A Modernidade inicia-se em São Paulo, entre os dias 11 e 18 de fevereiro de 1922, no que se convencionou chamar de “Semana da Arte Moderna”. Consistiu-se basicamente de uma abordagem nova, cosmopolitana e artística sobre as raízes culturais do país. O exemplo da pintura é emblemático, porque resume tal conceito, a que a maioria dos seus artistas incorporavam técnicas europeias (do cubismo, do fauvismo, do futurismo, do expressionismo, et cetera) para retratar e reinterpretar, “as raízes da cultura brasileira”. O espirito de renovo da Semana da Arte Moderna de 1922 vai chegar muitas décadas depois em Delmiro Gouveia, de modo não concomitante, nas modalidades artísticas (música, dança, teatro, artes visuais e literatura).
Partindo desse princípio, isto é, do tratamento do “regional”, do “tradicional” e do “local”, por meio de ferramentas, abordagem e interpretações antípodas, “advindas de fora”, podemos hoje dar início à discussão acerca da modernidade delmirense. E esta, para que se saiba, fora e é intermitente em suas manifestações, ou seja, ocorreu de modo fragmentado, com independência entre as modalidades artísticas e em etapas multifacetadas. Nos ocorre que a modernidade delmirense busca desde sempre se consolidar como expressão para além da cultura regional delmirense. Esta, por vezes, vai beber em fontes diversas da modernidade do Sul e Sudeste do país.
Assim, quando falamos de música em Delmiro Gouveia, de fato somos possuidores de uma tradição de cunho regionalista, de intercâmbio antiguíssimo com a cultura luso-ibérica, indígena e africana — e tem auge entre as décadas de 50 e 70 —, pautada no forró, no xaxado, no scottish (xote), na polka, no samba carioca e samba crioulo, na valsa, no cavalo manco, nos diversos ritmos do Reisado, do coco, do guerreiro, da embolada, do folguedo. Dentro da tradição do forró presenciamos expressões de altíssima qualidade, inclusive registradas em vinil e cassete, como no caso do saudoso amigo Nozinho do Xaxado.
Sem se extinguir de todo, nossa musicalidade tradicional vai paulatinamente decaindo-se a partir do adentramento da Jovem Guarda e de algo da Tropicália veiculadas pela Rádio Clube de Pernambuco, Rádio Sociedade da Bahia, Rádio Bandeirantes, Rádio Record e através das rádios de Penedo, de Feira de Santana e de Petrolina, sintonizadas todos os duas nos rádios dos delmirenses. Em seguida, aquelas novas tendências musicais são tocadas nas boates e reforçada pela cultura do vinil, em discos que chegam sobretudo de Recife, Paulo Afonso. É de se considerar ainda a presença do “proto-prega” (as músicas românticas e sorumbáticas de cantores novos inspiradas nas baladas de Roberto e Erasmo Carlos e que embalavam as danças coladas nos cabarés da periferia, até a década de 80).
A partir dos últimos anos da década de 70, Delmiro Gouveia viveria uma revolução musical/cultural sem precedentes. Nossa música, porém, se transmutaria em “outra”, em novidade, com o advento da MPB, abraçada pela elite intelectual/estudantil, nascida nos áureos tempos, nos grandiosos eventos culturais da Escola Cenecista Vicente De Menezes. Os festivais culturais da Cenecista influenciaram os Festivais da Canção. De fato, a grande virada musical se deu com o Festival da Canção, aí nasceu a Modernidade Musical Delmirense. E nunca antes em nossa história a música autoral ascendeu a tão alto nível, no que se refere à composição, execução, poesia e letras. Noutro momento, essa história deverá ser contada com profundidade.
O Festival da Canção foi e é a expressão maior da Modernidade Musical Delmirense. Em toda aquela sua produção entende-se claramente a escolha por um universalismo fincado tanto na realidade problemática do mundo, quanto nos dilemas particulares do universo local, em sua complexidade humana — o que corresponde aos mais fortes preceitos do Modernismo de 22.
Segundo relatos, a nossa música esteve em sintonia com a Tropicália, com a Modernidade Paulista, com Gil, Caetanos, Elis Regina e outras referências à produção de música autorais com seu devido ineditismo, de tal modo que essas músicas eram somente estreadas nos Festivais. Esse momento musical, em Delmiro Gouveia, fora tão em expressivo, intenso e contemporâneo, que num desses festivais, diga-se de passagem em plena Ditadura Militar, adveio uma “Censura chegou para fechar tudo!”, segundo Oberdam, “porque a Banda Bafo da Cana tocou e cantou uma música proibida”.
Antônio Leal é figura central na Modernidade Musical Delmirense. Participou da fundação do Bloco Bafo da Cana, em 1969, além de ter sido um dos responsáveis pelos Festivais da Canção. Outro participante ativo dos Festivais e da cultural delmirense como um todo, o professor Marcos Hoffmann, nos informou que após os últimos Festivais, artistas como Rubens de Sá, Joelzinho, Oberdan, Buiu, Sandoval e Chicos Bar seguiram com suas carreiras consolidadas e prestigiadas, fazendo apresentações locais e em outras cidades.
Um caso atípico da nossa modernidade, de tradição rocker em Elvis Presley, é o caso do ilustre Ronaldo Macarrão (RIP), que segundo Paulo da Cruz recebeu carta dos Beatles na década de 60 e foi um acontecimento, uma prova do intercâmbio e da mentalidade cosmopolita de alguns delmirense. Macarrão era fã de Ringo Starr e ia pedir-lhe uma bateria (coisa raríssima de se encontrar em cidades pequenas). O rock em Delmiro passava pelo Bar do Maninho e pela Sorveteria do Zé Raul, dois pontos de encontros dos roqueiros; nestes dois points havia as trocas de informações sobre as novidades do universo britânico e norte-americano musical. Macarrão era um raulseixista de carteirinha e certamente foi a figura mais marcante dessa vertente moderna da música em Delmiro Gouveia.
