Uma operação conjunta da Polícia Federal (PF/AL) e do Ministério Público Estadual (MPE/AL) cumpre, na manhã desta sexta-feira (29), mandado de condução coercitiva contra o prefeito de Canapi, Celso Luiz Brandão (PMDB).
O gestor e outras cinco pessoas, entre elas o secretário de Finanças do município, teriam envolvimento, segundo o MPE/AL, em desvio de dinheiro da prefeitura, através de transferências ilegais realizadas para contas de pessoas físicas que jamais prestaram serviços ao Poder Executivo.
Conforme a investigação, grandes quantias em dinheiro foram transferidas, de maneira não justificada, de conta da prefeitura para pessoas identificadas como Joel Belarmino Lima da Silva, Pedro Alves da Silva, Manoel Minervino de Farias e Cícero Inácio de Lima, todos ligados politicamente ao prefeito Celso Luiz.
De acordo com a Promotoria de Justiça da comarca de Mata Grande, que, em abril deste ano, ofereceu denúncia do caso, em pouco mais de um ano, o esquema já teria causado um prejuízo de R$ 10 milhões ao erário.
As informações da suspeita de desvio de recursos federais foram compartilhadas pelo MPE/AL com a Polícia Federal, que também já tinha outras investigações em curso contra a referida prefeitura, como indícios de fraude em licitações e aquisição ilegal de fraldas descartáveis compradas com verba do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).
Além disso, a Polícia Federal também investiga o não repasse dos valores referentes aos descontos dos empréstimos consignados de professores remunerados com recursos do mesmo Fundo. A apuração está a cargo do delegado Antônio José Silva Carvalho.
Ao todo, na ação desta sexta-feira (29), foram cumpridos dois mandados de condução coercitiva e 13 mandados de busca e apreensão nas cidades de Canapi, Mata Grande e Maceió. Celso Luiz foi encaminhado à Superintendência da PF/AL, no bairro do Jaraguá, onde será ouvido por promotores de Justiça e delegados federais.
A investigação
O Ministério Público do Estado de Alagoas (MPE/AL) ajuizou uma ação cautelar preparatória de ação civil de responsabilidade por atos de improbidade administrativa, na última quarta-feira (27), contra Celso Luiz Tenório Brandão, e mais cinco servidores públicos. A ação foi proposta pelo promotor de Justiça de Mata Grande, Cláudio José Moreira Teles, juntamente com José Carlos Castro, Napoleão Amaral Franco, Anderson Cláudio de Almeida Barbosa e Karla Padilha Rebelo Marques, promotores de Justiça do Núcleo de Defesa do Patrimônio Público.
Os servidores apontados na ação são Carlos Alberto dos Anjos Silva, secretário Municipal de Finanças; Jorge Valença Alves Neto, secretário de Assuntos Estratégicos; Chaplin Iachdneh Varejão Pascoal de Oliveira, chefe de Divisão de Execução Orçamentária da Prefeitura de Canapi; Francisco Barbosa da Silva, controlador Interno; e Lucileide Canuto dos Anjos Silva, servidora pública municipal. Todos, incluído o prefeito, acusados de desviar dinheiro dos cofres da Prefeitura.
De acordo com o MPE/AL, a investigação começou há três meses, depois de uma representação formulada à Promotoria de Justiça de Mata Grande, onde existiam denúncias sobre a existência de “práticas ilícitas dentro do município de Canapi, envolvendo malversação de recursos públicos”, garantindo que as irregularidades estariam ocorrendo há três anos e incluíam “transferências on-line injustificadas de recursos das contas da Prefeitura para terceiros beneficiários, a título de DOCs e TEDs”. Havia verba própria do Executivo e também da União.
O esquema
Com base nessas informações, a Promotoria de Justiça de Mata Grande - comarca da qual Canapi faz parte - e o Núcleo de Defesa do Patrimônio Público começaram as investigações e chegaram ao montante de R$ 10 milhões desviados somente no período de janeiro de 2015 a fevereiro de 2016. E durante esse tempo, o mês que mais chamou atenção dos promotores foi o de dezembro do ano passado, quando o volume de transferências ilícitas teria sido ainda mais expressivo, coincidindo, inclusive, com o período em que foi depositado o precatório do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef), no valor de R$ 15 milhões.
