“Mataram meu filho”. Essa é uma declaração do sanfoneiro Adão Piano da Silva, 41, pai do menino Danilo Santos da Silva, de 12 anos de idade, que, de acordo com ele, morreu em decorrência de negligência médica, na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Delmiro Gouveia.
O músico, que é morador do Assentamento Maria Bonita, zona rural do município, relatou com exclusividade ao Correio Notícia que, no dia 17 do mês passado, apresentando tosse e vômito constantes, o filho dele foi levado para a Unidade Mista e Emergência Doutor Antenor Serpa (Umeas), localizada na cidade.
“O médico que atendeu meu filho no hospital o diagnosticou com vermes e início de asma, e o medicou. Pouco tempo depois de ser medicado, após se sentir melhor, o menino recebeu alta”, disse Adão Piano.
No entanto, no dia seguinte, segundo o sanfoneiro, o filho apresentou novamente os mesmos sintomas e, durante o período da manhã, foi levado para outro hospital, no bairro Xingó, em Piranhas. “Mais uma vez ele foi medicado e desta vez o médico que nos atendeu solicitou alguns exames, porque, de acordo com ele, meu filho estava com vermes. Após o atendimento, voltamos para casa”, afirmou o pai.
Depois de chegar em casa, o sanfoneiro relatou que procurou uma clínica particular para marcar um exame com um psiquiatra, mas, na parte da tarde, ao perceber que a criança não apresentou nenhuma melhora no quadro de saúde, ele e a esposa decidiram levar o menino para a UPA de Delmiro Gouveia.
“Ele estava tossindo e vomitando muito, quando foi atendido, mas, depois de ser medicado, sentiu uma melhora. O médico que o atendeu fez alguns exames e informou que os resultados mostraram que meu filho estava com o coração alterado e que, com isso, precisava ser transferido para um hospital especializado, em Maceió”, disse o pai.
Adão disse ainda que, na manhã do dia 19 de outubro, enquanto aguardava a transferência, perguntou para a assistente social plantonista se ela poderia levar a criança para se consultar numa clínica, já que o atendimento da UPA estaria demorando. Segundo ele, a mulher disse que autorizaria a saída da criança da unidade de saúde, contanto que ele assinasse um termo assumindo a responsabilidade.
“A assistente social me disse ainda que assim que eu tirasse meu filho da UPA, iria colocar a polícia para me procurar. A princípio decidi não o levar mais, porém, ao vê-lo passar mal depois de receber duas injeções dadas por um enfermeiro, o deixei junto com a mãe na UPA e fui procurar um lugar especializado para socorro na Bahia”, contou.
O sanfoneiro explicou que, enquanto estava viajando para o município de Paulo Afonso (BA), nas proximidades do povoado Sinimbu, ainda no município de Delmiro Gouveia, a esposa dele ligou avisando que o filho deles seria transferido para Maceió naquele momento.
“Quando atendi ao telefone, minha mulher disse que eu tinha que voltar urgentemente para UPA. No entanto, quando retornei, descobri que ele não iria ser transferido naquela ocasião e que não tinham sequer acionado o SAMU”, relatou.
Ainda de acordo com Adão, no período da tarde do mesmo dia, um enfermeiro aplicou outras três injeções no menino, que, pouco tempo depois, começou a passar mal novamente. “Corri desesperadamente à procura de um médico, mas não localizei nenhum na UPA. A sorte é que encontrei uma enfermeira, que foi até a sala e acionou o SAMU para realizar a transferência imediatamente de meu filho para Maceió”, lembrou o pai.
Segundo ele, durante o trajeto, a situação do menino piorou e os socorristas do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) o levaram para o hospital de Batalha. “Ele foi medicado e novamente sentiu uma melhora. Continuamos o percurso, mas, ao se aproximar da cidade de Campo Alegre, a situação dele voltou a piorar. Pai, vou morrer, não aguento mais. Era o que meu filho me dizia, e eu, sem saber o que fazer, dizia que ele não iria morrer”, disse o pai.