Como é notório, o fundador da Semana Delmiro Gouveia, em 1981, foi o saudoso Fred Cloves, homem versátil, cuja musicalidade representou-nos a segunda fase da Modernidade Musical Delmirense (um tanto mais fragilizada). Ele trazia as influências de Raul Seixas, Titãs e do movimento do rock nacional. Suas canções são divertidas e polêmicas, e suas apresentações eram teatralmente intensas, ou “aluadas”, como ele mesmo dizia — quem as assistiu sabe o que estou dizendo. Do seu repertório, se destaca a conhecidíssima e clássica “Amor Animal”. A Semana Delmiro Gouveia buscava reconsolidar a modernidade cultural e artística do município, pois naquele momento, estando desde sempre ativa, encontrava-se um tanto dispersa. Este Evento era um dos sonhos de Fred Cloves, o qual tinha sentido de agregar as diversas modalidades em nosso município.
Relativamente à Moderna Literatura Delmirense, Suely Oliveira é uma das maiores referência. Antes dela nossos poetas festejavam nossa terra, nossa gente e nossa paisagem, sobretudo em belíssimos versos cordelistas. Suely Oliveira trouxe-nos coisa nova, trouxe-nos verso que lançam luz sobre a subjetividade e a psiquê humana, suas inquietações e mistérios, segundo a tradição de Cecília Meireles, Clarice Lispector, Auta de Souza, Nísia Floresta, Carmem Dolores e Delminda Silveira. É notório que escreva literatura de alta qualidade, seja quanto ao grau da sua estilística, ou à sua intensidade poética. É reconhecida hoje num círculo literário pequeno, porém fiel. Tem admiradores, inclusive entre nossos jovens poetas, todavia não teve ainda o merecido reconhecimento público, nunca fora festejada, honrada ou exaltada se considerarmos sua grande contribuição à nossa cultura, sequer teve livro publicado. É certo que sua obra, se publicada completa, lhe renderia um lugar perpétuo entre os poetas alagoanos e nacionais. Seus poemas logo foram cantados e premiados nos Festivais da Canção, sendo até hoje lembrados pelos amigos. Conta-se relato que nos aproximam do seu espirito inquieto e do valor da sua obra — diz-se que parou de escrever durante anos, tudo por causa de um intruso que a vitimou “roubando-lhe” sua fortuna: dezenas dos seus melhores versos manuscritos.
Se Argemiro Batalha, que atuava como o velho palhaço Zeca Galo, era uma das principais figuras da artes circenses delmirense, durante os anos 60 e 70, então pode-se dizer que durante a década de 80 e início dos anos 90, Marcos Hoffmann, Hermânia, Toninho, Joval pai de Hermânia, Rubinaldo, Alex Alves, Wellida Stefania, Wilma Rogers, Lúcio Alex, Sandra de Eurico, Olga e David, foram os continuadores das artes teatrais, todavia com elementos da modernidade. Como nos disse Hoffmann, “na maioria das vezes as peças eram cômicas”, e Argemiro ainda dirigiu algumas delas.
O fenômeno da Modernidade da Arte Visual Delmirense ocorreu ao final da década de noventa e início dos anos 2000, não conseguindo perdurar sequer durante a metade de uma década, definhando-se o grupo, devido à sombra de forças opostas e de interesse não artísticos e estilísticos, de “gente de fora”, como se dizia. Naqueles tempos, a efervescência foi tamanha que reuniram-se dezenas de artistas plásticos, numa produção febril que desencadeou em exposições individuais de grande reconhecimento e em diversas capitais do pais, inclusive na Universidade estadual do Rio de Janeiro. Até o saudoso Beto Leão, consagrado artista plástico e secretário estadual de cultura à época, esteve presente entre nós.
A Casa da Arte foi fundada em 2001 por Toninho Carcará e Luciano Bispo, que desenvolveram um Manifesto escrito de grande importância história e convidou diversos artistas plásticos, muitos deles trabalhando na surdina. A Casa da Arte reunia a nata dos artistas plásticos delmirense, oportunizando exposições de obras diversas, sendo um acontecimento incomum no interior das Alagoas. Por exemplo, dos que até hoje estão na ativa, Luciano Bispo retratava a cultura regional a partir de abordagem típica da Modernidade Paulistana, utilizando-se de técnicas e formas cubistas e surrealistas.
Ainda hoje na ativa, Tonho Carteiro nos apresentou suas belíssimas marinhas, muito queridas pelos delmirense ao ponto de muitas famílias terem uma das suas maravilhosa telas na parede mais em destaque da sala. Ronaldo nos apresentou uma beleza de arte figurativa, cuja temática principal passeava em torno do Fundando do município e de duas realizações. Ronaldo é, por assim dizer, nosso pintor oficial, sendo solicitado para retratar os patrimônios culturais delmirenses. Havia outros nomes, como Aretusa que pintava temáticas românticas ao estilo de Tarsila de Amaral e Wellington Amancio, cuja pintura transitava entre o abstracionismo e o figuratismo surrealista.
Não se pode esquecer, porém, da primeira exposição de arte moderna em Delmiro Gouveia, apresentada no antigo Clube Vicente de Menezes, em 1999, sob a curadoria do Prof. Marcos Hoffmann, importante personalidade da cultura delmirense, participante dos Festivais da Canção, dos movimentos estudantis e do teatro moderno delmirense, e que para este texto deu seus contributos.
Para saber mais: http://amigosdedelmirogouveia.blogspot.com/2009/03/um-mito-delmirense-ronaldo-macarrao.html
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