Imagine que você, ao organizar uma gaveta ou limpar a caixa de e-mails, tenha encontrado ali um boleto de dois anos atrás, de valor altíssimo, cuja existência era desconhecida. E, mesmo que não seja agora, essa conta terá de ser paga em algum momento.
O exemplo acima é simplista, mas ajuda a explicar de forma bastante resumida um tema complexo que agita os bastidores do Corinthians. A gestão do presidente Augusto Melo apura a existência de um rombo milionário que não foi contabilizado no balanço financeiro de 2023, último ano do mandato de Duilio Monteiro Alves.
Enquanto aliados da atual diretoria falam em fraude e "maquiagem financeira", conselheiros e membros da oposição do clube veem o caso com suspeita e apontam uma possível manobra com fins políticos.
Entenda a polêmica
Ao formular o balanço financeiro de 2024, o Corinthians identificou valores a pagar que já deveriam ter sido lançados nas contas do ano anterior.
O tamanho dessa dívida ainda é incerto. Diferentes fontes ouvidas pelo ge apontam que o rombo deve ficar entre R$ 150 milhões e R$ 200 milhões, mas há versões com números maiores e menores. O montante exato só será descoberto ao final da apuração que é conduzida pelo clube.
Tais cifras são referentes principalmente a dívidas tributárias que ainda estariam em discussão na Justiça. Segundo a análise inicial do Corinthians, os valores deveriam ter sido lançados no balanço de 2023 como "provisão para contingências". Sem essa identificação, o clube teria apresentado um resultado financeiro muito melhor do que o real.
As provisões para contingências nada mais são do que uma reserva para disputas nos tribunais que o clube entende ter chance considerável de derrota. Ao final do ano, os advogados listam todos os processos em andamento e os separam de acordo com três níveis de risco de perda: remota, possível ou provável. Os que se enquadram nesta última classificação precisam entrar no balanço.
Em 2023, as contas do Corinthians registraram uma provisão para contingências de R$ 10,6 milhões. Em 2022, o valor era de R$ 25,4 milhões.
Outra parte desse suposto rombo não contabilizado em 2023 é referente a juros de uma dívida tributária - neste caso, o balanço teria apresentado apenas o valor do "principal".
Como isso não foi descoberto?
O balanço financeiro do Corinthians de 2023 foi auditado pela RSM, empresa multinacional que não presta mais serviços ao clube. No lugar dela, a gestão de Augusto Melo contratou a GF Brasil Auditoria & Consultoria, de menor porte.
Além da auditoria externa, o documento foi revisado pelo Conselho Fiscal e pelo Conselho de Orientação (CORI) do clube e aprovado pelo Conselho Deliberativo - todos estes órgãos com membros empossados já em 2024.
Inicialmente, a diretoria alvinegra pensa em "abrir" o balanço de 2023 e fazer as alterações, prática que não é comum, mas é possível na contabilidade.
Tudo isso gera ainda mais discussão e polêmica nos bastidores do clube, que já estão em ebulição por outros motivos. Um deles é a demora para apresentação das contas do ano passado.
O último balancete financeiro divulgado pelo Corinthians foi o de setembro de 2024. A diretoria tinha se comprometido a enviar ao CORI todas as contas até o último dia 1º, mas a promessa não foi cumprida. Já se sabe que o documento apresentará resultado financeiro negativo e aumento da dívida em mais de R$ 400 milhões.
Ciente da gravidade de mexer em um balanço já auditado e aprovado pelos órgãos de controle do clube, o Corinthians decidiu contratar a consultoria de Eliseu Martins, tratado como um dos maiores especialistas em contabilidade do Brasil. Ele emitirá um parecer sobre o caso.
Problema repetido
Essa não é a primeira vez que o Corinthians lida com um imbróglio do tipo envolvendo um balanço financeiro já fechado. Em 2017, o diretor financeiro Emerson Piovezan afirmou que as contas de 2014 foram maquiadas em R$ 328 milhões.
O responsável por tal manobra, segundo Piovezan, foi o ex-diretor financeiro Raul Corrêa.
Antes aliado do grupo político de Andrés Sanchez, Raul Corrêa se aproximou de Augusto Melo, foi nomeado diretor cultural do Timão em 2024 e indicou Pedro Silveira para chefiar o departamento financeiro. Apesar da familiaridade com o assunto e de ter nomeado o diretor da área, ele nega participar das discussões econômicas e da elaboração do balanço do clube, hipótese ventilada por oposicionistas políticos.
Já no ano passado, durante evento batizado de "Dia da Transparência", o Corinthians informou uma dívida fiscal de R$ 220 milhões que não estava originalmente contabilizada no balanço de 2023. Porém, dias depois o valor foi corrigido para 106 milhões. CLIQUE AQUI para entender o imbróglio.
O que dizem os envolvidos
O Corinthians só irá se pronunciar após concluir as apurações sobre o caso. Em nota divulgada na semana passada, em que tratava de assuntos ligados ao CORI e ao balanço financeiro de 2024, o clube informou que reconhecerá "dívidas herdadas de gestões passadas que não estavam contabilizadas anteriormente."
Por meio do ex-diretor financeiro Wesley Melo, a gestão de Duilio Monteiro Alves afirmou que está disponível a prestar todos os esclarecimentos necessários, mas que só irá se manifestar após tomar conhecimento dos fatos. Até o momento, os antigos gestores não foram informados dos valores exatos dos passivos encontrados nem a que eles se referem.
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