Para chegar a esse montante, o Ministério Público requisitou a quebra dos sigilos bancários da Prefeitura de Canapi e das pessoas apontadas na representação. De posse dos extratos, ficaram comprovadas transferências vultuosas para as contas correntes dessas pessoas após análise por meio do Sistema de Investigação de Movimentações Bancárias (Simba). A partir daí, foram requisitados à Prefeitura os contratos que, supostamente, foram assinados para que os acusados locassem veículos ao Município. Apesar de alguns deles existirem de fato, todos têm indícios de serem falsos, haja vista que os contratados jamais tiveram os caminhões que aparecem nos documentos que previam serviço de abastecimento de água por meio de carros-pipas.
Num dos contratos, por exemplo, Cícero Inácio de Lima aparece como beneficiário de mais de R$ 1,1 milhão. Para receber esse valor, ele teria que ter locado à Prefeitura um trator de esteira, um caminhão Mercedes Benz 710 e outro caminhão Mercedes Benz l1620. “No entanto, chama atenção em sua situação o fato de que Cícero, conhecido como “Moqueca”, é morador da cidade de Mata Grande e tem como atividade principal somente o trabalho como vigilante noturno do Posto Oásis, localizado naquela cidade. Há notícias de que seja também servidor público municipal. Jamais foi identificado na cidade como proprietário de veículos automotores, a não ser uma motocicleta de baixa cilindrada. É uma pessoa manifestamente pobre, moradora de uma casa humilde em conjunto popular da cidade. Suas condições econômica e pessoal são absolutamente incompatíveis com a situação de quem recebeu em sua conta-corrente, somente entre janeiro/2015 e abril/2016, a soma de R$ 1.172.273,06 oriundos da Prefeitura Municipal de Canapi, conforme aponta o Relatório do Sistema Simba”, aponta a ação cautelar.
Procurações para fins ilegais
O Ministério Público também descobriu a existência de um esquema de procurações com o objetivo de desviar recursos públicos. Para isso, dois núcleos foram formados e o primeiro deles é comandado por Carlos Alberto dos Anjos da Silva, atual secretário de Finanças de Canapi. Por meio de comprovações nos cartórios de registro e notas, constatou-se que ele foi constituído “procurador com poderes ilimitados” para representar e movimentar as contas correntes ou poupança de Pedro Alves da Silva e Lucileide Canuto dos Anjos Silva. Esta última, esposa do secretário. Eles receberam, em apenas 13 meses R$ 1.723.427,06 e R$ 886.375,67, respectivamente.
Pedro Alves da Silva, para ter sido beneficiado com esse pagamento, precisaria ser dono de dois tratores de esteira 7D, dois caminhões Volvo FG440 e um caminhão Mercedes Benz 1418, veículos que constam nos contratos. “Pedro Alves ou Pedro Galvão, em verdade, possui como atividade profissional a singela comercialização de picolés caseiros, levada a efeito com o uso de um carrinho, por ele pessoalmente conduzido ao longo das ruas e logradouros de Mata Grande, o que torna até risível a esdrúxula a tentativa de transmutá-lo em empresário de expressão. É pessoa notoriamente pobre, que subsiste à custa de parcos recursos oriundos de um benefício previdenciário. Sua família é também beneficiária do programa Bolsa Família”, alega o MPE/AL.
Inclusive, em depoimento prestado à Polícia Federal, o vendedor de picolés confirmou que jamais chegou em suas mãos qualquer centavo desse montante. “é agricultor; tem pouca leitura; mal sabe assinar o nome; recebe um benefício social do INSS; abriu uma conta no Banco do Brasil há muito tempo quando trabalhou na Prefeitura de Mata Grande como vigia; nunca foi dono de construtora; nunca foi dono de locadora de veículo; nos meses de dezembro de 2015 e janeiro e fevereiro de 2016 não prestou nenhum serviço para o município de Canapi; nunca recebeu dinheiro da Prefeitura de Canapi; chegou ao conhecimento do declarante que foram depositados mais de R$ 600.000,00 em sua conta; nunca recebeu esse dinheiro”, diz um trecho do termo de declaração prestado por Pedro Alves da Silva.
Já Lucileide figura como contratada pelo aluguel de um caminhão VW ao Executivo. “Lucileide possui com única atividade remunerada conhecida a percepção de proventos pelo cargo de professora da rede municipal de Canapi. Não é titular de qualquer empresa registrada em seu nome. Ademais, em sua movimentação financeira, inexistem quaisquer registros que indiquem ter a mesma adquirido veículos de grande porte. Ou seja, com supedâneo no rastreamento e cotejo de todas as informações relativas à beneficiária, depreende-se, sem maiores dificuldades, que os argumentos utilizados pela Prefeitura para justificar os vultosos repasses de dinheiro público do município são fantasiosos e absolutamente inconsistentes, posto que não resistem a uma análise ainda que superficial dos documentos disponíveis”, revela ação.