Os socorristas do SAMU levaram o menino para a Unidade Mista Senador Arnon de Melo, em Campo Alegre, mas ele morreu a caminho do hospital. “Passei mal ao ver meu filho morrendo na minha frente e fiquei inconsciente. Depois de retomar a consciência, um médico confirmou a morte do menino, alegando que eu procurasse a Justiça, porque ele poderia ter sido vítima de negligência médica”, argumentou.
O médico, que se trata de Gilson Heleno Barbosa Silva, clínico geral da referida unidade de saúde, conforme o pai, disse que na ficha médica que seria do menino constavam dados de outra pessoa, de 71 anos de idade, o que pode ter ocasionado uma medicação errada na criança. “O Dr. Gilson teve que fazer a declaração de óbito de meu filho por meio de dados repassados por mim, porque na ficha dele, que foi entregue pelo pessoal do SAMU depois que fiquei inconsciente, não tinha nada sobre ele”, recordou Adão.
Relatório que estava junto com documentação do atendimento da criança entregue no hospital de Campo Alegre (Cortesia/Família) |
Segundo a declaração de óbito preenchida pelo médico (anexada no fim do texto), a morte de Danilo da Silva aconteceu em decorrência de um infarto agudo do miocárdio.
Conforme o pai do menino, o médico Gilson Heleno, que emitiu a declaração de óbito, ficou muito sensibilizado com a situação, tanto que chorou junto com ele e arcou com todos os custos do funeral da vítima.
“Ele ficou comovido quando contei que o menino era amante de vaquejada e que dois dias antes de morrer tinha ganhado um prêmio em uma disputa. Disse também para ele que, apesar de ter apenas 12 anos, meu filho tinha vários prêmios que ganhou em vaquejadas, inclusive todos estão guardados em casa juntamente com suas vestimentas de vaqueiro”, contou o pai.
Embora tenha sido orientado pelo clínico geral que o atendeu, Adão Piano decidiu que não pretende judicializar o caso. “Não quero e nem posso levar esse caso à Justiça, mas quero que todos saibam o que aconteceu com meu filho para que não aconteça com outra pessoa”, explicou.
Danilo era o filho mais novo de Adão, que tem outros seis filhos, sendo quatro homens e duas mulheres, com idades entre 16 e 22 anos.
Por meio de uma nota de esclarecimento enviada ao Correio Notícia, na última terça-feira (1), o diretor médico da UPA de Delmiro Gouveia, Dr. Gustavo Tenório, negou veementemente a existência de negligência médica, assegurando que o paciente foi medicado corretamente durante todo o atendimento na Unidade de Pronto Atendimento.
Ele relatou também que o paciente deu entrada no consultório da UPA com quadro de tosse e vômitos persistentes há cinco dias e que um exame físico evidenciou desidratação leve associada a uma taquicardia e uma taquipneia leve.
Ainda de acordo com o relato da nota, o pai foi comunicado da gravidade do quadro clínico do filho e que o menino precisava ser transferido para o hospital de Santana do Ipanema ou para o Hospital Geral do Estado (HGE), em Maceió.
Conforme o relato, o pai se recusou a transferir o filho alegando que iria levá-lo por contra própria para ser avaliado por outro médico, o que a assistente social não autorizou.
Sobre o prontuário médico, ainda de acordo com a nota, o documento foi entregue para a equipe do SAMU no momento da transferência do paciente para o HGE e que não há chance de ter acontecido erro, porque a transferência somente é realizada depois de todos os documentos serem conferidos.
Em contato com a reportagem do Correio Notícia, um funcionário da UPA, que preferiu não ter o nome divulgado, disse que há três anos uma filha de Adão morreu depois de apresentar os mesmos sintomas de saúde do irmão, sugerindo que seria um problema hereditário.
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