que é o senhor tem para a gente?
Severino de Souza Neto — Eu tenho bastante material aí escrito, já, e para um novo livro. Mas eu vou deixar aqui declamado um dos sonetos. Este soneto é inédito. O título do soneto é “O Pranto”. Eu vou contar a história desse soneto: na frete da minha casa havia dois pés de fícus (Ficus benjamina), que começaram a deteriorar a casa e fui obrigado infelizmente a cortá-los. E eu estava sentado ali, com a pranchetinha, meio dia, e iam passando três crianças correndo. Logo próximo assim, um tropeço e caiu, se ralou todo, saiu chorando, e os outros rindo. Aí, eu vi aquelas lagrimas sentidas, descendo mesmo! bastante lágrimas! E eu captei! Entendeu? Aí a musa me visitou e eu escrevi “O Pranto”, este soneto, que diz: “As agruras de um desgosto/ fere o peito e tira a calma/O pranto ao banhar o rosto/ lava a tristeza da alma/Verter pranto não é trauma/ nem tão pouco é indecente/É analgésico e acalma/ a dor que o peito sente/A mágoa vai machucando/ e os olhos vão mostrando/ que a tristeza se avulta/ E as lágrimas que sai do pranto/Vão rasgando o negro manto/ da dor que estava oculta.
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