Jorge Valença Neves Neto, também secretário municipal, é o outro homem com poderes de procuração. É um conhecido comerciante em Canapi, possui um mercadinho na cidade, e há também informações de que emprestaria dinheiro a juros, exercendo assim a atividade de agiotagem. Segundo o que foi apurado até o momento pelo Ministério Público, ele teria emprestado dinheiro para o custeio da última campanha a prefeito de Celso Luiz.
Jorge Valença Neves Neto aparece como procurador de oito pessoas apontadas como “laranjas” pelo Ministério Público. José Santos Silva seria um deles e, da sua conta, o denunciado teria movimentado R$ 806.656,98. E para tal pagamento, o José teria que ter locado um carro-pipa ao Município. Porém, ele é dono apenas de uma caminhonete GM/Chevrolet D10 e de um Fiat Uno Mille.
“Diante de tais fatos, o Ministério Público supõe que, em verdade, diferente do quanto intenta demonstrar o prefeito municipal, está-se diante de um escandaloso esquema destinado a desviar recursos públicos, através da utilização dessas pessoas como “laranjas”, as quais possuem suas contas-correntes e contas-poupança disponibilizadas apenas para encobrir o real destinatário do dinheiro. Diante do quanto apurado até o momento, os fortes indícios apontam para o uso desses recursos desviados do município para o custeio de campanhas políticas e para o enriquecimento ilícito dos envolvidos e de terceiros, de acordo com os interesses do chefe maior do esquema, o prefeito de Canapi, Celso Luiz. Aliás, não poderia ser de outra forma. Afinal, na condição de gestor do Poder Executivo Municipal, dono da “chave do cofre”, ele figura como ordenador dos pagamentos das despesas fictícias realizadas e, por razões óbvias, parece ser o maior beneficiário do esquema. Quanto ao destino dos recursos ilicitamente desviados, indícios apontam para o seu uso em campanhas políticas para prefeito - a sua própria e a de seus parentes e aliados. Possivelmente em razão da caótica situação vivenciada em Canapi, Celso Luiz parece estar mais dedicado ao investimento na pré-campanha política de seu filho para prefeito de Mata Grande, já que, até bem pouco tempo, Luiz Pedro era um ilustre desconhecido no cenário político, o que exigiu do seu pai, político veterano e traquejado em disputas eleitorais no Sertão, pesados investimentos financeiros em sua campanha, já com ares de verdadeira campanha política (apesar da extemporaneidade), conforme atestam as fotografias acostadas e os depoimentos já colhidos”, afirmam os promotores de Justiça autores da ação cautelar ajuizada.
Afastamento dos cargos e bloqueio de bens
O Ministério Público pediu o afastamento de todos os acusados dos cargos que ocupam. Para os autores da ação, se permanecerem nas funções, eles vão dificultar a continuação das investigações. “Em primeiro lugar, os demandados, na condição de prefeito, secretários e servidores municipais, estariam ocultando documentos ou lhes dificultando o acesso, documentos esses essenciais às investigações. Aliás, em relação aos documentos já apresentados ao Ministério Público, há indícios de produção de verdadeira fantasia documental com o fito de se criarem dificuldades à elucidação dos fatos. Em segundo lugar, para evitar a repetição de novos atos de improbidade administrativa, que vêm sendo realizados mês a mês de forma rotineira e abusiva. A persistirem no livre exercício de seus cargos, ter-se-á um desfalque nos cofres públicos ainda mais profundo, já que a torneira continuará a fazer sangrar recursos do município. E em terceiro lugar, a fim de se permitir a livre coleta de novas provas para instruir a investigação desenvolvida pelo Ministério Público, inclusive com a oitiva de munícipes e servidores da Prefeitura, os quais podem se sentir intimidados”, argumentou o MPE/AL.
Também foi requisitado o bloqueio de bens de todas as pessoas alvo da ação. “Com vistas a assegurar o ressarcimento do prejuízo causado ao erário durante o período investigado, em face das condutas praticadas pelos demandados, requer o Ministério Público, em sede de juízo de urgência, o bloqueio de bens de todos os investigados, sob pena de ineficácia da medida final a ser ulteriormente pleiteada, que visa recuperar os valores indevidamente desviados dos recursos públicos”, pediram os promotores.
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